‘Efeito Biden’ vira arma da oposição, mas fragilidade de Lula é outra
Apesar dos ataques, o que preocupa no presidente da República não é a idade avançada, mas, sim, a defesa de ideias envelhecidas e propostas retrógradas
Na campanha de 2022, Lula fez um esforço especial para demonstrar vigor físico. Com 77 anos de idade completados três dias antes do segundo turno, ele repetiu aos eleitores ter a energia de um garoto, apareceu aos pulos sobre um trio elétrico na Bahia, registrou nas redes sociais seus exercícios diários e ainda se disse renovado graças ao casamento com Janja e ao “tesão de 20 anos” para governar o país. Bem-sucedida, a estratégia fez com que a idade do petista — que garantiu em 2023 o título de presidente mais velho a tomar posse — não virasse um tema da corrida eleitoral. O desenrolar das eleições deste ano nos Estados Unidos, porém, jogou luz no assunto. Desde que o presidente americano Joe Biden, de 81 anos, apareceu trôpego, com lapsos de memória e uma constrangedora fragilidade durante um debate com Donald Trump, a oposição brasileira, que segue cegamente a cartilha trumpista, tem apelado ao etarismo e tentado igualar Lula a Biden, alegando que nenhum dos dois tem condições de saúde para administrar um país. A comparação não tem nenhum pé na realidade, mas a racionalidade e o respeito aos fatos não são propriamente características do embate político.
“Todos que acham que eu estou cansado, eu convido a fazer uma agenda comigo durante o meu mandato. Se ele aguentar levantar 5h e dormir meia-noite todo dia, aí ele pode dizer que eu estou cansado”
Muito bem de saúde, Lula mantém uma agenda frenética de viagens dentro e fora do país, e as controvérsias que ele produz decorrem principalmente de suas crenças ultrapassadas. Algumas ideias dele, sim, envelheceram. Esse é o ponto, e não a idade, como insistem os bolsonaristas na arena digital. Em 2026, Lula terá os mesmos 81 anos de Joe Biden e, se nada mudar, tentará a reeleição. O presidente afirmou que seu nome estará novamente nas urnas caso não haja alternativas capazes de derrotar o “fascismo”. “Mas espero que até lá a gente arrume uma pessoa mais competente, mais jovem, com mais disposição”, declarou. Ao mesmo tempo, Lula se diz um “menino”, garante estar movido por uma causa maior que impede o seu envelhecimento e nega sentir qualquer tipo de cansaço. “Quem achar que o Lulinha está cansado pergunte para a Janja”, afirmou recentemente, numa declaração recheada de machismo, ao ser questionado sobre as comparações com o presidente dos Estados Unidos. Dentro e fora do PT, ninguém tem dúvidas de que o candidato de Lula é o próprio Lula. Por isso, a estratégia do presidente é não polemizar sobre as circunstâncias da saída de cena de Biden.
Já a oposição brasileira abusa dos trocadilhos e faz correr nas redes sociais o apelido de “Biden da Silva” numa alusão ao presidente brasileiro. Desde o início do mandato, Lula derrapa em desatinos verbais, como quando disse que “se o cara é corintiano, tudo bem” ao comentar o aumento da violência contra as mulheres após jogos de futebol. Em geral, os adversários pegam carona nessas declarações para se contrapor ao presidente e vinculá-lo ao mandatário dos Estados Unidos. Chefe da Casa Civil no governo Bolsonaro, o senador Ciro Nogueira (PP-PI) rebateu uma comparação que o petista fez entre a gestão do capitão e a Faixa de Gaza, bombardeada ao longo dos últimos nove meses, da seguinte maneira: “O Brasil não é a Faixa de Gaza! Sua perda de contato com a realidade só aumenta. Como disse o NYT (The New York Times) sobre o outro Biden, seu tempo passou. Cada vez que fala, presidente Biden da Silva, como o outro, o Brasil se espanta e não reconhece quem um dia você foi”. O próprio Bolsonaro, dias depois, foi na mesma linha: “Qualquer inocente sabe que o filho do sistema não está com suas faculdades mentais normais”.
“Pareço um jovem, mas já tenho 78 anos de idade. Eu confesso a vocês que, quando a gente tem uma causa, a gente não envelhece”
Por enquanto, o presidente não deve responder à altura e pretende delegar sua defesa a aliados, como a deputada Gleisi Hoffmann, presidente do PT. Estrategistas de Lula afirmam que a ideia é fugir da armadilha dos adversários e evitar que o debate etário ganhe corpo. Ou seja, ignorar o assunto. “São situações diferentes. Ao contrário de Biden, Lula não tem problema nenhum de saúde. Quem não tem saúde não faz o que Lula faz. A melhor forma de responder é apresentando resultados e entregando aquilo que prometeu na campanha. É o que o governo vem fazendo e tende a continuar fazendo. Não haverá respostas diretas”, diz Sidônio Palmeira, marqueteiro da campanha de 2022 e conselheiro do presidente. Caso em algum momento o governo decida partir para o confronto com a oposição, o roteiro também está traçado e mira Donald Trump, o queridinho dos bolsonaristas, que tem os mesmos 78 anos de Lula. Uma forma, portanto, de dizer que o problema não está na idade. Além disso, a ideia é dar demonstrações de que Lula segue saudável.
Em aparições públicas ou nas redes sociais, não raro o presidente aparece suando a camisa — literalmente. “Eu queria convidar vocês a andar, fazer um pouco de exercício, não ficar parado no sofá, não ficar sentado muito tempo, porque isso vale uma consulta médica”, disse Lula em vídeo publicado em março, enquanto corria ao redor do Palácio da Alvorada de bermuda e blusa cavada. Seis meses antes, o presidente passou por uma cirurgia para corrigir uma artrose no quadril e colocou uma prótese na região. Na mesma operação, ele também foi submetido a uma blefaroplastia, procedimento destinado a retirar o excesso de pele das pálpebras que lhe rendeu uma expressão mais jovial. Ex-fumante, Lula teve câncer na laringe em 2011, passou por sessões de quimioterapia e radioterapia e foi curado. Ao fim das eleições de 2022, passou novamente por um procedimento para tratar uma leucoplasia, quando lesões na laringe provocam a rouquidão, e a operação também foi bem-sucedida. Se hoje a discussão sobre a idade de Lula parece ser um problema mais fácil de ser contornado, um outro debate mais complexo terá de ser enfrentado.
“Quem achar que o Lulinha está cansado pergunte para a Janja”
Um dos fundadores do PT, o presidente é a maior liderança da legenda desde 1980, concentra as principais decisões partidárias e não abre espaço para ser ocupado por algum sucessor no curto prazo. Dentro da legenda, e sob total reserva, “centralizador” e “soberano” são apenas alguns dos adjetivos usados por aliados para classificar a relação de Lula com o PT. “O problema não é a idade. O problema de Lula é que suas ideias são velhas e suas estratégias também. Ele não ajudou na renovação do PT. O PT vai defendê-lo até o fim e sob quaisquer circunstâncias, simplesmente porque não tem outra alternativa”, afirma Alberto Aggio, professor de história política da Unesp. Para tentar impedir a reeleição do petista, a oposição tem flancos bem mais promissores para explorar. Enquanto o ex-presidente Jair Bolsonaro, 69 anos e inelegível até 2030, produz memes para as redes sociais, o governador Tarcísio de Freitas, 49 anos, vende uma agenda de modernização da economia (leia a reportagem na pág. 22). A idade que importa é a das propostas.
Publicado em VEJA de 26 de julho de 2024, edição nº 2903