Bancada da bala se mobiliza no Congresso contra restrição de Lula às armas
Frente armamentista até já admite uma rendição negociada. A despeito da movimentação, o governo não dá sinais de que vai mudar a política
Em meio à ofensiva do governo Lula para restringir o número de armas nas mãos de cidadãos comuns, um grupo de parlamentares se movimenta para tentar manter ao menos uma parte da herança belicista da era Jair Bolsonaro. Membros da bancada da bala pretendem, com a intermediação do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), dialogar com o governo para chegar a um tipo de rendição negociada, algo entre o “liberou geral” da gestão anterior e a restrição radical acenada pela atual. A articulação tem à frente principalmente deputados do PL, como Eduardo Bolsonaro, mas inclui políticos de legendas que apoiam Lula. A ofensiva já produziu oito projetos de lei para derrubar o decreto que congelou a concessão de registros para caçadores, atiradores e colecionadores (CACs) e mais quatro para sustar os efeitos da portaria do Ministério da Justiça que determinou o recadastramento das armas na PF.
Os números mostram por que há tanto incômodo. No governo Lula, caiu drasticamente a quantidade de novos registros de armas (veja quadro). A tentativa de uma saída via Congresso também cresceu depois que o STF referendou no último dia 13 a decisão do ministro Gilmar Mendes que suspendeu todos os processos na Justiça que questionavam o decreto de Lula. Os deputados apostam agora na ajuda de Lira, que prometeu tentar um acordo com o governo antes de colocar em votação qualquer projeto que vise a derrubar as medidas antiarmas.
Em paralelo, a turma da bala faz campanhas nas redes sociais de boicote ao recadastramento, que até agora atingiu só 35% dos armamentos previstos — o prazo termina em abril. O mercado em torno dos CACs continua ativo, com clubes de tiro funcionando (a suspensão é para novas empresas) e o comércio de armas e munições ativos. Em grupos no Telegram, os anúncios de fuzis são comuns, assim como as rifas. Uma cota para o sorteio de um rifle Delta 22, avaliado em 4 000 reais, sai por 90 reais.
A despeito da movimentação da frente armamentista, o governo não dá sinais de que vai mudar a política. O próximo passo será retomar as linhas gerais do Estatuto do Desarmamento, de 2003. Em fevereiro, o Ministério da Justiça criou um grupo de trabalho com a sociedade civil, que fará um relatório para orientar as novas regras. “Iremos rever a regulação para permitir o exercício das atividades previstas na lei de 2003, como caça e tiro esportivo, mas temos de reduzir os riscos de o mercado ser instrumentalizado para que os arsenais acabem caindo na criminalidade”, afirma Michele dos Ramos, diretora do ministério e membro do grupo. O titular da pasta da Justiça, Flávio Dino, promete não se intimidar com os disparos da oposição: “Queremos dialogar com todo mundo, vamos fazer audiência pública, inclusive com representantes dos armamentistas. Mas o liberou geral não voltará”.
Apesar da união da “bancada da bala” no esforço de fazer o atual governo voltar atrás na política antibélica, a turma já teve mais poder de fogo. A frente encontra-se hoje dividida por uma disputa em torno de seu comando. O deputado Alberto Fraga (PL-DF), que é apoiado pelo atual presidente, Capitão Augusto (PL-SP), enfrenta a concorrência de Antonio Carlos Nicoletti (União-RR). Nos bastidores, a briga inclui a troca de ofensas e uma guerra de versões sobre quem tem mais assinaturas de apoio. O impasse pode ser resolvido por meio de votação ou arbitrado por Lira. Até por isso, a ofensiva armamentista inclui a possibilidade de um acordo que garanta ao menos algumas “conquistas” no governo Bolsonaro, como a autorização para que CACs andem com arma municiada no trajeto de casa ao clube de tiro ou uma quantidade maior de licenças por cidadão — o limite de armas de uso restrito, que era de dezesseis, foi para sessenta com Bolsonaro. “Estamos dispostos a negociar, ouvir o que o governo acha e buscar o caminho do meio”, afirma o Capitão Alberto Neto (PL-AM).
A pressão por mudanças e a tentativa de uma saída negociada no Congresso fazem parte do jogo democrático. Mas o freio imposto pelo governo era necessário para conter a insanidade da gestão Bolsonaro, quando o número de armas nas mãos de civis saltou de 1,3 milhão para 2,9 milhões e as regras de controle foram afrouxadas, o que multiplicou casos de mau uso. O país, como se sabe, tem muitas urgências. Armar os seus cidadãos nunca foi uma delas.
Publicado em VEJA de 22 de março de 2023, edição nº 2833