Clã Bolsonaro se movimenta no tabuleiro político e gera ruídos na direita
Com a prisão do ex-presidente se aproximando, Flávio, Eduardo e Michelle buscam demonstrar relevância e poder no jogo eleitoral
Em pouco mais de duas semanas, numa quarta-feira, 10 de dezembro, Jair Bolsonaro, hoje em prisão domiciliar, estará frente a frente com Tarcísio de Freitas para uma visita que o próprio ex-presidente pediu “na data mais breve possível, em razão da necessidade de diálogo direto”. Pode ser que até lá Bolsonaro já esteja em uma unidade prisional para cumprir a pena de 27 anos de reclusão a que foi condenado no processo da trama golpista, o que aumentaria a importância do encontro. Nos bastidores da oposição a Lula, a reunião é vista como um ponto de virada para definir o rumo da direita para 2026, uma vez que a expectativa é que o capitão indique, enfim, quem irá apoiar na corrida presidencial — e o favorito é o governador de São Paulo, que no domingo 16 animou os seus apoiadores ao postar nas redes a frase: “Troca o CEO que Brasil volta a funcionar”. O relativo otimismo, porém, convive nos últimos dias com a apreensão em torno de um ruído que pode colocar em risco o plano desse bloco à direita: a movimentação político-eleitoral do clã Bolsonaro.
A maior preocupação é com um personagem que já é dado como fora das urnas em 2026, mas que tem o poder de tumultuar ainda mais a disputa pelo espólio eleitoral do ex-presidente: o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP). Desde que se autoexilou nos Estados Unidos, em março deste ano, para empreender uma cruzada contra o Supremo Tribunal Federal e o país, em uma tentativa de livrar o seu pai da cadeia, Eduardo virou um fator de desagregação cada vez maior. Nas últimas semanas, criticou os governadores Mauro Mendes (Mato Grosso) — que afirmou que o deputado “enlouqueceu” e “fica falando bobagens” — e Romeu Zema (Minas Gerais), que disse que Eduardo colocou os interesses pessoais acima dos nacionais. O Zero Três também atacou o deputado Nikolas Ferreira (PL-MG), a quem acusou de criar “dissidência” na direita, e o próprio Tarcísio, que disse que não o trata como interlocutor. De resto, anunciou que sem um Bolsonaro na chapa não tem acordo para 2026. “Parece até que o certo é Jair Bolsonaro despertar o maior movimento político do Brasil e, após ser extorquido, entregar tudo de bandeja àqueles que não o apoiaram em 2018”, disse.
Tornado réu pelo Supremo no último dia 15, acusado de coação no curso do processo e outros crimes, em razão da atuação nos EUA para impor punições aos magistrados da Corte, Eduardo segue influente porque continua capaz de mobilizar boa parte do eleitorado bolsonarista raiz, principalmente nas redes sociais, além de uma base barulhenta no Congresso, especialmente os deputados que ainda tentam emplacar uma proposta de anistia aos envolvidos em atos antidemocráticos. Nos últimos dias, fez repostagens que associavam o agravamento da sua situação no STF a uma orquestração para tirá-lo do jogo eleitoral. Antes favorito ao Senado em São Paulo, Eduardo já flertou com a hipótese de concorrer ao Palácio do Planalto em 2026, mas dificilmente conseguiria viabilizar a candidatura — nem mesmo o PL o bancaria.
Nos últimos dias, no entanto, ele passou a insinuar que poderia apoiar o seu irmão, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), uma hipótese cada vez mais comentada nos bastidores — e até publicamente. Há menos de uma semana, Eduardo divulgou mensagem de Paulo Figueiredo, o seu fiel escudeiro nos Estados Unidos, que não deixa dúvidas sobre a hipótese. “Flávio ou Eduardo, pouco importa. O que importa, para começar, é uma candidatura que realmente represente o nosso movimento e não algo escolhido pelo centrão e o STF fazendo Jair Bolsonaro de refém. Ambos atendem este requisito”, escreveu o jornalista, também réu no STF, por participação na trama do golpe. Na última segunda, 17, Eduardo e Flávio foram juntos a El Salvador, onde fizeram vários encontros envolvendo a questão do combate à criminalidade pelo presidente Nayib Bukele — um desses encontros foi com o ministro da Justiça, Gustavo Villatoro. Flávio possui alguns pontos a mais que Eduardo para tentar ser candidato a presidente: tem contatos frequentes com o pai, é considerado seu porta-voz no mundo político e tem bom trânsito com o Centrão, incluindo Tarcísio. A mais de um interlocutor, o Zero Um já disse que pode concorrer ao Planalto, se assim o pai decidir.
Nas últimas semanas, outra movimentação envolvendo o clã inquietou os bastidores políticos. No fim de outubro, a deputada Bia Kicis (PL-DF) organizou um grande ato para sacramentar a sua candidatura ao Senado pelo Distrito Federal. O evento, que reuniu mais de 1 000 pessoas em um clube da capital, contou com a presença de figuras como o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, o senador Flávio Bolsonaro e a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro, que se disse empenhada em trabalhar para eleger a aliada. Poderia ser apenas um evento político corriqueiro, mas importantes caciques e observadores viram no palanque um projeto ainda mais ambicioso. Até então, se desenhava uma dobradinha com Michelle e o governador do DF, Ibaneis Rocha (MDB), disputando as duas cadeiras na Casa Alta. A entrada de uma correligionária na corrida foi tratada como uma maneira de garantir uma vaga do PL no Senado, arena em que os bolsonaristas trabalham para formar maioria a partir de 2027, caso a ex-primeira-dama ingresse numa chapa presidencial. Com o marido condenado e às voltas com a prisão, Michelle ganha força como sua sucessora. Cardeais do Centrão tratam como imbatível uma candidatura formada por ela e um governador da centro-direita — de preferência, com Tarcísio de Freitas na cabeça da chapa.
Qualquer articulação, vale mais uma vez lembrar, terá de ter o aval do ex-presidente. A ala mais radical e fiel a ele concorda que a postura de Eduardo afasta aliados ao centro, mas diz que isso não vai afetar o caminho da direita porque quem decide é Bolsonaro e sua decisão será aceita por todos. “O que A, B ou C falam é irrelevante. Não quero saber se é filho ou não. Quem decide é Bolsonaro. Agora, se quem ele indicar vai ser o certo, aí é outra conversa”, diz o pastor Silas Malafaia, um dos maiores apoiadores de Bolsonaro e que já trocou farpas com Eduardo. Já para o ex-ministro do Turismo, o sanfoneiro Gilson Machado, amigo do ex-presidente, Eduardo tenta evitar que a centro-direita se imponha sobre o bolsonarismo: “Querem domesticar a direita e indicar candidatos da direita permitida. Mas, na verdade, qualquer um que Bolsonaro apoiar será o novo presidente da República. Pode ser um filho dele, Eduardo ou Flávio, ou Tarcísio, Michelle, Zema, Caiado, eu”, exagera.
Nos agrupamentos fora do bolsonarismo raiz, no entanto, há um certo silêncio. Candidatos como o governador do Paraná, Ratinho Junior (PSD), ou nomes importantes para a articulação em 2026, como o senador Ciro Nogueira, presidente do PP, têm mantido discrição nos últimos dias. Zema, que foi atacado diretamente por Eduardo, lançou sua pré-candidatura pelo Novo, mas não é descartado para uma composição de chapa que aposte nele como vice, tendo como objetivo garantir para a direita uma boa vantagem na votação em Minas Gerais, algo que costuma decidir as eleições presidenciais. Aprovado por mais de 60% dos eleitores do estado, o cacife eleitoral dele não é desprezível.
Zema e outros presidenciáveis permanecem em compasso de espera pelo apoio de Bolsonaro, enquanto as movimentações de Flávio e Eduardo Bolsonaro no tabuleiro político têm sido feitas com o objetivo de mostrar que a família continua sendo um polo organizador da direita no Brasil. O desafio eleitoral será o da transferência de votos, que pode ocorrer em parte pelo apoio dele a um candidato, mas que também precisa de certa identificação do eleitor bolsonarista com o nome indicado. Para Mayra Goulart, professora de ciência política da UFRJ, a escolha de alguém do clã como substituto seria uma forma eficaz de mostrar proximidade entre o líder da direita e seu escolhido. “Trata-se de um capital eleitoral muito marcado por vínculos afetivos e familiares, mais do que por um programa consistente ou por uma organização partidária estruturada. Então o sobrenome pode funcionar para fazer uma transferência mais eficaz dos votos”, diz.
Além disso, à medida que os filhos insistem na presença da família na representação eleitoral do ex-presidente em 2026, eles buscam demonstrar relevância e poder no jogo político-eleitoral, o que pode ajudar a garantir cargos, recursos partidários e proteção política e jurídica no futuro. O bolsonarismo raiz, enfim, segue tentando dar as cartas enquanto o jogo se aproxima do momento decisivo.
Publicado em VEJA de 21 de novembro de 2025, edição nº 2971
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