Cada vez mais perto de Lula, Alckmin se afasta de base que sempre o apoiou
Na pura matemática eleitoral, pesquisa mostra que a surpreendente aliança de dois ex-adversários para o Palácio do Planalto pode não render grandes frutos
Por várias vezes, a carreira política de Geraldo Alckmin correu riscos de acabar de forma melancólica. A pá de cal parecia ter sido o desempenho pífio nas eleições presidenciais de 2018, quando amargou o quarto lugar, com apenas 5% dos votos, o pior desempenho do PSDB na história. Para voltar a ganhar relevância, o político de 69 anos , que é conhecido por seu temperamento conservador e uma extrema cautela nos movimentos, arriscou uma guinada política radical. Abandonou os planos de tentar voltar ao governo paulista, deixou o partido que ajudou a fundar e embarcou nas articulações que podem transformá-lo no vice da chapa de Lula na corrida ao Palácio do Planalto. Agora, como resultado dessa arriscada coreografia, Alckmin está cada vez mais perto do petista — e, com isso, cada vez mais distante do eleitorado e da base política que sempre o apoiou.
O ex-governador, que sempre combateu as políticas petistas e foi um dos críticos mais severos dos desvios éticos do partido, agora tenta estancar os efeitos colaterais de sua mudança, com a ideia de que vai ajudar a compor uma grande aliança democrática para derrotar Jair Bolsonaro. Mas isso não tem impedido críticas de antigos companheiros e questionamentos a respeito da nova postura. No séquito que o acompanhou por décadas, a maioria é composta de políticos que foram adversários da esquerda durante toda a carreira. Muitos não estão dispostos a defender Lula apenas em nome da velha amizade (nos bastidores, o comentário é que apoiar o PT em 2022 é o equivalente a decretar o enterro oficial do PSDB). A quem o procura para ouvi-lo sobre eleições, Alckmin tem demonstrado que está ciente dessa dificuldade — e não pede nenhum compromisso. “Fiquem liberados, vocês decidem o que querem fazer, ainda estou decidindo meu futuro”, tem dito ele a pessoas próximas.
Em público, esses aliados se esforçam para demonstrar respeito pela decisão de Alckmin, mas há um constrangimento evidente com relação ao tema e, até agora, poucos manifestam interesse em acompanhá-lo na aventura. O flerte do ex-governador com Lula, que avança para um ponto de não retorno, já fez com que antigos parceiros em Pindamonhangaba, cidade do interior que é reduto eleitoral de Alckmin, comunicassem a ele que não o seguirão e que devem manter seu apoio ao PSDB. “A gente não precisa fazer campanha falando mal do Geraldo, criticando. Existe muito respeito por ele”, diz o ex-vereador Rafael Goffi (PSDB), hoje coordenador de um programa da Secretaria de Desenvolvimento Regional, do governo estadual. “Mas, às vezes, cada um tem o seu caminho.”
Ainda que pairem algumas dúvidas, o político, que já teve a ficha de número 7 de filiação do PSDB, deve anunciar em breve o seu destino partidário. Provavelmente, irá para o PSB. Segundo o ex-governador Márcio França, uma das principais lideranças da sigla, que foi vice do ex-tucano e hoje é um interlocutor frequente, a chance de ter Alckmin como companheiro de partido é de “99,9%”. França, evidentemente, tem interesse direto no acordo, pois quer voltar ao Palácio dos Bandeirantes. Com Alckmin ao lado de Lula na corrida à Presidência, ele tira da corrida um forte concorrente no plano estadual (mas ainda terá de disputar com pelo menos mais um nome da esquerda esse eleitorado). A possibilidade de Alckmin ir para o PSD, uma manobra que vinha sendo articulada por Gilberto Kassab, perdeu força com a articulação da candidatura a vice.
Na pura matemática eleitoral, a surpreendente aliança de dois ex-adversários para o Palácio do Planalto pode não render grandes frutos. De acordo com um levantamento recente do Paraná Pesquisas, somente 10,6% dos entrevistados dizem que a presença do ex-tucano na chapa aumentaria as chances em votar em Lula. Para o petista, no entanto, importa mais o fator simbólico do acordo, que o ajuda a se aproximar do centro. No caso de Alckmin, que já posou até de DJ nas redes sociais num esforço de rejuvenescer sua imagem, o negócio passou também a ser interessante para fugir do risco de concorrer contra a máquina do governo em São Paulo (algo que ele conhece como ninguém) e a chance de voltar a ter relevância na política nacional. Na teoria, pode dar certo. A dúvida é se os eleitores acham que Alckmin faz bem em dançar uma música totalmente diferente, em uma encarnação que não tem nada a ver com a sua história anterior.
Publicado em VEJA de 16 de fevereiro de 2022, edição nº 2776