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Carta ao Leitor: A hora da verdade

Submundo dos grupos do Telegram mostra que o atual ambiente de vale-tudo representa uma ameaça à democracia e um retrocesso civilizatório

Por Redação Atualizado em 4 jun 2024, 12h18 - Publicado em 8 abr 2022, 06h00

No livro O Mundo Assombrado pelos Demônios, clássico da magnífica obra do americano Carl Sagan (1934-1996), o autor cita diversos exemplos de como as teorias da conspiração atingem um público enorme por parecerem sempre mais excitantes que a verdade. Na época do lançamento da obra, em 1995, era impossível prever o advento das redes sociais e como elas alimentariam a tendência perversa à irracionalidade humana, que teima em resistir às robustas provas do conhecimento. O grande efeito colateral da explosão dessas ferramentas foi seu uso como veículo principal de propagação de mentiras, muitas delas com claros objetivos políticos.

O problema é mundial e um dos casos mais conhecidos foram as manipulações criadas pela vitoriosa caminhada de Donald Trump rumo à Casa Branca, em 2016 — infelizmente, um mau exemplo copiado por aqui, como ficou evidente nas eleições de 2018, que representaram uma espécie de marco zero a respeito da percepção do tamanho da encrenca, quando as redes sociais assumiram um papel de destaque nas campanhas. Uma das polêmicas da época foi a divulgação maciça nos canais bolsonaristas do chamado “kit gay”, fake news criada sob medida para mobilizar o eleitorado conservador contra o petista Fernando Haddad. Nos últimos tempos, as urnas eletrônicas viraram um dos alvos prediletos da usina de mentiras.

Ciosa da importância desse assunto, a Justiça do país vem tentando combater o problema e, graças a essa pressão, as grandes empresas de tecnologia resolveram contribuir. Conteúdos duvidosos passaram a circular com mensagens de alerta ou são hoje simplesmente tirados do ar. A despeito dos avanços, há ainda um campo perigosamente permeável ao submundo das baixarias, e boa parte dele se encontra hoje abrigada dentro do Telegram, justamente a rede social que mais cresce no país. Não por acaso, o foco dos ministros do TSE e do STF voltou-se em direção à empresa nos últimos meses. Somente depois da ameaça de ser tirado do ar, finalmente o Telegram deu os primeiros sinais por aqui de que pode começar a colaborar.

Foi um passo importante, mas ainda falta muito. Para evitar a disseminação de fake news pelo aplicativo, será necessário um esforço hercúleo das autoridades brasileiras. Durante as últimas semanas, os jornalistas Reynaldo Turollo Jr., Tulio Kruse e Diogo Magri mergulharam no submundo dos grupos do Telegram para produzir reportagem sobre o tema. O resultado foi chocante: entre outras barbaridades, continuam circulando livremente por lá ofensas a homossexuais, lorotas sobre vacinas, ataques à lisura dos pleitos e memes ofensivos a adversários políticos, principalmente os de oposição ao governo federal.

Boa parte dessa artilharia, como sabemos, é disparada por grupos bolsonaristas radicais e está longe de ser um esquema amador. As peças são criadas em cima de notícias falsas bastante comentadas e têm formato ideal para ser compartilhadas na internet. Contrários a qualquer controle mais rigoroso sobre a ferramenta, o presidente Jair Bolsonaro e seus filhos são importantes canais de disseminação desse material, possuindo listas de transmissões no Telegram com mais de 1,3 milhão de inscritos. O argumento utilizado por eles é que controlar esse universo é uma tentativa de censura. Na verdade, o atual ambiente de vale-tudo, baseado em mentiras e manipulações, é que representa uma ameaça à democracia e um retrocesso civilizatório. Carl Sagan estava certo. A sociedade precisa, sim, impor regras aos que desejam distorcer a realidade a fim de controlá-la.

Publicado em VEJA de 13 de abril de 2022, edição nº 2784

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