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Bolsonaro aposta em Michelle para continuar no jogo político rumo a 2026

Inelegível e incomodado com a movimentação de governadores como Tarcísio de Freitas, ex-presidente tenta conter rebelião de apoiadores

Por Marcela Mattos Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO , José Benedito da Silva Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 16 Maio 2025, 06h00

Durante quase todo o mandato do marido, Michelle Bolsonaro fez questão de se manter uma primeira-dama discreta. Avessa à imprensa e aos holofotes, não dava entrevistas, não participava de reuniões ministeriais, não tinha ingerência sobre o governo e não fazia uma superexposição da rotina familiar nas redes sociais. Com um gabinete no Palácio do Planalto, ela tinha atuação restrita à condução de programas destinados à população vulnerável e à inclusão de pessoas com deficiência, temas centrais de seus raros pronunciamentos. Em meados de 2022, a postura mudou radicalmente. A campanha de Jair Bolsonaro detectou que a resistência das mulheres, uma massa de 53% do eleitorado nacional, era um dos fatores que colocavam em risco a reeleição do então presidente, acusado frequentemente de misoginia. Era necessário um choque de imagem para reverter a situação. Foi aí que Michelle saiu das sombras e emergiu como um trunfo eleitoral pela primeira vez. Na época, ela foi a estrela da convenção que sacramentou a candidatura de Bolsonaro para mais um mandato.

Diante da militância, fez um discurso recheado de elogios ao companheiro “lindo” e de forte apelo religioso. Evangélica, chamou os apoiadores de “irmãos” e citou a palavra Deus 27 vezes. Depois, mergulhou na disputa e fez um giro pelo país pedindo votos para o presidente. Por onde passava, era ovacionada. O desfecho da campanha é conhecido. Bolsonaro não se reelegeu, recolheu-se em profunda tristeza no Alvorada e, antes de passar a faixa para Lula, embarcou para uma temporada nos Estados Unidos. Michelle só acompanhou o marido por menos de um mês, retornou a Brasília no início de 2023 e oficializou seu ingresso na política partidária ao assumir o comando do PL Mulher. Desde então, as carreiras dos dois tomaram rumos diferentes. Ele ficou inelegível, tornou-se réu por tentativa de golpe e corre o risco de ser condenado à prisão. Ela está em franca ascensão, consolidou-se como um ativo eleitoral e aparece com bom desempenho nas pesquisas, inclusive em cenários em que duela com Lula. Ciente de suas dificuldades pessoais e do potencial da esposa, Bolsonaro resolveu lançar mão de Michelle mais uma vez como trunfo eleitoral. Por enquanto, apenas como uma forma de ele mesmo continuar com as rédeas do jogo.

COBRANÇA - Tarcísio: reclamações por falta de empenho em tentar reverter a inelegibilidade
COBRANÇA - Tarcísio: reclamações por falta de empenho em tentar reverter a inelegibilidade (Marcelo S. Camargo/.)

Pressionado por aliados a escolher logo um substituto na corrida à Presidência e incomodado com as movimentações de líderes do centro e da direita para colocar uma candidatura alternativa na rua, o ex-presidente e alguns de seus principais aliados estão disseminando a versão de que Bolsonaro pode lançar Michelle ao Planalto. Essa possibilidade ganhou força nos últimos dias, depois de o ex-presidente Michel Temer revelar que negocia com cinco governadores de oposição a Lula a formação de uma chapa única na corrida presidencial de 2026, que não teria como candidato, obviamente, o inelegível Bolsonaro. Na lista estão Tarcísio Gomes de Freitas (São Paulo), Eduardo Leite (Rio Grande do Sul), Ronaldo Caiado (Goiás), Romeu Zema (Minas Gerais) e Ratinho Jr. (Paraná). Bolsonaro viu na articulação uma tentativa de tirá-lo do jogo desde já, não gostou e reagiu, incensando o nome da própria mulher. Seu ex-ministro, advogado e eterno porta-voz Fabio Wajngarten foi o primeiro a externar o incômodo do chefe com as conversas em andamento. Ele chamou de “palhaçada” o projeto “Direita sem Bolsonaro” e ameaçou trabalhar por uma chapa em 2026 composta apenas por quadros do PL. “Eleição é voto e o bolsonarismo é a usina geradora deles”, escreveu Wajngarten em uma rede social.

FIDELIDADE - Ciro: incômodo com articulações do centro para lançar candidatura do governador de SP
FIDELIDADE - Ciro: incômodo com articulações do centro para lançar candidatura do governador de SP (@cironogueira/Instagram)
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Na sequência, o pastor Silas Malafaia publicou que o nome de Michelle aparece como o mais bem avaliado depois do ex-presidente. “O Bolsonaro vai dar um xeque-mate de mestre: ‘Vocês não me querem? Então engulam a minha mulher’. Aí eu quero ver quem vai se candidatar pela direita”, disse Malafaia a VEJA. “A Michelle está disposta a ir para o sacrifício. Eu digo e repito: ela tem a força das mulheres, a força dos evangélicos, a força dos bolsonaristas e de gente da direita. Ela é uma potência”, acrescentou. Como o ex-presidente é considerado o maior cabo eleitoral no campo da direita, políticos envolvidos em conversas sobre candidaturas alternativas à do ex-presidente correram para contemporizar. Ninguém quer ser visto como um traidor do capitão nem arcar com as consequências de suas temidas desforras. De Nova York, Tarcísio de Freitas declarou que não existe direita sem Bolsonaro. Já Temer afirmou que sua articulação pode envolver também o ex-presidente, apesar de ele achar que no momento deve ser discutido um projeto, e não o nome que vai representá-lo nas urnas.

“PALHAÇADA” - Temer: proposta para formar uma chapa única em 2026
“PALHAÇADA” - Temer: proposta para formar uma chapa única em 2026 (Roberto Casimiro/Fotoarena/.)

Comandando ofensivas em várias frentes para não ser preso e poder disputar a eleição em 2026, o que ele mesmo diz depender de um milagre, Bolsonaro não aceita ser considerado carta fora do baralho. Por ora, o plano Michelle é um tiro de alerta do capitão. Mas o que parece hoje improvável pode ganhar tração caso ele não sinta confiança na lealdade de políticos que lhe fazem a corte. Um episódio ilustra bem o papel da ex-primeira-dama como trunfo eleitoral. Horas antes da manifestação pró-anistia realizada em Brasília no último dia 7, o pastor Silas Malafaia foi à residência do casal Bolsonaro e fez um diagnóstico sobre a situação de cada presidenciável. Após citar problemas de cada um deles, deu um veredicto aos dois: “Sobrou você, Michelle”.

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Sem saber como reagir diante da constatação, ela o convidou a fazerem uma oração juntos. Quando questionada sobre seu futuro político, a ex-primeira-dama costuma dizer que entrega sua vida para o controle divino. Até recentemente, ela admitia uma candidatura pelo Distrito Federal ao Senado, Casa que o bolsonarismo quer dominar a partir de 2027, para tentar aprovar o impeachment do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal. Até pouco tempo atrás, o próprio ex-presidente sinalizava que o caminho de Michelle seria o do Legislativo. Nas últimas semanas, no entanto, quem esteve com ele garante que o capitão pode mesmo escalar a mulher para um projeto político mais ambicioso.

pesquisa Michelle

É uma mudança e tanto, impulsionada pelas circunstâncias atuais. Há alguns anos, a participação de Michelle numa corrida ao Planalto era sumariamente rejeitada pelo marido. “Ela não é candidata ao Executivo. Zero. Não sou eu que estou definindo, ela que não quer. Até para ser prefeito de Eldorado Paulista, a minha cidade, você tem que crescer mais e ter estômago para enfrentar uma Câmara de poucos parlamentares. Imagina como é enfrentar o Congresso”, disse Bolsonaro a VEJA dois anos atrás. Na mesma ocasião, concordando com o marido, Michelle afirmou não ter “sustância” para tamanha responsabilidade. Agora, a conversa mudou. “Ela é mulher, fala bem, é evangélica. Tem um carinho de uma parte considerável da população. Então, ela pode ser candidata? Não sei”, declarou Bolsonaro em entrevista na quarta-feira 14. Procurada por VEJA, Michelle não quis dar entrevista. Por enquanto, o ex-presidente trabalha para repetir a estratégia de Lula quando foi preso pela Lava-Jato e arrastar até o fim a sua candidatura, substituindo-a na reta final por um nome de sua estrita confiança — de preferência, alguém com seu sobrenome. Os filhos Eduardo e Flávio também são cotados. O deputado, porém, tem alto índice de rejeição, enquanto o primogênito já indicou preferir continuar no Senado.

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Depois de anos de atrito e distanciamento com os filhos de Bolsonaro, Michelle tem se aproximado deles, com direito a troca pública de afagos, inclusive com Carlos Bolsonaro, com quem não mantinha contato. Num vídeo, o vereador, numa demonstração da nova fase entre ambos, chamou Michelle de “leoa” ao elogiar a forma como ela cuidava do presidente após sua última cirurgia. O ambiente familiar está mais harmonioso e não é a única boa notícia para a ex-primeira-dama, que tem demonstrado vigor eleitoral. A mais recente pesquisa, feita pela AtlasIntel no fim de abril, indicou que ela e Lula ficariam empatados, com 46% cada, num eventual segundo turno. O mesmo índice foi alcançado por Bolsonaro e Tarcísio de Freitas. Conforme o Datafolha, também de abril, a ex-primeira-dama tem 27% de rejeição entre o eleitorado, 17 pontos a menos que Bolsonaro, mas o dobro do registrado pelo governador de São Paulo. A esperança da família é que o patamar diminua na medida em que Michelle passe a se apresentar com maior frequência.

DIAGNÓSTICO - Malafaia: “Ela tem a força dos evangélicos. É uma potência”
DIAGNÓSTICO - Malafaia: “Ela tem a força dos evangélicos. É uma potência” (@SilasMalafaia/Facebook)

Na última semana, ela compareceu a um evento só com mulheres para discutir o cenário político. O mote era “Quando o básico vira luxo, o povo pode virar a mesa”. No próximo mês, está previsto em Brasília um ato estrelado por Michelle com o objetivo de reunir 1 000 mulheres com mandato político. Já em agosto, ela deve ser a estrela do Rota 22, um programa que faz uma espécie de doutrinação da direita nos rincões do país. Além disso, a ex-primeira-dama deve continuar acompanhando o marido nos atos em defesa da anistia, quando passou a puxar “batonzaços” para pedir perdão principalmente às mães de família, numa referência à cabeleireira condenada a catorze anos após pichar a estátua da Justiça com a maquiagem. Pessoas próximas garantem que é a própria Michelle quem define os discursos e que ela dispensa a ajuda de marqueteiros. Um de seus principais conselheiros é o pastor Silas Malafaia, que recentemente sugeriu a ela abandonar o “evangeliquês” e aderir a uma fala mais política, como cabe a uma potencial candidata.

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A ascensão política de Michelle ocorre no vácuo da desconfiança de Bolsonaro sobre seu herdeiro natural, Tarcísio de Freitas. Até aqui, o governador garante que tentará a reeleição ao Palácio dos Bandeirantes, mas caciques partidários, do PP de Ciro Nogueira ao PSD de Gilberto Kassab, além de pesos pesados do PIB brasileiro, querem que ele concorra à Presidência. Tarcísio é o nome dos sonhos desse grupo e seria a escolha natural de Bolsonaro, mas o capitão não quer antecipar nenhum movimento nesse sentido. Aliados do ex-presidente reclamam que Tarcísio não se empenha da forma que deveria para tentar reverter a inelegibilidade e evitar a condenação na trama golpista do ex-presidente. O teste decisivo de lealdade poderá ocorrer no próximo dia 30, quando está marcado o depoimento do governador no STF como testemunha de defesa do ex-presidente no processo de tentativa de golpe — o grupo bolsonarista espera que ele faça uma defesa veemente do capitão. Se Tarcísio argumentar a favor dele, mas de forma mais protocolar, as relações podem piorar significativamente.

APROXIMAÇÃO - Família unida: Carlos (à esq.) chamou Michelle de “leoa”
APROXIMAÇÃO – Família unida: Carlos (à esq.) chamou Michelle de “leoa” (Miguel Schincariol/AFP)

A desconfiança em relação à lealdade do governador quando o caso envolve o STF não vem de hoje. Aliados de Bolsonaro acham que Tarcísio poderia se valer mais da boa relação que tem com ministros do Supremo para interceder em favor do ex-presidente, mas avaliam que o governador está mais preocupado em não prejudicar essas conexões e continuar se apresentando como alguém mais moderado, que não herdou a verborragia de Bolsonaro contra o Judiciário e outras instituições da República. Num sinal de insatisfação, o próprio capitão — em meio às articulações de Temer com os governadores — compartilhou um vídeo em sua lista de transmissão no WhatsApp no qual participantes de um programa de rádio dizem que não existe direita sem Bolsonaro e citam Tarcísio para reafirmar que Bolsonaro é o único que pode derrotar Lula em 2026. O programa ainda fez referências jocosas à direita “limpinha”, que usa “sapatênis”. Desconfiado por natureza, Bolsonaro só passará a braçadeira de capitão da direita e de candidato presidencial se tiver a certeza de que o nome ungido não o deixará pelo caminho. Michelle preenche tais requisitos e serve de instrumento de pressão para que os demais presidenciáveis não caiam na tentação de orar longe do altar do bolsonarismo.

Publicado em VEJA de 16 de maio de 2025, edição nº 2944

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