Carta ao Leitor: É preciso reconstruir
A formação de consensos necessários para a retomada do crescimento e o combate às desigualdades só será possível com o fim do nocivo clima de divisão

Dentro do esquema de revezamento de equipes para os plantões de fim de semana no portal on-line de notícias de VEJA, a editora assistente Larissa Quintino estava a trabalho no dia 10 de julho, um domingo, quando Jorge Guaranho invadiu em Foz do Iguaçu a festa do petista Marcelo Arruda com xingamentos e gritos de “aqui é Bolsonaro”. Houve troca de tiros entre os dois, culminando na morte do aniversariante, que havia decorado o ambiente com estrelas vermelhas e máscaras do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. No domingo passado, 23, a mesma jornalista estava a postos na cobertura de outro chocante episódio. O caso foi protagonizado por Roberto Jefferson, que recebeu a balas e granadas uma equipe da PF encarregada de executar contra ele um mandado de prisão expedido por Alexandre de Moraes, ministro do STF que está na presidência do TSE. O ex-deputado se rendeu depois de ferir dois policiais que estavam na missão (sem consequências mais graves, ainda bem). Levado ao presídio de Bangu, o autor desses ataques covardes e amalucados responderá agora por quatro tentativas de homicídio.
Mais do que uma mera e infeliz coincidência na vida de uma jornalista de plantão, esses episódios retratam o clima de anormalidade da campanha de 2022 e são fruto direto do acirramento fora do comum que rachou o país. Infelizmente, aquela era romântica dos arroubos retóricos provocados pelo duelo de paixões políticas virou página do passado. No lugar disso, temos hoje correntes literalmente brigando entre si, sendo que cada lado considera seu triunfo como única oportunidade de redenção do país, em contraponto à ameaça de apocalipse em caso de vitória dos inimigos. Ocorre também em nível inédito o questionamento das instituições, que vai da lentidão na reação ao ataque de fake news e chega às raias da insanidade com insistente desconfiança a respeito da lisura da votação eletrônica.
A despeito do clima de guerra, da lisérgica “luta do bem contra o mal”, uma análise mais fria do cenário atual deixa claro que tanto a candidatura do presidente Jair Bolsonaro quanto a de Lula possuem pontos positivos e negativos. Na economia, apesar de muitos sobressaltos desnecessários provocados por seu comportamento errático, Bolsonaro parece muito mais inclinado a seguir um caminho mais sensato, ao apostar em reformas e privatizações. Por outro lado, Lula tem um histórico relevante de conquistas sociais e de respeito às instituições. Seja qual for o vencedor, o presidente terá pela frente o desafio de reconstruir uma nação em meio ao clima agressivo de disputa entre duas torcidas organizadas, algo que não deve esfriar após o dia 30. A formação de consensos necessários para a retomada do crescimento e de combate às desigualdades só será possível com o fim desse nocivo e permanente clima de divisão. O Brasil precisa de união.
Confira a apuração do resultado do segundo turno das eleições 2022
Publicado em VEJA de 2 de novembro de 2022, edição nº 2813