As mil faces de Olavo de Carvalho, guru do bolsonarismo
Morto na segunda-feira 24, escritor migrou da extrema-esquerda para extrema-direita, participou de seita religiosa e foi internado em clínica psiquiátrica
Guru do bolsonarismo, o escritor Olavo de Carvalho transitou por diferentes áreas, muitas delas contraditórias, em seus 74 anos de vida. De jovem militante da extrema-esquerda, por exemplo, transformou-se em mentor da extrema-direita brasileira e padrinho da ala ideológica do governo, que teve como expoentes os ministros Abraham Weintraub (Educação) e Ernesto Araújo (Relações Exteriores), já demitidos.
Olavo nasceu em Campinas, em 29 de abril de 1947. Filho de um advogado e de uma operária da indústria gráfica que se divorciaram quando ele era criança, frequentou pouco a escola — estudou até a quarta série do ginásio e se tornaria um crítico da educação formal.
Em 2018, Olavo contou a VEJA que saiu da escola aos 15 anos de idade, quando uma professora pediu que lesse Joaquim Manuel de Macedo, autor do clássico A Moreninha. Ele disse que estava ocupado, lendo obras como a do escritor alemão Johann Wolfgang von Goethe, autor do drama trágico Fausto. A partir daí, mergulhou na leitura.
Leu a obra do alemão Karl Marx, autor de O Capital, os ensaios do italiano Antonio Gramsci e se assumiu comunista ainda no colégio. Aos 19 anos, tornou-se militante do Partido Comunista Brasileiro e, segundo contou a familiares, ajudou num sequestro com cárcere privado organizado pelo partido. Em 1967, aos 20 anos, Olavo tirou sua carteira de jornalista e foi trabalhar no Notícias Populares, exercendo uma carreira que o acompanharia até 2005, quando foi demitido de O Globo.
Em 1976, aos 29 anos de idade, Olavo teve um surto psiquiátrico e foi internado numa clínica, onde recebeu a visita de sua filha Heloísa de Carvalho. O tratamento, contou a filha a VEJA, era à base de teia de aranhas e pedras. No começo dos anos 90, sempre segundo o relato de Heloísa, teve outro surto e apontou um revólver calibre 38 para o ouvido de dois filhos.
Em meados da década de 80, o escritor teve uma passagem pela seita Tariqa do Schuon, liderada pelo metafísico, mestre espiritual e filósofo das religiões suíço Frithjof Schuon, que pregava o fundamentalismo islâmico. Olavo adotou o codinome Sid Mohamed e casou três filhos no Centro Islâmico do Brasil, que ficava na Avenida do Estado, em São Paulo. O casamento de Heloísa, aos 16 anos de idade, foi realizado dia 28 de dezembro de 1985, por um xeque.
A seita tinha várias regras de conduta. Homossexualidade era considerada coisa do demônio, e as mulheres não podiam namorar. Olavo, no entanto, convivia matrimonialmente com três mulheres. “Era assim: entrava uma, saía outra, dormia hoje com uma, amanhã com outra”, disse Heloísa em uma das conversas com VEJA, em 2019.
Em 1986, o nome de Olavo de Carvalho foi parar no extinto Serviço Nacional de Informações. Tratava-se de um relatório da Polícia Militar de São Paulo sobre as atividades da Seita Tradição, de Campinas. A difusão da polícia para o SNI reproduzia a cópia de uma reportagem publicada em O Estado de S. Paulo: “Tradição, a seita que extorque em dólares, agora vira caso de polícia”. Olavo era uma das fontes da denúncia contra a seita.
Em 1979, Olavo fundou a Revista de Astrologia Júpiter, uma publicação trimestral com vários artigos sobre o tema. Na época, ele fazia mapas astrais, consultoria e dava aulas. Por um longo período, distribuiu seu cartão de visitas como “diretor científico da Sociedade Brasileira de Astrocaracterologia”, sua pseudociência, com sede em sua residência, na Rua Vicente Prado. Olavo foi astrólogo assumido de 1978 a 1982. O escritor lançou sua primeira publicação em 1980, A Imagem do Homem na Astrologia.
Autoproclamado filósofo, ele se tornaria o principal representante da extrema-direita no Brasil. Transformou-se cada vez mais em um crítico da esquerda no Brasil, que para ele teria dominado as universidades, a imprensa, a cultura e a política. O pensamento de Olavo já foi considerado por acadêmicos como irrelevante, uma coletânea obscurantista de polêmicas e discursos e catarses para alegrar seu público de direita. Entre suas principais obras estão O Imbecil Coletivo, de 1996, e O Mínimo que Você Precisa Saber para não Ser um Idiota, de 2013, uma coleção de artigos publicados na imprensa ao longo de mais de uma década que encanto o clã Bolsonaro.
Olavo era um negacionista. Dizia não acreditar no aquecimento global, mesmo com todas as evidências científicas. Também era contra a vacinação. Algumas teorias conspiratórias beiravam à loucura. No início da Covid-19, ele afirmou que a pandemia era uma invenção, uma manipulação da opinião pública, doença que ele viria a contrair em 16 de janeiro deste ano, oito dias antes de sua morte. Defendia fervorosamente o armamento da população. Era também preconceituoso assumido, que não economizava o linguajar chulo e a escatológico. Criticava o que chama de “gayzismo”.
Se tinha duas coisas que Olavo negava eram os surtos psicóticos e o fato de não ter curso superior. Em 1989, aos 42 anos de idade, ele teve de apresentar algumas repostas em um inquérito que tramitava numa delegacia em São Paulo e no quesito grau escolar marcou “superior”. Sobre eventual internação em casa de tratamento de moléstias mentais e congêneres, Olavo cravou “não”. Nessa época ele tinha uma casa e 15 terrenos e trabalhava em casa como jornalista e professor.
A partir de 2002, Olavo começou a distribuir um cartão de visitas com o endereço eletrônico do Mídia sem Máscara, segundo ele criado para combater o que chamava de viés esquerdista da mídia do país. Como polemista, ninguém mais que ele soube utilizar as ferramentas digitais para conseguir milhões de curtidas na internet.
Em 2005, Olavo mudou-se para os Estados Unidos, onde conseguiu o green card e onde viveria até morrer. Quem ajudou a financiar a viagem e a primeira estada foi o filho de um empreiteiro. Nos EUA, fez diversos cursos pela internet. E foi lá que começou a manter contatos com a família Bolsonaro. As mensagens de Olavo na internet foram usadas para respaldar alastrar os preconceitos e as visões erradas do bolsonarismo entre seus seguidores fanáticos.
Os primeiros laços do escritor com a família foram construídos com o deputado Eduardo Bolsonaro, que foi seu aluno nos cursos digitais. Eduardo teve vários encontros com Olavo nos EUA. Flávio Bolsonaro também foi aos EUA, levar uma medalha para Olavo. Outro laço forte de Olavo no Brasil foi o blogueiro Alan dos Santos, seu fiel escudeiro que, mesmo procurado pela Polícia Federal, compareceu ao enterro do mestre.