Disputa entre iguais: a afinidade de ideias de Baleia Rossi e Arthur Lira
Apesar de travarem debates acalorados, os principais candidatos à presidência da Câmara têm muito mais pontos em comum do que divergências
Há uma linha divisória bem definida entre os dois principais concorrentes à presidência da Câmara. O deputado Baleia Rossi (SP), líder do MDB, é apoiado por partidos de centro e de esquerda que querem derrotar o nome de Jair Bolsonaro na disputa, marcada para fevereiro, e lançar candidatos próprios ao Palácio do Planalto em 2022. Já o deputado Arthur Lira (AL), líder do Progressistas, conta com o apoio do presidente da República e de legendas governistas que desde já estão dispostas a trabalhar pela reeleição do ex-capitão. As motivações eleitorais de cada lado são claramente divergentes, mas na maioria das outras áreas predominam convergências entre os rivais. Ambos são filhos de políticos, fizeram carreira como governistas empedernidos e, no atual mandato parlamentar, votaram de forma majoritária a favor de projetos defendidos por Bolsonaro. Apesar dos debates acalorados que travam em busca dos votos dos colegas, eles também apresentam em suas respectivas campanhas pelo comando da Casa opiniões parecidas sobre assuntos cruciais da agenda legislativa.
VEJA submeteu aos dois postulantes uma mesma lista de perguntas sobre economia, agenda de costumes e combate à corrupção. As respostas dadas prescrevem quase os mesmos receituários. Autor de uma das propostas de reforma tributária em tramitação na Câmara, Rossi apontou a aprovação do texto como o caminho mais fácil para melhorar o ambiente de negócios, estimular investimentos e gerar empregos no país. Lira não tratou especificamente das mudanças no sistema de tributos, mas, em linha com o ministro Paulo Guedes, discursou a favor da retomada, o mais rápido possível, do debate sobre a modernização do Estado. “As reformas estruturantes são necessárias para o Brasil. Podemos tratar do tema com muito diálogo logo no primeiro semestre”, afirmou. Os candidatos também juraram que, se eleitos, defenderão o respeito ao teto de gastos mesmo em momentos de grave crise. Até por isso, mostraram-se cautelosos ao comentar a possibilidade de prorrogação do auxílio emergencial. “Não defendo necessariamente a extensão do auxílio emergencial, mas alguma forma de socorrer quem está sofrendo com a pandemia. Como a economia ainda não retomou, as pessoas vão continuar com as mesmas dificuldades do ano passado”, declarou Rossi.
Ao apoiar o emedebista, o PT, a maior bancada da Câmara, exigiu dele compromisso de submeter à votação propostas que prorrogam o benefício. Como Bolsonaro e Guedes já se posicionaram contra essa iniciativa, Lira acusou o adversário de tratar o tema de maneira “irresponsável” e pondera que, antes “de qualquer promessa vazia, será preciso avaliar a disponibilidade de recursos”. Sua manifestação não foi de repúdio à extensão do auxílio, mas de cautela. Os candidatos compartilham também de percalços na Justiça. Ambos foram acusados de receber recursos ilícitos em acordos de delação premiada, o que negam. O Progressistas de Lira é o partido com mais políticos investigados na Lava-Jato. O MDB de Rossi, de longa tradição, carrega no currículo denúncias de corrupção na Petrobras e no setor elétrico. Perguntados se darão prioridade a projetos que tratam do fim do foro privilegiado e da possibilidade de prisão após condenação em segunda instância, bandeiras de forte apelo popular e empunhadas por investigadores, os dois deram respostas vagas. A explicação é simples: no plenário da Câmara, o discurso segundo o qual a Lava-Jato criminalizou a atividade político-partidária é predominante.
“Nós vamos dar total liberdade para que qualquer assunto seja discutido amplamente”, declarou Lira, esquivando-se do mérito da questão. “A pauta de votação não pode estar apenas nas mãos do presidente. Ela deve ser decidida pelos partidos de forma colegiada”, tergiversou Rossi. Até pela natureza de suas alianças, uma dita progressista, outra tachada de conservadora, as diferenças mais marcantes ocorrem na agenda de costumes. O caso do chamado excludente de ilicitude é emblemático. Rossi não vê urgência no projeto que anistia policiais que mataram em operações. Já Lira, conhecedor dos ânimos do presidente, diz que, se for da vontade da maioria dos líderes dos partidos, submeterá a proposta a voto. “A Câmara somente é independente de fato se pudermos discutir abertamente todos os temas e pautas”, diz. Diante de tantas semelhanças de trajetória e ideias, o que decidirá mesmo a disputa serão as vantagens que cada um oferecerá a seus colegas deputados. Vai ser a eleição das promessas e do corpo a corpo.
Publicado em VEJA de 20 de janeiro de 2021, edição nº 2721