Black Friday: Revista em casa a partir de 8,90/semana
Continua após publicidade

Casos de Sérgio Cabral e Bretas mostram o fim de uma era para a Lava-Jato

Justiça vai soltar ex-governador condenado a 425 anos de prisão e se prepara para afastar o juiz da Lava-Jato no Rio, acusado de irregularidades

Por Laryssa Borges Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 11h00 - Publicado em 16 dez 2022, 11h15
QUASE LÁ - Cabral: o ex-governador está preso há seis anos preventivamente -
QUASE LÁ - Cabral: o ex-governador está preso há seis anos preventivamente – (Jason Silva/AGIF/AFP)

Durante um período, a Operação Lava-Jato simbolizou a supremacia da Justiça sobre a histórica impunidade dos chamados criminosos de colarinho-branco. Uma mistura de messianismo com falhas de procedimentos, politização de certas decisões e erros processuais, no entanto, colocou praticamente tudo a perder. Dos cerca de 300 condenados por corrupção e desvios de bilhões de reais dos cofres públicos, restou um único preso — e mesmo assim, quando esta reportagem for publicada, ele pode já ter sido solto. O ex-governador Sérgio Cabral foi detido preventivamente há seis anos por determinação do ex-juiz Sergio Moro. Até a última quinta-feira, no fechamento desta edição, quatro dos cinco ministros da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal já haviam votado na ação que pede a anulação do decreto de prisão. Falta um voto para consolidar a maioria a favor da libertação do ex-governador, sentenciado a mais de 420 anos de cadeia por corrupção, lavagem de dinheiro, organização criminosa, evasão de divisas, crimes contra o sistema financeiro, fraude em licitação e formação de cartel. Esse poderia ser o derradeiro episódio de um enredo judicial marcado pela reviravolta. O caso, porém, promete outra surpresa.

ACUSADO - O juiz Marcelo Bretas: suspeita do CNJ de ações ilegais em conluio com advogados para incriminar autoridades -
ACUSADO - O juiz Marcelo Bretas: suspeita do CNJ de ações ilegais em conluio com advogados para incriminar autoridades – (Lucas Tavares/Fotoarena/.)

VEJA teve acesso a detalhes de uma operação sigilosa que pode resultar no afastamento do último dos juízes da Lava-Jato ainda em atividade, Marcelo Bretas, titular da 7ª Vara Federal Criminal do Rio, responsável pelas investigações do braço fluminense do escândalo da Petrobras e por decisões que levaram à prisão (equivocada) do ex-presidente Michel Temer, de toda a antiga cúpula do governo do Rio e de empresários do calibre de Eike Batista, o ex-bilionário que já foi um dos homens mais ricos do país. O magistrado é acusado de executar ações ilegais em conluio com advogados e investigadores para incriminar determinadas autoridades. No mês passado, uma equipe destacada pela corregedoria do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) fez uma “correição” no gabinete de Bretas — em tese, um procedimento protocolar. Não era. Os técnicos buscavam provas que sustentassem uma denúncia que, se comprovada, além de comprometer a carreira do juiz, podem colocar abaixo dezenas de sentenças proferidas por ele ao longo dos últimos seis anos de Lava-Jato. A suspeita é que Bretas, entre outras ilegalidades, autorizaria informalmente a quebra de sigilos telefônico e fiscal de investigados.

POLÍTICA - Eduardo Paes: Bretas teria tentado interferir na eleição estadual -
POLÍTICA - Eduardo Paes: Bretas teria tentado interferir na eleição estadual – (Thiago Ribeiro/AGIF/AFP)
Continua após a publicidade

A nova ofensiva contra o juiz ganhou consistência jurídica a partir de uma decisão do decano do Supremo, Gilmar Mendes, que, em um despacho classificado como confidencial, assinado no dia 27 de setembro, encaminhou ao CNJ a delação premiada do advogado José Antonio Fichtner, que acusou Bretas e o advogado Nythalmar Dias Ferreira Filho de acessarem ilegalmente seus dados protegidos por sigilo, incluindo saldos de contas bancárias e investimentos financeiros dele e da família. O delator fechou um acordo de colaboração para se livrar da cadeia, incriminou o próprio irmão, o ex-secretário da Casa Civil de Cabral, Régis Fichtner, e confessor ter se apropriado de sobras de campanha do ex-governador Sérgio Cabral, de quem Régis era braço direito. Na delação, Fichtner contou também que Nythalmar tinha acesso privilegiado ao juiz, sabia das decisões que seriam tomadas e usava essas informações para conquistar clientes que lhe pagavam gordos honorários. Com esse material enviado por Mendes em mãos, o corregedor nacional, ministro Luis Felipe Salomão, a quem cabe conduzir investigações contra juízes, determinou que uma equipe de sete funcionários de sua confiança fizesse a intervenção na vara de Bretas.

Uma reportagem de VEJA publicada em junho do ano passado revelou que o próprio Nythalmar fechou um acordo de delação premiada com o Ministério Público e empurrou Marcelo Bretas para o centro de uma trama que também envolveria a negociação de penas com autoridades arroladas nos processos, combinação prévia de estratégias de investigação com os procuradores, o que é irregular, e até atuação direta para influenciar as eleições de 2018 ao governo do Estado e beneficiar Wilson Witzel, o vencedor. No dia 9 do mês passado, um grupo de quinze policiais federais, servidores do Judiciário e dois desembargadores — um de São Paulo e uma do Distrito Federal — foram até o gabinete de Marcelo Bretas. Eles tinham ordens para arrombar a porta, trancada à chave no momento da batida, e recolher computadores e documentos que pudessem indicar a existência de investigações paralelas.

ACUSADORES - Régis: a delação do irmão do ex-secretário de Cabral é a peça originária da representação contra o juiz -
ACUSADORES - Régis: a delação do irmão do ex-secretário de Cabral é a peça originária da representação contra o juiz – (Márcio Alves/Agência O Globo/.)
Continua após a publicidade
DELATOR - Nythalmar Dias Ferreira: celulares e computadores aguardam perícia -
DELATOR - Nythalmar Dias Ferreira: celulares e computadores aguardam perícia – (Marcos Tristão/.)

O terminal que o juiz usava para armazenar processos e redigir sentenças, por exemplo, teve o conteúdo copiado e enviado à corregedoria. Na mesma incursão, foram ouvidas quatro pessoas — o diretor administrativo da vara, uma juíza que tomou decisões relacionadas a Bretas e Nythalmar e dois advogados que conhecem como poucos a relação entre os dois personagens. Também convocado a prestar esclarecimentos, Nythalmar permaneceu em silêncio. O material apreendido no gabinete ainda está sendo inventariado, mas as primeiras conclusões da correição reforçaram as suspeitas. Procurado, Bretas não quis se manifestar. O relatório parcial feito pela equipe de correição, a que VEJA teve acesso, sugere que o magistrado tinha aliados dentro do setor de perícia da Polícia Federal do Rio que atuariam, por exemplo, para atrasar deliberadamente a análise de documentos que pudessem, de algum modo, respingar nele. Os técnicos citam a demora da PF em analisar dois celulares e um notebook de Nythalmar, que foram apreendidos em uma busca autorizada pela Justiça. O episódio é emblemático porque o próprio advogado disse que os documentos armazenados nos seus aparelhos provariam as acusações contra o juiz.

ESPELHO - Sergio Moro: atuação ilegal levou à anulação do processo que condenou o presidente eleito Lula por corrupção -
ESPELHO - Sergio Moro: atuação ilegal levou à anulação do processo que condenou o presidente eleito Lula por corrupção – (Renato Gizzi/Photo Premium/Ag. O Globo/.)
Continua após a publicidade
ALGOZ - Luis Felipe Salomão: o corregedor autorizou as buscas no gabinete do juiz -
ALGOZ - Luis Felipe Salomão: o corregedor autorizou as buscas no gabinete do juiz – (Fátima Meira/Futura Press)

Com base no material recolhido no gabinete de Bretas, no domingo 11, a Corregedoria Nacional de Justiça determinou a instauração de uma reclamação disciplinar contra o juiz, pediu acesso a outras duas delações, de Nythalmar e do ex-secretário de Saúde do Rio Sérgio Côrtes, que também acusou o magistrado de cometer ilegalidades na Lava-Jato, e abriu prazo para que ele apresente sua defesa. As decisões pavimentam o caminho para que o CNJ leve o destino do juiz da Lava-Jato a julgamento na primeira sessão do próximo ano, em 14 de fevereiro. O desfecho previsto é um só: retirar do cargo aquele que, suspeita-se, replicou no Rio as ações heterodoxas da Lava-Jato de Sergio Moro e dos procuradores de Curitiba, que levaram o Supremo a anular processos conduzidos pelo ex-juiz, inclusive o que resultou na condenação do agora presidente eleito Lula. Por enquanto, é bom que se ressalte, as acusações contra o magistrado carioca se limitam a suspeitas. Mas os indícios de exageros cometidos são muitos.

Publicado em VEJA de 21 de dezembro de 2022, edição nº 2820

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Semana Black Friday

A melhor notícia da Black Friday

BLACK
FRIDAY

MELHOR
OFERTA

Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

Apenas 5,99/mês*

ou
BLACK
FRIDAY
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba 4 Revistas no mês e tenha toda semana uma nova edição na sua casa (a partir de R$ 8,90 por revista)

a partir de 35,60/mês

ou

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$71,88, equivalente a 5,99/mês.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.