Quando foi acusado de ter recebido como propina um apartamento tríplex de uma das empreiteiras envolvidas no escândalo de corrupção na Petrobras, o ex-presidente Lula optou por tentar desqualificar o sistema. Segundo ele, a Polícia Federal, o Ministério Público e a Justiça — em particular o juiz Sergio Moro — eram personagens de uma conspirata destinada a pôr um ponto-final em sua carreira política. Acabou condenado a doze anos e um mês de cadeia por corrupção e lavagem de dinheiro. Na quarta-feira 14, o ex-presidente voltou à 13ª Vara Federal de Curitiba para prestar depoimento em um processo no qual é, outra vez, acusado de ter recebido vantagens de empreiteiras envolvidas na Operação Lava-Jato. A tática de atacar, que se revelou inepta no primeiro caso, foi repetida. Lula se disse vítima de perseguição, bateu boca com a juíza Gabriela Hardt e classificou o julgamento como uma “farsa”.
Foi a primeira aparição pública do ex-presidente após 222 dias de prisão. Nervoso, ele recorreu às tradicionais ironias, não pediu que o chamassem de presidente, mas tentou invocar certa autoridade logo no início do depoimento: “Eu sou dono do sítio ou não?”, perguntou, em tom de provocação, à juíza. “Isso o senhor que tem que responder, não eu”, rebateu de pronto Gabriela Hardt, substituta interina de Sergio Moro nos processos da Lava-Jato. Ela ainda o advertiu: “Se o senhor começar nesse tom comigo, a gente vai ter problema”. A audiência, que durou cerca de três horas, foi marcada por pequenos embates entre o condenado e a magistrada. Sobre a acusação em si, o ex-presidente nada explicou. Disse que desconhece a participação do PT no escândalo da Petrobras (já confessada por dezenas de testemunhas), que nunca ouviu falar em pagamentos de propina (admitida pelos seus próprios ex-assessores) e que não sabe por que empreiteiros pagaram a reforma do sítio (propina, segundo eles).
Em abril de 2015, durante as investigações da Lava-Jato, VEJA revelou que o empresário Léo Pinheiro, então um dos donos da OAS, havia reformado o sítio de Atibaia a pedido do ex-presidente. Era a primeira vez que o nome de Lula aparecia como beneficiário direto do maior esquema de corrupção já descoberto no país. As investigações comprovaram a denúncia. Além da OAS, a Odebrecht e a Schahin dividiram a conta da reforma, orçada em 1 milhão de reais. Em depoimento prestado na semana passada, Pinheiro reafirmou que o sítio de Atibaia, que está em nome de duas pessoas próximas a Lula, na verdade pertencia ao ex-presidente, como revelou VEJA há três anos. E confirmou também que o dinheiro para reformá-lo saiu de uma conta de propina que o PT mantinha junto à empreiteira, recursos administrados pelo ex-tesoureiro do partido João Vaccari Neto. “Eu fui convocado pelo Lula para um encontro no Instituto. Chegando lá, ele me explicou que queria fazer uma reforma, não era uma reforma grande, no sítio em Atibaia (…). Eu não podia negar pelo nosso relacionamento, pelo que ele fez pela empresa, então eu tive que atender. Não era uma coisa comum.”
Esse caso poderá render mais uma pena a Lula. Em janeiro deste ano, o ex-presidente foi condenado por unanimidade em segunda instância a doze anos e um mês de prisão. Lula foi acusado de ter se beneficiado de uma reforma no luxuoso tríplex do Guarujá, também bancada pela OAS com dinheiro da conta de propina de Vaccari. Para o ex-presidente, tudo isso é parte da tal “farsa” que teria transformado seus antigos parceiros, inclusive Léo Pinheiro, em delatores. “Nunca foi tão fácil ser ladrão neste país”, disse. “Você rouba, faz a delação e fica com um terço do roubo ou dois terços do roubo.”
O sítio virou reduto dos Bittar
Piscina limpa, grama aparada, flores bem plantadas e nenhuma rachadura na estátua do Cristo Redentor erguida na entrada do local. Com a prisão do ex-presidente Lula e a morte de Marisa Letícia, o sítio Santa Bárbara, em Atibaia, reformado para os Lula da Silva pelas empreiteiras OAS e Odebrecht, agora se encontra sob os cuidados da família do empresário Fernando Bittar, em nome de quem a propriedade sempre esteve. No feriado de 15 de novembro, Bittar convidou amigos de Campinas (seu pai, Jacó Bittar, foi prefeito da cidade) para passar alguns dias na chácara. Um primo do empresário ocupa permanentemente a residência.
Os dois pedalinhos com o nome dos netos de Lula, Pedro e Arthur, e o barco com a inscrição “Lula & Marisa” estão intactos à beira do lago, e alguns dos presentes recebidos pelo ex-presidente, como garrafas de vinho e uísque, além de charutos, continuam guardados nos aposentos da família. A VEJA, o caseiro do sítio, Élcio Pereira Vieira, conhecido como Maradona, disse que ainda cuida da horta que era de Marisa — lá ele cultiva alface, cebola e cenoura. “O sítio era a vida dela. Ela gostava muito daqui”, lembra.
Segundo Maradona, é Bittar quem faz o pagamento de todas as despesas, incluindo seu salário, num total de 6 000 reais.
Eduardo Gonçalves
Publicado em VEJA de 21 de novembro de 2018, edição nº 2609