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A eleição de 2018 não foi apenas aquela que começou com um candidato preso e outro esfaqueado: ela pôs de pernas para o ar os parâmetros eleitorais no país

Por Roberta Paduan
Atualizado em 4 jun 2024, 16h54 - Publicado em 5 out 2018, 07h00

A eleição presidencial de 2018 ficará marcada tanto pelas certezas que jogou por terra quanto pelos fenômenos que revelou. Na primeira categoria, basta lembrar que coligações partidárias, tempo de TV, dinheiro e um marqueteiro bem pago eram, até quatro anos atrás, cláusulas pétreas de uma candidatura vitoriosa. Nesta, de nada valeram. A prova do axioma pode ser resumida numa constatação que de tão bizarra parece um meme, mas não é: o Cabo Daciolo, que declarou ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) ter gasto até agora 738,37 reais em sua campanha, está tecnicamente empatado com o ex-ministro da Fazenda Henrique Meirelles, que sacou 43 milhões de reais do próprio bolso para bancar a sua, ao que tudo indica, fracassada candidatura. Detalhe: o cabo pertence ao Patriotas, partido fundado há seis anos, com menos de 80 000 apoiadores no país. Meirelles é do MDB, sigla que existe desde sempre, tem 3,4 milhões de filiados e 5 346 diretórios espalhados pelo país.

Na outra ponta — a dos fenômenos inéditos e surpreendentes, às vezes estarrecedores —, já é possível afirmar que este foi o pleito do WhatsApp, do partido de um homem só, da polarização e dos paradoxos, como o que estabeleceu que os candidatos mais rejeitados podem ser também os favoritos. Em pesquisa do Datafolha, o candidato do PSL, Jair Bolsonaro, tinha 45% de rejeição e Fernando Haddad, do PT, 41%, os maiores índices entre todos os concorrentes. Isso sem contar que a disputa começou com um candidato preso e outro esfaqueado.

A campanha de 2018 revirou de cabeça para baixo os parâmetros das eleições presidenciais tais como o Brasil se acostumou a vê-las — e a Lava-Jato teve uma significativa participação nisso. Analistas concordam que, ao revelar as vísceras da corrupção no país e aprofundar o desgaste da classe política, a operação ajudou a alavancar a popularidade de candidatos outsi­ders ou identificados como tal — caso do veterano deputado Bolsonaro, vendido e comprado como “novidade” eleitoral. A abundância de candidaturas saídas da caserna tem a mesma origem, afirmam especialistas. O fato de uma parcela da população associar os militares à garantia da lei e da ordem estimulou mais de 100 a disputar cargos legislativos neste ano, outro recorde deste pleito.

Fernando Collor e José Sarney
Polarização - Sarney passa a faixa para Collor, em 1989: até então, era o pleito mais extremado (//Gazeta do Povo)
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O descrédito em relação aos políticos explica ainda a inédita parcela de eleitores que dizem pretender votar nulo ou em branco — a poucos dias do primeiro turno, eles somam 11%, segundo o Ibope, sendo que o recorde no mesmo período era de 7%, registrado na eleição de 1998.

Não é preciso esperar o resultado do dia 7 para afirmar que a eleição de 2018 será também lembrada como a ocasião em que um ex-folclórico e ex-­obscuro parlamentar concorrendo por um partido nanico, e com dezesseis segundos na TV, deixou comendo poeira, entre outros, um tucano histórico, dono de uma coligação de seis partidos e onze minutos de propaganda na TV. Na quarta-feira 3, segundo o Ibope, Bolsonaro tinha oscilado de 31% para 32% nas intenções de voto e Geraldo Alckmin havia caído de 8% para 7%.

Beto Richa
Recorde - O tucano Beto Richa: um dos 45 candidatos suspeitos de corrupção (Cassiano Rosário/Futura Press/Folhapress)
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Para o filósofo Roberto Romano, o mesmo sentimento de frustração do eleitor diante das descobertas feitas pela Lava-­Jato é o que está por trás da polarização jamais vista no cenário eleitoral brasileiro — mais da metade das intenções de voto (55%) recai hoje sobre os dois extremos da disputa, o que não ocorreu nem em 1989, quando Fernando Collor (PRN) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT) pontuavam, juntos, 41% nas intenções de voto antes do pleito. “Grande parte dos eleitores está mais do que insatisfeita”, diz Romano, que também é professor de filosofia política na Unicamp. “Está com raiva, e essa raiva está sendo expressa dessa forma”, acrescenta.

Fora do escopo da operação que expôs o gigantismo da corrupção na política nacional, outro fenômeno mostrou que as eleições presidenciais nunca mais serão as mesmas depois desta. Redes sociais como o WhatsApp foram os grandes cabos eleitorais de candidatos tanto nos centros urbanos quanto nos rincões. O Datafolha revelou que 68% dos eleitores possuem conta em pelo menos uma rede e, entre os jovens, o porcentual atinge 93%. Metade dos eleitores assiste a vídeos de política na internet. No caso dos eleitores de Bolsonaro — que tem 12 milhões de seguidores nas redes, o maior número entre os presidenciáveis —, 61% disseram se informar sobre política por meio do WhatsApp. “Acabou o folclore de que a TV consegue resolver tudo, ou quase tudo, em uma eleição”, afirma Maurício Moura, sócio da consultoria Ideia Big Data. Na hipótese mais provável de haver segundo turno, as eleições de 2018 ainda terão vinte dias para terminar, mas o rastro de perplexidade que elas terão deixado, seja quem for o vencedor, levará mais tempo para ser apagado.

Publicado em VEJA de 10 de outubro de 2018, edição nº 2603

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