E-mail de subprocurador que investiga Moro a petista acirra ânimos no TCU
Mensagem foi enviada para uma ex-ministra investigada na Operação Lava-Jato
![REMETENTE - Furtado: consulta sobre a conveniência da ação de interesse do governo -](https://veja.abril.com.br/wp-content/uploads/2022/02/LUCAS-FURTADO-TCU-4.jpg.jpg?quality=90&strip=info&w=1280&h=720&crop=1)
A mensagem abaixo foi encontrada nos computadores do Palácio do Planalto durante uma investigação da Polícia Federal sobre tráfico de influência que envolveria autoridades do governo Lula (PT). Nela, o procurador Lucas Furtado, do Tribunal de Contas da União (TCU), encaminha a Erenice Guerra, então consultora jurídica do Ministério das Minas e Energia (MME), o texto de uma representação que ele pretendia impetrar contra o governo. O procurador indaga a assessora sobre a “conveniência” da ação, coloca-se à disposição para alterar o texto, caso ela considerasse isso necessário, incluindo ou excluindo o que fosse de seu interesse — procedimento estranho e absolutamente anormal. O e-mail, enviado em setembro de 2004 e anexado num processo criminal que tramitou na Justiça Federal em Brasília, deve inflamar ainda mais um controverso e virulento embate que há meses vem sendo travado em alguns gabinetes do TCU.
![E-mail e-mail](https://veja.abril.com.br/wp-content/uploads/2022/02/E-mail.jpg?quality=70&strip=info&w=1024&crop=1)
Lucas Furtado está na ponta de um cabo de guerra que, aos poucos, vai assumindo forma de disputa política. É dele o pedido de abertura de processo para investigar o presidenciável Sergio Moro por um suposto conflito de interesses no período em que o ex-juiz trabalhou para a consultoria Alvarez & Marsal, depois de deixar o cargo de ministro da Justiça do governo Bolsonaro. Também partiu do procurador requisições para que a empresa informasse detalhes do contrato e o valor dos honorários pagos ao ex-magistrado. Após receber as informações, Furtado pediu o bloqueio dos bens de Sergio Moro. Na outra ponta do cabo de guerra está o também procurador Júlio Marcelo de Oliveira, responsável pelo processo, que considera a investigação iniciada a pedido de Furtado como estranha e indevida e sugere que o colega estaria agindo por motivação política. Furtado, por sua vez, pediu o afastamento de Júlio Marcelo do caso, argumentando que ele é amigo de Sergio Moro e, portanto, não seria imparcial.
![ERENICE-GUERRA-DILMA-ROUSSEFF-11.jpg DESTINATÁRIO - Erenice Guerra: ex-ministra do governo Lula e ex-braço direito da então ministra Dilma Rousseff -](https://veja.abril.com.br/wp-content/uploads/2022/02/ERENICE-GUERRA-DILMA-ROUSSEFF-11.jpg.jpg?quality=70&strip=info&w=1024&crop=1)
A mensagem promete acirrar ainda mais esse debate no tribunal. Braço direito da então ministra Dilma Rousseff, Erenice Guerra chegou a chefiar a Casa Civil no governo Lula por alguns meses, antes de ser abatida por denúncias de tráfico de influência. Ela também teve o nome envolvido na Lava-Jato por delatores que a acusaram de receber dinheiro de empreiteiras em contrapartida a contratos federais na área de energia. A proximidade do procurador com Erenice é conhecida entre os servidores mais graduados do TCU. Na época, conta um deles reservadamente, Furtado buscava apoio político a uma eventual indicação de seu nome a uma vaga de ministro da Corte — prática comum e que, em princípio, nada tem de ilegal. O e-mail tratava do contingenciamento de recursos da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e seria parte dessa estratégia para angariar a simpatia dos figurões petistas. “Seja absolutamente sincera quanto à necessidade ou conveniência de ser encaminhada a presente representação e fique à vontade para fazer qualquer sugestão de nova redação para o texto, seja para incluir nova redação, seja para excluir partes dele”, ofereceu o procurador. Não se sabe se Erenice propôs alguma alteração, mas, no fim, o TCU considerou regular o contingenciamento dos recursos, decisão que atendia aos interesses do governo.
Numa campanha presidencial, o jogo dos bastidores em Brasília fica exponencialmente mais ácido. De um lado e do outro, simpatizantes acabam tentando atrapalhar o adversário e ajudar o grupo mais próximo dentro das suas esferas de atuação. Neste ano, esse xadrez está ainda mais evidente. Pela sua trajetória e pelos limites que cruzou durante o caminho, Moro tem contra si uma poderosa ala que não gostaria de vê-lo comandando o país (e ela naturalmente se movimenta para isso). Da mesma forma, o então juiz tomou decisões com interesses específicos em algumas situações — os exemplos mais clássicos são o vazamento de diálogos para impedir a posse de Lula como ministro de Dilma Rousseff e a divulgação da furada delação de Antonio Palocci às vésperas da eleição. Ou seja: Moro mostrou que joga e sabe jogar. No caso da investigação do TCU, agora na condição de vidraça, ele de fato tem perdido pontos importantes em sua imagem (talvez a estagnação nas pesquisas seja um dos reflexos disso). A suspeita no TCU é de que ele teria levado informações confidenciais da Lava-Jato para municiar sua contratante na iniciativa privada. Por enquanto, não existem provas disso.
![JULIO-MARCELO-OLIVEIRA-TCU-2017-2.jpg NA OUTRA PONTA - Júlio Marcelo: citado como amigo do presidenciável Sergio Moro -](https://veja.abril.com.br/wp-content/uploads/2022/02/JULIO-MARCELO-OLIVEIRA-TCU-2017-2.jpg.jpg?quality=70&strip=info&w=1024&crop=1)
Procurado sobre o polêmico e-mail, o hoje subprocurador Lucas Furtado disse a VEJA que conhece Erenice Guerra, mas nunca a consultou previamente sobre representações que impetrou no TCU. Ele também garantiu não ter nenhuma relação com o PT. Confrontado depois com a mensagem, Furtado ponderou que não se lembrou do episódio em razão de um problema de saúde que sofreu há anos, mas que seu objetivo, ao consultar a ex-ministra, era apenas “colher a opinião de quem acompanhava o processo”. Já Erenice declarou que mantinha contato com técnicos do TCU como parte de suas atribuições no governo, mas que “nunca” recebeu nenhuma consulta do procurador e muito menos o orientou a como proceder no tribunal. Júlio Marcelo, por sua vez, garante que não existe qualquer laço de amizade entre ele e Sergio Moro e provoca: “Lucas Furtado é autor de centenas de representações no TCU e respeita a regra do procurador natural em quase todas elas. As exceções são esses procedimentos que envolvem pessoas ligadas à Lava-Jato”. O jogo, como se vê, ainda está longe do fim.
Publicado em VEJA de 16 de fevereiro de 2022, edição nº 2776