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Havia pressão pelo ‘kit Covid’ na Prevent Senior, relata médico à CPI

Já o outro depoente, paciente da operadora, disse que a família não deixou que fosse adotado tratamentos paliativos: 'Sou testemunha da política criminosa'

Por Da Redação
Atualizado em 7 out 2021, 18h20 - Publicado em 7 out 2021, 10h41

Próximo do fim dos depoimentos, a CPI da Pandemia ouviu nesta quinta-feira, 7, duas pessoas diretamente envolvidas no caso Prevent Senior. O primeiro a falar foi Tadeu Frederico Andrade, cliente da operadora. Depois, foi a vez de Walter Correa de Souza Netto, ex-médico da empresa, que conseguiu no Supremo Tribunal Federal (STF) o direito de ficar em silêncio diante de perguntas que possam incriminá-lo ou colocar em risco seu sigilo profissional com pacientes.

O depoimento

Questionado pelo relator Renan Calheiros, Tadeu Andrade confirmou o relato que já havia enviado à CPI sobre o momento em que foi infectado pelo coronavírus. Segundo ele, um motoboy levou o ‘kit Covid’ para sua casa após a suspeita de que ele estava doente e consulta on-line. Após tomar os medicamentos, que são ineficazes, o depoente informou que sua saúde piorou e ele precisou ser internado e intubado, pois também estava com pneumonia bacteriana.

Após trinta dias de internação, a filha do depoente foi informada que Tadeu passaria a receber os “cuidados paliativos” e os aparelhos seriam desligados e ele receberia uma bomba de morfina. Assim, nas palavras da médica, o paciente “teria maior dignidade e conforto” e o “óbito ocorreria em poucos dias”. A família do depoente, contudo, não aceitou.

Antes, em sua fala inicial, o depoente afirmou que sua família “lutou” contra a Prevent Senior e para que ele não morresse. Segundo ele, o tratamento paliativo era a prática da empresa.

“Sou uma testemunha viva da política criminosa dessa corporação e de seus dirigentes. Quero exaltar o profissionalismo de vários empregados da Prevent. São verdadeiros heróis. No entanto, a diretoria e seleto grupo tem uma política diferente de imposição para os médicos que lutam pela vida dos pacientes”, afirmou.

“Eu tenho uma procuração cívica para falar em nome de muitas vítimas que agora não têm mais voz. Eu tive uma maravilhosa chance por ter sobrevivido. E, por isso, não posso me omitir. Tenho que denunciar os gravíssimos fatos que eu e minha família vivenciamos, assim como inúmeras outras famílias. Não se pode permitir que o lucro se sobreponha a ética médica, a moral e a vida”, acrescentou.

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Já o médico, questionado pelo relator Renan Calheiros se as falas do presidente Jair Bolsonaro a favor do kit Covid podem ter influenciado pacientes, afirmou que sim. “Pode induzir as pessoas ao erro. É uma desinformação que pode fazer com que as pessoas deixem de tomar outras medidas. Acreditando que há um tratamento inicial eficaz, podem deixar de se proteger, evitar vacinas e outras condições que podem acabar levando a pessoa ao óbito”, afirmou. Walter Correa também desmentiu publicação do governante sobre óbitos na Prevent Senior.

O depoente salientou que a companhia cerceava a autonomia médica e restringia a realização de exames, confirmando o que havia relatado à comissão a advogada Bruna Morato. “Era um modelo basicamente voltado para os custos, e não para o bem-estar que o paciente precisava. Algumas situações não são exclusivas da pandemia. São coisas que acontecem na Prevent de forma crônica e estão inseridas na cultura da empresa”, disse.

“Existe um pequeno número de médicos, muitas vezes evolvidos com a direção, que acaba até induzindo outros médicos ao erro. Pela imposição de não ter autonomia médica, não poder pedir determinado exame. Às vezes, você tinha que negociar com quem era seu superior para fazer determinada coisa e aquilo não era autorizado. Às vezes, o paciente evoluía com gravidade ao óbito. Isso era uma política antiga da empresa”, acrescentou.

Questionado quando a operadora definiu que adotaria a hidroxicloroquina como tratamento, o médico disse acreditar que “no final de março do ano passado ou começo de abril”. “Eles instituíram um protocolo institucional e daí iniciou a determinação para que a gente prescrevesse essa medicação. Pouco depois, os kits com a medicação começaram a ser disponibilizados, colocados no consultório”, afirmou. Na sequência, em resposta ao senador Rogério Carvalho, confirmou que “era obrigatório” o uso e que “definitivamente” não havia autonomia médica.

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Segundo o Correa, os médicos da Prevent Senior sabiam que o tratamento de pacientes com Covid-19 com hidroxicloroquina não trazia os resultados prometidos. Para ele, o estudo feito pela empresa para justificar a prescrição do remédio era uma “fraude”. “Além de o estudo ser muito ruim já quando foi publicado em abril, eu internava paciente que havia tomado o kit. Eu acompanhava esse paciente depois pelo prontuário durante a internação e via esses pacientes irem a óbito”, revelou.

O médico confirmou também que foi obrigado a retirar a máscara. O fato aconteceu no início da pandemia e serviria para não assustar os pacientes. Denunciou ainda o modelo de atendimento da rede. Para ele, tratava-se de algo “absolutamente inadequado, talvez em alguns momentos até criminoso”. O depoente afirmou ainda que já tentou fazer denúncias contra a empresa nos Conselhos Regional (Cremesp) e Federal de Medicina (CFM), mas, como a categoria tinha “medo”, as acusações “não prosperavam”.

Outro fato apontado pelo médico foi a omissão da causa da morte de Anthony Wong, defensor da cloroquina. Segundo ele, seria ruim para a política da empresa que todos soubessem que Wong morreu de Covid-19, mesmo utilizando o kit com remédios ineficazes. A testemunha disse não saber por que o atestado de óbito de Regina Hang, mãe do empresário Luciano Hang, não indicava Covid-19 entre as causas da morte.

O requerimento

O pedido para ouvir ambos, na condição de testemunhas, partiu do senador Humberto Costa. Em seu requerimento, o parlamentar relata que Tadeu Frederico de Andrade contou ter sido infectado pela Covid-19 no fim de 2020 e, por telemedicina na Prevent Senior, foi-lhe receitado o “kit Covid”. Seguindo a prescrição, Andrade tomou a medicação, mas seu quadro clínico se agravou, necessitando de internação em unidade de tratamento intensivo (UTI).

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Após um mês na UTI, a equipe da empresa, segundo alegado pelo beneficiário, queria tirá-lo da internação para economizar custos, colocando-o sob cuidados paliativos. A família se recusou a aceitar tal mudança terapêutica. Por fim, Andrade se recuperou, mas denunciou a Prevent Senior à comissão parlamentar de inquérito e ao Ministério Público de São Paulo.

No depoimento do médico Walter Correa, representado pela advogada Bruna Morato, os senadores vão procurar saber se havia cerceamento da autonomia médica e profissional do corpo clínico da Prevent Senior e se realmente havia distribuição indiscriminada de remédios ineficazes que compõem o chamado tratamento precoce. Também devem questionar se havia aplicação de terapêuticas para tratamento não autorizadas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) ou aprovadas pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep).

Conforme Humberto Costa, será necessário também esclarecer se ocorreu fraude em estudo clínico conduzido pela Prevent Senior sobre a segurança e eficácia do uso de hidroxicloroquina em associação com azitromicina em pacientes leves e se houve inadequação do encaminhamento de pacientes para cuidados paliativos.

Perto do fim

Na próxima semana, o relator Renan Calheiros deve concluir seu relatório. O documento será apresentado no dia 19 de outubro e, segundo o senador, pedirá o indiciamento do presidente Jair Bolsonaro. A votação do texto ocorrerá no dia seguinte. Ao todo, a comissão ouviu sessenta pessoas durante pouco mais de cinco meses de funcionamento.

(com Agência Senado)

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