Crescem as discussões sobre o tipo de pena a ser aplicado a Bolsonaro, se condenado
Por questões de saúde, ex-presidente já é um forte candidato a receber o direito de transformar em carceragem a residência em que vive

Pelo cronograma traçado, o julgamento de Jair Bolsonaro e de outros sete réus acusados de tentativa de golpe de Estado deve ser concluído entre agosto e setembro. Em Brasília, não há muita margem para dúvidas sobre o veredicto que será anunciado pelo Supremo Tribunal Federal (STF). O ex-presidente pode ser condenado a até quarenta anos de prisão. No pior dos cenários, passará pouco mais de seis anos — o equivalente a um sexto da pena — cumprindo a sentença em regime fechado. Diante dessa perspectiva, muito se especula sobre o local onde ele ficará detido. Há algumas opções em avaliação. Pode ser na Papuda, a famosa penitenciária do Distrito Federal que recebeu os condenados do mensalão. Pode ser nas dependências da Polícia Federal, como já aconteceu com o presidente Lula em 2018. E pode ser em uma unidade militar do Exército. A decisão caberá ao ministro Alexandre de Moraes, relator do processo, que ainda pode optar por uma quarta alternativa: a prisão domiciliar. Nesse caso, Bolsonaro cumpriria a primeira etapa da pena em casa, usando tornozeleira eletrônica e impedido de manter qualquer tipo de contato com outras pessoas, à exceção da mulher, dos filhos e dos advogados — hipótese que tem sido discutida em conversas reservadas de ministros do STF e altos funcionários do governo.

Com um histórico de cirurgias desde que teve o intestino perfurado por uma facada que sofreu na campanha eleitoral de 2018, Bolsonaro, por questões de saúde, já é um forte candidato a receber o direito de transformar em carceragem a residência em que vive, em um condomínio de classe média alta em Brasília. Foram duas intervenções cirúrgicas no ano do atentado, duas em 2019 e outras três entre 2020 e abril passado para desobstruir o trato intestinal, eliminar hérnias e aderências e reconstruir a parede do intestino. No último dia 19, durante um evento em Goiás, o ex-presidente sentiu tremores, teve a fala interrompida por uma sequência de soluços e se desculpou. “Estou muito mal. Vomito dez vezes por dia”, disse ele, antes de ser encaminhado a um hospital para fazer novos exames. Pelo lado jurídico, também há precedentes que podem favorecer o capitão. No mês passado, por exemplo, o ministro Alexandre de Moraes autorizou que o ex-presidente Fernando Collor de Mello, portador da doença de Parkinson, cumprisse os mais de oito anos de cadeia a que foi condenado na Lava-Jato em seu apartamento em uma praia de Maceió.
Em uma eventual condenação, caberia aos advogados de Bolsonaro a iniciativa de solicitar ao STF a prisão domiciliar. Invocar o privilégio, porém, vai embutir alguns cálculos políticos. O ex-presidente insiste em repetir publicamente que é vítima de uma ditadura do Judiciário. Como se sabe, ainda que esteja inelegível, ele se apresenta como candidato à Presidência da República em 2026. Trancafiado numa penitenciária, o discurso de que é alvo de perseguição, de uma conspirata para impedir que ele retorne ao poder, ganharia força e manteria seus aliados mais fiéis em estado de alerta. Com ele preso em casa, essa narrativa pode perder tração. Além do uso de tornozeleira eletrônica, Bolsonaro estará proibido de utilizar redes sociais, uma das armas preferidas da direita para campanhas políticas, não poderá se comunicar com outros condenados, ficará impedido de conceder qualquer tipo de entrevista e tampouco poderá receber visitas que não sejam de seus familiares. Isolado e incomunicável, estaria em condições similares ao regime fechado comum, com a agravante de que a solicitação do privilégio poderia ser interpretada como sinal de fraqueza, fim de linha ou mesmo confissão de culpa.

Réu por crimes como tentativa de abolição do Estado democrático, organização criminosa armada e golpe, Bolsonaro é apontado como artífice de um plano para reverter o resultado das eleições de 2022, intervir na Justiça Eleitoral e até eliminar adversários políticos. Conforme o veredicto, ele terá direito a apresentar recursos para questionar, por exemplo, o tamanho da pena ou esclarecer eventuais omissões na sentença. O STF montou um calendário para encerrar o processo até o fim do ano e, dessa forma, evitar que o julgamento coincida com o início da disputa presidencial de 2026, impedindo a politização do caso. Na terça-feira 24, na fase final de produção de provas, o STF realizou duas acareações com acusados de integrar a trama golpista. Frente a frente com o tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro que fez acordo de delação premiada, o general Walter Braga Netto, apontado como um dos líderes da sublevação, negou ter dado dinheiro para custear manifestações pró-golpe ou ter sediado em sua casa uma reunião para discutir a trama. Em outra acareação, o então comandante do Exército, general Freire Gomes, afirmou que a minuta de golpe apresentada em uma reunião com o ex-presidente Bolsonaro era “semelhante” a uma versão encontrada na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres, acusado de ser um dos responsáveis por dar embasamento jurídico a ações extremadas. Nenhum deles alterou o teor das declarações anteriores.

A principal aposta da defesa de Bolsonaro e dos outros réus que compõem o núcleo central da tentativa de golpe é desacreditar o acordo de delação premiada de Cid, que, conforme revelaram reportagens de VEJA, usou clandestinamente o perfil @gabrielar702 para discutir detalhes dos depoimentos prestados à Polícia Federal, o que é proibido. O tenente-coronel negou que tivesse burlado as regras da colaboração. Porém, a Meta, empresa responsável pelo Instagram, confirmou ao STF que o tal perfil está vinculado a um e-mail em nome do militar. Na quarta-feira 25, surgiu uma novidade com potencial de embolar ainda mais o caso. Cid informou ao Supremo que os advogados Fabio Wajngarten e Paulo Cunha Bueno, ambos defensores de Bolsonaro, tentaram obter com familiares dele detalhes sobre a colaboração, o que seria ilegal e pode ser enquadrado como tentativa de obstrução da Justiça. Moraes deu ordens para que ambos sejam ouvidos nos próximos dias. Nas redes sociais, Wajngarten disse que recebeu com tranquilidade a convocação, para criticar em seguida a medida: “A criminalização da advocacia é a cortina de fumaça para tentar ocultar a expressa falta de voluntariedade do réu delator Mauro Cid e a consequente nulidade da colaboração”.

A despeito dos esforços de sua defesa, o ex-presidente, ciente de que o torniquete está cada vez mais apertado, convidou seus seguidores para mais uma manifestação pública de apoio a ele no domingo 29, em São Paulo. Durante as investigações do caso, o Comando Militar do Planalto chegou a preparar uma sala para receber o ex-presidente, diante dos rumores que circulavam sobre a possibilidade de uma prisão preventiva. A avaliação hoje é a de que a presença do ex-mandatário em um ambiente amplamente simpático a ele poderia galvanizar discursos enviesados contra o Judiciário, anuir com a formação de novos acampamentos de apoiadores e voltar a manter o país sob tensão. “Alexandre de Moraes seria muito ingênuo se autorizasse a prisão de Bolsonaro em uma unidade militar”, resume um integrante do governo com acesso aos ministros do Supremo. A outra hipótese, a Papuda, também é considerada inquietante. Na penitenciária, Bolsonaro reforçaria a imagem de “mártir”, além de existir risco real de algum tipo de atentado ou de ter o estado de saúde agravado. “Imagina se ele morre na prisão”, pondera o mesmo assessor. Por isso, segundo ele, a prisão domiciliar pode ser uma boa alternativa. Faltando pouco para o fim do processo, Alexandre de Moraes autorizou recentemente sete condenados pelos ataques do 8 de Janeiro a cumprirem suas penas em casa. Indagado por VEJA a respeito dessas especulações, o ex-presidente foi enfático: “Não tem preparação para nada (de prisão). Não tem nem por que me condenar”. Falta combinar isso com o STF.
Publicado em VEJA de 27 de junho de 2025, edição nº 2950