Jair Bolsonaro elegeu como uma das prioridades tirar o Brasil de uma posição vexatória no turismo. O país atraiu em 2018 cerca de 6,6 milhões de visitantes estrangeiros, dois terços do total de 10 milhões de pessoas que o Museu do Louvre recebeu sozinho em Paris no mesmo período. Apesar da promessa, o que se viu até agora não permite otimismo. O titular da Pasta responsável pela área, Marcelo Álvaro Antônio, correligionário do presidente, vem balançando no cargo desde que foi denunciado pelo MPF no esquema de laranjas do PSL, caso que provocou um racha entre Bolsonaro e a cúpula da sigla (leia a reportagem). Chefe do partido em Minas Gerais na época em que o escândalo aconteceu, Álvaro é suspeito de articular o desvio de recursos eleitorais usando candidaturas de fachada. Mais preocupantes ainda são as políticas do setor e os resultados colhidos até o momento.
No ritmo atual, o país, que já figura em uma espécie de terceira divisão do turismo, pode sofrer um novo rebaixamento. De acordo com um relatório da Polícia Federal, o número de entradas de turistas estrangeiros no Brasil teve queda de 5,4% no primeiro semestre do ano, enquanto o mundo todo registrou um aumento de 4% no mesmo período, segundo a Organização Mundial do Turismo. Nas vizinhas Argentina e Colômbia, a evolução foi de 9,4% e 6%, respectivamente. Uma das apostas do governo para atrair mais visitantes foi a retirada, em junho, da exigência de visto para viajantes dos Estados Unidos, Canadá, Japão e Austrália. Passado um mês, o número de entradas de americanos cresceu 21,6%, mas a quantidade de japoneses que cruzaram nossas fronteiras caiu 10,4% (não há dados ainda sobre canadenses e australianos). E o resto do mundo parece cada vez mais distante daqui. “Como o Brasil é um país continental, precisamos investir em mercados mais próximos”, diz Caio de Carvalho, ministro do Turismo em 2002.
Além de se preocupar com a fuga de visitantes, o setor terá de lidar com o sumiço de dinheiro. A pasta do Turismo é a que mais sofre com os cortes do governo: seu orçamento para o ano que vem terá uma redução de 58%. A criatividade no uso da verba poderia amenizar o problema. Em vez disso, o que se vê é um excesso de ideias extravagantes. A última delas envolveu a criação por parte da Embratur do concurso King of Rolê, destinado a oferecer um mês de viagem grátis ao estrangeiro que melhor responder à seguinte pergunta: “O que uma experiência de trinta dias no Brasil significa para você?”. Antes disso, o governo apresentou uma marca concebida por funcionários da Embratur que traz um slogan de inevitável duplo sentido: “Brazil. Visit and love us” (Brasil. Visite e nos ame). A relação de iniciativas polêmicas incluiu ainda a nomeação de um time de “embaixadores informais” do turismo, com a presença de figuras como o biólogo Richard Rasmussen, que já foi condenado pela Justiça Federal por danos ambientais.
No Fórum Econômico Mundial, em Davos, Bolsonaro dedicou oito minutos de seu discurso à promoção do turismo e convidou os estrangeiros a conhecer a Amazônia e as praias brasileiras. Depois disso, a floresta despertou o interesse global devido ao aumento no número de queimadas e de desmatamentos. Para piorar, nas últimas semanas, mais de 72 municípios em nove estados foram tomados por óleo, que chegou ao litoral do país em circunstâncias ainda não explicadas. O presidente, que já atacou o turismo gay e deixou os visitantes à vontade para “fazer sexo com mulheres”, ajudou a engordar a lista de ideias estapafúrdias, como a promessa de transformar a Baía de Angra dos Reis numa versão brasileira de Cancún. Ao comentar, em setembro, uma operação que afundou dois navios no litoral pernambucano para criar recifes artificiais e fomentar o mergulho na região, Bolsonaro vibrou: “Novos naufrágios virão”. Se o rumo da área não mudar, quem corre o risco de afundar de vez é o turismo no país.
Colaborou André Siqueira
Publicado em VEJA de 23 de outubro de 2019, edição nº 2657