Black Friday: Assine a partir de 1,49/semana
Continua após publicidade

Clima de vale-tudo e animosidade segue firme no segundo turno das eleições

Com disputas acirradas, candidatos deixam propostas de lado e extrapolam na dose de ataques, tentando aumentar a rejeição ao adversário

Por Valmar Hupsel Filho, Victoria Bechara Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 19 out 2024, 08h00

A primeira rodada de debates no segundo turno de capitais importantes transformou-se num festival de acusações, num nível que chama a atenção mesmo de quem só espera o pior das campanhas brasileiras. Em João Pessoa, o ex-ministro Marcelo Queiroga (PL) tinha um minuto para se apresentar ao eleitor, mas gastou metade do tempo para fustigar o adversário, citando a operação que prendeu a mulher do prefeito Cícero Lucena (PP), por aliciamento ilegal de eleitores e suspeita de envolvimento com uma facção. A acusação de ligações com grupos criminosos, o PCC no caso, também tomou boa parte das falas de Guilherme Boulos (PSOL) em São Paulo contra seu adversário, Ricardo Nunes (MDB), que contragolpeou chamando o rival de invasor de propriedade e gente que “corre da polícia”. Em Fortaleza, Evandro Leitão (PT) explorou comentário de seu oponente, André Fernandes (PL), no vídeo em que Jair Bolsonaro ameaça a deputada Maria do Rosário (PT): “Cada compartilhamento desse vídeo aqui é um murro bem dado na boca dessa sebosa”, disse o hoje candidato a prefeito. Fernandes rebateu dizendo que violento era Leitão, que, quando era cartola do clube de futebol Ceará, invadiu o campo e agrediu um juiz. Em Curitiba, Cristina Graeml (PMB) acusou a gestão da qual o adversário, Eduardo Pimentel (PSD), é vice-prefeito de colocar livros com temática LGBTQIA+ nas escolas — e ouviu do oponente que ela é célebre por espalhar fake news sobre vacinas. Os exemplos mostram que, se no primeiro turno a campanha foi marcada por atos condenáveis de violência, com direito a soco e cadeirada ao vivo na TV, o clima agora é de guerra total, com ataques variados, inclusive pessoais, em detrimento da apresentação de propostas para gerenciar as cidades.

CONTRA-ATAQUE - Boulos: artilharia que mira o prefeito inclui acusações de ligação com corrupção e membros do PCC
CONTRA-ATAQUE - Boulos: artilharia que mira o prefeito inclui acusações de ligação com corrupção e membros do PCC (Renato S. Cerqueira/Ato Press/Agência O Globo/.)

Parte da lógica se deve a uma cartilha informal que norteia os marqueteiros políticos: a de que o segundo turno é uma nova eleição. Se na etapa inicial o candidato tem de se destacar em meio aos concorrentes apresentando seu perfil, ideias e propostas, na segunda a lógica é de confronto direto ou, na linguagem do futebol, de mata-­mata. O raciocínio é fundamentado na tese de que os eleitores que se interessaram pelo perfil, ideias e propostas do candidato já votaram nele no primeiro turno, e no segundo a busca é por aqueles que votaram em branco, nulo, se abstiveram ou votaram no concorrente. Em muitos casos, o voto no segundo turno é por exclusão, no “menos pior”. Por isso, um dos principais objetivos é aumentar a rejeição do adversário, nem que seja com brigas de rua e golpes abaixo da linha da cintura. “Nessa fase é o que minha mãe dizia: tem que balançar a roseira, ou seja, derrubar as folhas e mostrar os espinhos”, afirma o marqueteiro Sidônio Palmeira.

BLECAUTE - São Paulo às escuras: drama da população virou tema de debate
BLECAUTE - São Paulo às escuras: drama da população virou tema de debate (Leandro Chemalle/Thenews2/Agência O Globo/.)

O aumento da temperatura, em grande parte, se deve ao equilíbrio das disputas. Em Fortaleza, há pesquisas que apontam um empate absoluto entre Leitão e Fernandes, com 50% dos votos válidos para cada um. Em Manaus, a diferença entre Capitão Alberto Neto (PL) e o prefeito David Almeida (Avante) está na margem de erro. Os dois aumentaram o tom das acusações mútuas. Alberto Neto diz que Almeida é um dos prefeitos com mais denúncias de corrupção na história do Amazonas, fazendo referência a casos que citam a irmã, a mulher e a sogra do adversário. Almeida rebate dizendo que o rival já foi investigado por extorsão de 5 000 reais de um motorista da Uber (veja o quadro). Também há duelos equilibrados em Belo Horizonte, Curitiba, Cuiabá, Goiânia e Natal. “Nas cidades onde a disputa está mais acirrada, a vitória representa muito mais do que a eleição do governante, mas a derrota de um campo político”, lembra Rafael Cortez, cientista político e sócio da Tendências Consultoria.

Continua após a publicidade

arte Vale Tudo

Outro componente é a ideologização do debate, que ficou em segundo plano no primeiro turno e volta com força na etapa decisiva. Em duas capitais, Fortaleza e Cuiabá, há um embate direto entre PT e PL, os dois maiores partidos do país e os opostos no espectro ideológico. Não à toa, Lula foi a Fortaleza no início do segundo turno, porque é questão de honra para a esquerda conquistar a capital mais populosa do Nordeste depois de um primeiro turno em que seu desempenho ficou muito aquém do esperado. Lá, o presidente da República perdeu o pudor de entrar no vale-tudo ao lembrar em discurso que o bolsonarista André Fernandes tem um vídeo célebre no qual ensina a eliminar os pelos das partes íntimas. “Única virtude é mostrar depilação”, disse Lula.

PROVOCAÇÃO - Lula e Leitão, em Fortaleza: presidente diz que adversário do PL tem como “única virtude mostrar depilação”
PROVOCAÇÃO - Lula e Leitão, em Fortaleza: presidente diz que adversário do PL tem como “única virtude mostrar depilação” (@evandroleitao/Instagram)
Continua após a publicidade

Bolsonaro foi, na segunda 14, a Cuiabá, onde seu candidato, Abilio Brunini (PL), trava uma briga acirrada com o representante do PT, Lúdio Cabral. O ex-presidente também foi a Manaus e João Pessoa e, no sábado 19, sua agenda prevê em Belo Horizonte a “motociata da vitória”, em apoio a Bruno Engler, candidato do PL que briga contra o prefeito Fuad Noman, do PSD — o PT está ao lado dele na tentativa de reeleição. A volta do confronto ideológico também fez com que a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro , discreta no primeiro turno, iniciasse uma turnê com a senadora Damares Alves (Republicanos-DF) por cidades de Norte a Sul do país.

APOIOS - Bolsonaro, Zema e Brunini, em Cuiabá: união para vencer o rival PT
APOIOS - Bolsonaro, Zema e Brunini, em Cuiabá: união para vencer o rival PT (Victor Ostetti/Onzex Press e Imagens/Folhapress/.)

Não são apenas os extremos ideológicos que se engalfinham neste momento. Em algumas cidades, o duelo se tornou extremamente ácido exatamente por ter duas candidaturas à direita. Um dos principais exemplos é Curitiba, onde a chegada surpreendente de Cristina Graeml (PMB) ao segundo turno contra Eduardo Pimentel (PSD) transformou o debate numa contenda para ver quem é mais conservador ou de direita. Graeml, que chegou a ser investigada por divulgar fake news na pandemia foi alavancada por pautas como ideologia de gênero, Venezuela e descriminalização de aborto e drogas, temas que não passam nem perto da alçada de um prefeito. Pimentel tenta se contrapor apoiado no fato de também ser um candidato conservador e no seu maior estofo político — é apoiado pelo prefeito Rafael Greca e pelo governador Ratinho Jr., ambos do PSD. Mas não deixou de lembrar que o vice de Graeml, Jairo Filho, tem acusações pesadas na polícia e na Justiça sobre a prática de golpes financeiros contra investidores e empresários. Em Goiânia, há debate semelhante entre Sandro Mabel (União Brasil), apoiado pelo governador Ronaldo Caiado (União Brasil), e Fred Rodrigues (PL), aliado de Bolsonaro. A campanha entre quem é mais confiável para o eleitor conservador nessas capitais colocou Bolsonaro em lados opostos aos de Ratinho Jr. e Caiado, o que é um risco à união da direita em 2026, já que os dois governadores sonham em ser uma alternativa desse espectro ideológico ao Palácio do Planalto.

Continua após a publicidade
FOGO CRUZADO - Pimentel e Greca, em Curitiba: candidato do PSD diz que adversária é conhecida por fake news
FOGO CRUZADO - Pimentel e Greca, em Curitiba: candidato do PSD diz que adversária é conhecida por fake news (@eduardopimentel/Instagram)

Outro ponto que contribui para a agressividade das campanhas é a influência cada vez maior das redes sociais. Candidatos mais jovens e que fizeram fama na internet, como o ex-coach Pablo Marçal (PRTB), que chegou em terceiro na eleição em São Paulo, usam a lógica dos “cortes” no Instagram, com vídeos curtos de declarações polêmicas ou ofensas aos adversários, com o objetivo de viralizar. André Fernandes, por exemplo, tem 26 anos e tornou-se conhecido por vídeos no YouTube contra o PT e Dilma Rousseff. “Os candidatos youtubers sempre tiveram discursos mais agressivos, fazendo o algoritmo caminhar de forma que aumente o número de seguidores. Isso serve para Belo Horizonte e Fortaleza. Eles vieram do confronto, surgiram no processo de radicalização e não sabem fazer política de outra forma”, avalia Renato Meirelles, presidente do Instituto Locomotiva. A influência das redes sociais também contamina a campanha em outras plataformas, como o rádio. Boulos, por exemplo, martelou durante dias uma repetição da frase “Digite no Google: Ricardo Nunes, chefe de gabinete, PCC”, tentando levar o ouvinte a buscar notícias sobre um integrante do governo municipal que teria ligação com o chefe da facção, Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola — Nunes já respondeu que é um servidor de carreira, que está há anos na burocracia da máquina paulistana e não foi indicado por ele. No debate da Band, em meio à postura incisiva de Boulos, Nunes chegou a abraçá-lo e avisá-lo: “Você não vai me intimidar”.

arte Vale tudo

Continua após a publicidade

Na história recente, alguns episódios ocorridos na reta final das eleições entraram para a antologia das baixarias. Na disputa pela prefeitura do Rio em 2020, Marcelo Crivella afirmou que a vitória de Eduardo Paes resultaria em pedofilia nas escolas. O ataque vil e absurdo não impediu a vitória dele (Paes, aliás, foi reeleito neste ano). No mesmo ano, em Recife, a coligação de João Campos (PSB) foi proibida pela Justiça Eleitoral de distribuir panfletos dizendo que sua rival, a prima Marília Arraes, defendia a legalização das drogas, o aborto e a ideologia de gênero. Dizia ainda que ela era do PT, “que persegue os cristãos em todo o Brasil”. Dentro da tradição política nacional de passar um pano para as pendengas do passado em nome dos interesses do presente, agora Campos foi reeleito com apoio do PT e discurso alinhado a Lula.

ENROLADO - Cristina Graeml e Jairo Filho: vice é acusado de golpes financeiros
ENROLADO - Cristina Graeml e Jairo Filho: vice é acusado de golpes financeiros (@cristinagraeml/Instagram)

Ainda que golpes abaixo da linha da cintura não sejam exatamente uma novidade, o nível mostrado neste início de segundo turno preocupa, pois os ataques mútuos tomam o espaço do debate de questões relevantes a ser enfrentadas nas cidades. Nos últimos dias, a população de São Paulo foi mais uma vez exposta à degradante situação de ficar dias sem energia elétrica por causa de mais um apagão (leia a reportagem na pág. 48). No início do ano, os gaúchos viveram um drama de proporções inéditas, com pessoas ilhadas e desabrigadas, casas e empresas destruídas e infraestrutura arruinada por causa de enchentes. Há poucas semanas, o país ficou encoberto pela fumaça das queimadas, um espetáculo não só triste, mas de grande impacto na saúde e na rotina das pessoas. Nesse contexto, é de se lamentar que o segundo turno tenha enveredado pela tentativa da desqualificação alheia e do rebaixamento do confronto. O debate em curso está muito aquém do que demanda a sociedade.

Publicado em VEJA de 18 de outubro de 2024, edição nº 2915

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Black Friday

A melhor notícia da Black Friday

BLACK
FRIDAY

MELHOR
OFERTA

Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de 5,99/mês*

ou
BLACK
FRIDAY
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba 4 Revistas no mês e tenha toda semana uma nova edição na sua casa (menos de R$10 por revista)

a partir de 39,96/mês

ou

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$71,88, equivalente a 5,99/mês.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.