As medidas desesperadas de Bolsonaro diante da alta dos combustíveis
Tipicamente eleitoreiro, o pacote de ações vai cobrar um preço muito alto do país, do contribuinte e do presidente eleito em outubro, seja ele quem for
Jair Bolsonaro está pressionado. Depois de recuperar popularidade nos primeiros meses do ano, o presidente estancou nas pesquisas de intenção de voto e, em algumas delas, viu a vantagem do rival Lula aumentar na corrida eleitoral. Coordenador da campanha à reeleição e ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira chegou a prever em fevereiro, quando o chefe estava em franca ascensão, que Bolsonaro empataria com Lula em maio na liderança da sucessão presidencial. Errou na previsão. Faltou combustível ao ex-capitão para recuperar terreno porque, de acordo com seus próprios aliados, gasolina, gás de cozinha e diesel estão cada vez mais caros para os eleitores, que responsabilizam principalmente o mandatário pela carestia generalizada. Num primeiro momento, Bolsonaro tentou reagir à situação argumentando que a inflação decorreria de diferentes fatores, e nenhum deles de sua responsabilidade, como a guerra na Ucrânia. Como não soou convincente e faltam apenas quatro meses para a eleição, ele decidiu recorrer ao receituário típico do governante em apuros e prometeu empenhar até 50 bilhões de reais para baratear os combustíveis.
A proposta destinada a turbinar a campanha à reeleição foi apresentada na segunda-feira 6 pelo próprio presidente da República, que estava acompanhado de ministros e de representantes da cúpula do Legislativo. Em pronunciamento no Palácio do Planalto, Bolsonaro disse que reduzirá a zero os tributos federais da gasolina e do etanol — produtos que aumentaram, respectivamente, 28,73% e 25,31% em um ano — se o Congresso aprovar o projeto que fixa um teto de 17% a 18% para a alíquota de ICMS sobre combustíveis e energia. O presidente prometeu ainda ressarcir os estados caso estes aceitem zerar as alíquotas de ICMS sobre diesel e gás de cozinha, que subiram 52,27% e 29,39% no período de doze meses encerrado em maio. O ressarcimento seria oficializado por meio da aprovação de uma proposta de emenda constitucional (PEC), que autorizaria a realização dessa nova despesa fora do teto de gastos. Combinadas, essas medidas teriam um custo de até 50 bilhões de reais para a União, o equivalente a duas vezes o valor que o governo federal deve receber com a venda da Eletrobras, ou a 56% do montante previsto em 2022 com o Auxílio Brasil, que atende 18 milhões de famílias.
A apresentação do pacote foi explorada nas redes sociais, o terreno predileto de Bolsonaro. O presidente escreveu o seguinte em seu canal no Telegram, que tem mais de 1,33 milhão de inscritos: “Temos lutado para encontrar soluções responsáveis para a alta dos preços que tanta dificuldade tem causado ao nosso povo”. O ex-capitão sabe que não terá vida fácil pela frente, já que as resistências ao seu pacote ocorrem em diversas frentes. Governadores não estão dispostos a abrir mão de arrecadação do ICMS nem acreditam na promessa de que serão ressarcidos a tempo e a contento pelo governo federal. No comando de São Paulo, Rodrigo Garcia (PSDB), por exemplo, afirmou que aceitaria a desoneração de ICMS sobre diesel e gás de cozinha se, em troca, a União suspendesse por dois anos a cobrança das parcelas das dívidas do estado. Seria uma transação direta, sem a necessidade de aprovação de PEC, ressaltou o tucano. Governadores alegam ainda que o presidente tem instrumentos para enfrentar sozinho o problema dos combustíveis. “É fundamental que o governo dê o exemplo e comece a fazer isso pela Petrobras, que é quem manda no preço do combustível. Querer reduzir preço começando pelo ICMS é como colocar o paciente para examinar o médico”, criticou Garcia.
A Frente Nacional de Prefeitos também se manifestou contrariamente ao pacote de Bolsonaro, alegando que a desoneração de ICMS retiraria dos municípios recursos usados em saúde e educação: “Zerar o ICMS sobre os combustíveis teria impactos vultosos nos cofres municipais, com consequências dramáticas para a população”. Bolsonaro tem plena consciência de suas dificuldades. Com o apoio de sua base parlamentar, ele acha que será aprovado o projeto que fixa um teto de 17% a 18% no ICMS sobre combustíveis e energia. Assim que sancionado, o texto será usado como peça de propaganda eleitoral e prova de seu esforço para reduzir o preço na bomba de gasolina. Se o restante do pacote não avançar, é certo que o presidente culpará governadores, prefeitos, a diretoria da Petrobras e a oposição pelo fracasso da iniciativa. A meta de Bolsonaro é clara: tentar convencer o eleitor de que ele faz o que pode, mas o sistema o impede de ajudar as pessoas.
Segundo pesquisa Genial/Quaest divulgada na quarta-feira 8, Bolsonaro é o principal responsável pelo aumento dos preços dos combustíveis. Do total de entrevistados, 28% citaram o presidente, 4 pontos porcentuais a mais do que em abril. Logo atrás aparecem a Petrobras (16%) e os governadores (14%). Os discursos do ex-capitão tentam justamente diluir mais as responsabilidades entre os diversos atores. É por isso que ele tem reclamado com frequência da “ganância” e dos “lucros exorbitantes” da Petrobras e anunciado mudanças na cúpula da companhia. É por isso também que ele não abre mão de criticar os governadores pelas medidas de isolamento adotadas em resposta à pandemia de Covid-19. Enquanto Bolsonaro ataca, Lula joga parado ou, quando convém, para a torcida. Líder nas pesquisas, o ex-presidente tem dito que cabe exclusivamente ao rival a responsabilidade de reduzir o preço da gasolina e do diesel. Bastaria a Bolsonaro intervir na política de preços da Petrobras. Como? O petista não detalha, mas, num mantra com cara e jeito de slogan eleitoral, Lula defende reduzir os “lucros dos acionistas internacionais” e “abrasileirar” a companhia — o que, na prática, não quer dizer nada.
Lula também fez coro às ressalvas apresentadas por governadores e prefeitos e, em linha com alguns especialistas, afirmou que a desoneração de ICMS pode não chegar ao consumidor. Não seria, portanto, a medida mais adequada. “Vocês vão ver que toda essa briga da redução do ICMS não vai resultar na bomba, no botijão de gás e no diesel.” Há consenso entre políticos, especialistas e assessores dos presidenciáveis de que a economia e a inflação terão peso decisivo na eleição. Na semana passada, o PT lançou as diretrizes de seu programa de governo, em que defende, entre outras coisas, a revisão da reforma trabalhista e a revogação do teto de gastos, sem detalhar o que será feito a respeito desses dois temas. O texto ainda será debatido com as legendas que apoiam Lula, mas é certo que terá como fio condutor a promessa de redução da inflação, de combate à miséria e de aumento do poder de compra das famílias. Os petistas estão certos de que são esses temas — e não guerras com o Judiciário, como as travadas de forma permanente por Bolsonaro — que pesarão na hora do voto.
Na seara econômica, Lula tem motivos para otimismo. A pesquisa Genial/Quaest perguntou aos entrevistados em qual governo eles conseguiam comprar mais usando o próprio salário. Do total, 62% responderam no mandato do petista, e só 10% na gestão de Bolsonaro. O levantamento mostrou ainda que para 57% a capacidade de pagar contas piorou nos últimos três meses. Em janeiro, o porcentual era de 51%. O controverso pacote dos combustíveis é apenas uma das cartadas de Bolsonaro na tentativa de virar o jogo. Há outras em estudo, que podem ser sacadas em caso de necessidade eleitoral. Uma delas é a suspensão de reajustes de tarifas de energia. Outra, que conta com o apoio de expoentes do Centrão, um novo decreto de calamidade pública, que permitiria ao governo usar recursos — mais uma vez, sem respeitar o teto de gastos — para subsidiar preços e distribuir auxílio, por exemplo, aos caminhoneiros, grupo que apoiou Bolsonaro em 2018 e agora dá sinais de insatisfação. Ninguém sabe se essas medidas, caso sejam adotadas, melhorarão a situação do candidato à reeleição, mas é certo que elas — tipicamente eleitoreiras — cobrarão um preço muito alto do país, do contribuinte e do presidente eleito em outubro, seja ele quem for.
Publicado em VEJA de 15 de junho de 2022, edição nº 2793