Como Garnier, o único ex-comandante acusado de golpe, tentará se safar no STF
Militar é apontado pelo Ministério Público como aquele que “anuiu com o golpe” e que teria colocado “as tropas à disposição”

A suposta ausência de um ato concreto e informações conflitantes entre as testemunhas de acusação do processo que apura a tentativa de um golpe de Estado no país estão entre as principais apostas do ex-comandante da Marinha Almir Garnier para tentar se safar de uma condenação no Supremo Tribunal Federal (STF). Entre os antigos chefes das Forças Armadas, Garnier foi o único a ter sido denunciado pelo Ministério Público e apontado como aquele que “anuiu com o golpe” e teria colocado “as tropas à disposição” de uma virada de mesa.
Na quarta-feira, 21, o ex-comandante da Aeronáutica Carlos de Almeida Baptista Junior prestou depoimento à Primeira Turma do STF e relatou que “a postura do Garnier era de muito incômodo com o processo” e reiterou que o almirante teria endossado a possibilidade de sublevação. Ainda assim, é no jogo de palavras e em eventuais contradições que a defesa do militar se apega para tentar colocar de pé a tese de que não existem provas cabais de golpismo.
Diante de Baptista Junior, a defesa do ex-chefe da Marinha disse que, em depoimento, o ex-comandante do Exército Marco Antonio Freire Gomes, um dos principais nomes no tabuleiro do Ministério Público, alegara que Garnier tinha dito estar “à disposição”, e não ter colocado “tropas à disposição”, como alega o brigadeiro. Em resposta, Baptista manteve o tom de acusação. “Nós não estávamos lá só pra discutir bases jurídicas, estávamos discutindo o ambiente e possibilidades. Eu não fiquei sabendo à toa que a Marinha tem 14 mil fuzileiros”, declarou.
Em outro momento do interrogatório, a defesa de Garnier fez menção a uma reunião em novembro de 2022 em que Baptista relata que foi afirmado que não houve fraude nas eleições, como alegam, sem razão alguma, grande parte dos bolsonaristas. “Confirma que Almir Garnier participou dessa reunião e endossou que não teria acontecido fraude?”, questionou o advogado do ex-comandante da Marinha. “Confirmo sim, senhor”, respondeu Baptista.
Um terceiro ponto também foi abordado pela banca de defesa de Garnier ao se remeter a uma biografia do ex-procurador-geral da República Augusto Aras, segundo a qual o ex-chefe do MP se reuniu diversas vezes com os comandantes militares. “A postura dos três comandantes e do Ministério da Defesa era sempre de acalmar a conjuntura, que cada um usasse os seus relacionamentos pessoais com as autoridades, as instituições, para que a conjuntura fosse menos radical do que estava na época porque a possibilidade de um problema sério na sociedade, na política, a nosso ver era muito grande”, explicou Baptista. “Isso significa que o Garnier também participava com esse intuito?”, questionou o advogado de defesa, buscando uma resposta que confirmasse uma eventual postura legalista e pacificadora do cliente. “Sim, senhor”, confirmou a testemunha.
Quais são as outras linhas de defesa de Almir Garnier na acusação de golpe?
- Classificar como “conversa de terceiros”, sem corroboração externa, uma mensagem em que Mauro Cid diz ao então ministro Walter Braga Neto que Garnier estava “firme”.
- Dizer que Garnier cumpriu sua função ao deixar o comando da Aeronáutica, assim como os chefes do Exército e da Marinha. Por esta tese, se nenhum dos militares estava à frente das tropas, não haveria meios, nem que quisessem, de levar adiante um golpe.
- ‘À disposição, se for constitucional’: em suas futuras alegações ao STF, o ex-chefe da Marinha pretende alegar que estaria à disposição do presidente exclusivamente se as medidas estudadas em 2022 fossem “constitucionais”.
- Afirmar que era o atual comandante da Marinha e antigo chefe do Setor de Operações, Marcos Sampaio Olsen, e não ele, quem teria poder sobre as tropas e os fuzileiros da força e explorar o fato de que Olsen já disse diversas vezes (e reiterou no depoimento ao STF na sexta-feira, 23) que nunca houve mobilização das tropas da Marinha.