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As diferenças que ameaçam a aliança entre PT e os irmãos Cid e Ciro Gomes

Vitorioso nas últimas quatro eleições ao governo cearense, o acordo é abalado por divergências locais e nacionais

Por João Pedroso de Campos Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 11h43 - Publicado em 11 jun 2022, 08h00

A aliança entre o PT e os irmãos Cid e Ciro Gomes (PDT) no Ceará é inegavelmente uma das parcerias de maior êxito eleitoral da história recente da política nacional. Candidatos lançados pelo consórcio venceram as quatro disputas a governador desde 2006, quando Cid bateu Lúcio Alcântara e quebrou a hegemonia de quase duas décadas do grupo liderado pelo senador e ex-governador Tasso Jereissati (PSDB) — do qual fez parte Ciro, eleito como tucano para comandar o estado em 1990. Provas do inequívoco sucesso são as três vitórias em primeiro turno — com Cid em 2006 e 2010 (então no PSB) e na reeleição de Camilo Santana (PT), em 2018. Para a disputa de 2022, embora os caciques de PDT e PT digam que a ideia é manter o acordo, desgastes estremeceram a relação, gerando temores de um rompimento naquela que pode ser a eleição mais dura que o grupo vai disputar. Boa parte da dificuldade vem no momento mais delicado da relação entre Ciro e o PT nacional. O pedetista ataca o ex-presidente Lula para tentar chegar ao segundo turno na corrida ao Palácio do Planalto, enquanto os petistas buscam tirá-lo do páreo para, quem sabe, triunfar já no primeiro.

O centro da divergência no Ceará é a definição do nome que vai tentar manter a hegemonia desse grupo político. Como opções preferenciais, o PDT tem como pré-candidatos no Ceará a governadora Izolda Cela e o ex-prefeito de Fortaleza Roberto Cláudio — disputa que é o fator de toda a discórdia. Correm por fora o presidente da Assembleia Legislativa, Evandro Leitão, e o deputado Mauro Filho. A vaga de candidato ao Senado está reservada ao PT e será ocupada por Camilo Santana, dono de 66% das intenções de voto, segundo o Paraná Pesquisas. Mas os petistas também querem Izolda na cabeça da chapa. Alvo de acenos públicos de Camilo, a quem substituiu em abril, a governadora tem proximidade com o PT e é casada com um quadro histórico do partido no estado, o ex-prefeito de Sobral Veveu Arruda. Ciro, por sua vez, prefere Roberto Cláudio, alvo de resistência do PT, em parte por ser um político muito ligado ao presidenciável, em parte por seus embates com petistas nas eleições à prefeitura da capital em 2012 e 2016.

DIVISÃO - Roberto Cláudio: o ex-prefeito tem a preferência de Ciro Gomes e resistência no PT -
DIVISÃO – Roberto Cláudio: o ex-prefeito tem a preferência de Ciro Gomes e resistência no PT – (Reprodução/Twitter)

Nessa disputa que faz balançar a coalizão, pedetistas afirmam que a resistência a Cláudio é injustificável. “Nenhum dos pré-candidatos tem qualquer tipo de mácula que possa justificar um veto”, diz o presidente do PDT no Ceará e líder do partido na Câmara, André Figueiredo. Ciro já esbravejou contra o que chama de “intrusão” do petismo, não descartou um rompimento e classificou parte do PT no estado como corrupta. Já os petistas veem na posição do presidenciável um movimento para desmanchar a aliança e costurar um palanque mais alinhado a ele — e ameaçam também fazer o mesmo. “Temos preferência por um nome que agregue os partidos da base, tenha a cara de Camilo e dialogue com Lula. Sem esses pressupostos, podemos ter candidatura própria”, diz o deputado José Guimarães (PT-CE), coordenador de palanques de Lula e também cogitado para disputar o governo.

A luta por seu enclave eleitoral é fundamental para as pretensões de Ciro neste ano. Em 2018, quando se acentuaram as mágoas dele com Lula e o PT, o pedetista dividiu o palanque no estado com Fernando Haddad na eleição presidencial e terminou o primeiro turno como o mais votado pelos cearenses, com 40,9%. Para 2022, contudo, ele tem 14,4% no estado, ante 44,4% de Lula e 25,8% de Jair Bolsonaro. Evidentemente, o combustível do desgaste passa por Lula. Fora os petardos contra o ex-presidente, petistas não esquecem a viagem de Ciro a Paris no segundo turno de 2018, nem as declarações de Cid Gomes de que “o Lula está preso, babaca”, a um grupo de estudantes em 2018, e de Ivo Gomes, prefeito de Sobral e irmão deles, de que “para se diferenciar do Lula, basta ser honesto”.

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BELIGERÂNCIA - Ciro Gomes: o aumento de críticas a Lula enfurece os petistas -
BELIGERÂNCIA - Ciro Gomes: o aumento de críticas a Lula enfurece os petistas – (Charles Sholl/Brazil Photo Press/.)

Caso realmente se confirme, o maior favorecido pelo racha da esquerda cearense tende a ser o deputado Capitão Wagner (União Brasil), que lidera as pesquisas contra qualquer nome do PDT. Embora atraia o eleitor bolsonarista, Wagner tem um histórico político que precede a ascensão de Bolsonaro — liderou uma greve de policiais no governo de Cid, em 2011, e com a visibilidade teve as maiores votações para deputado estadual e federal em 2014 e 2018, chegando ao segundo lugar na disputa pela prefeitura de Fortaleza em 2016 e 2020. Agora, deve buscar se descolar de Bolsonaro, cuja gestão é reprovada por 61% dos cearenses. “Wagner tem um recall positivo, mesmo alinhado a Bolsonaro, e constrói o discurso de campanha com base no ‘anti-ferreiragomismo’”, diz a socióloga Monalisa Torres, docente da Universidade Estadual do Ceará.

Como ensinou o filósofo Nicolau Maquiavel (1469-1527), a arte de manter-se no poder é difícil e exige diversas manobras do grupo dominante. Com o fortalecimento da oposição e o estremecimento da bem-sucedida aliança que governa o Ceará há dezesseis anos, a hegemonia de Ciro está sob risco. A continuar assim, ele terá de brigar muito (ou ceder) para não amargar um duplo revés em outubro. Caminhando firme para sua quarta derrota presidencial — há mais de um ano não consegue chegar a dois dígitos de intenções de votos nas pesquisas —, Ciro realmente pode sofrer um duro baque no estado que o lançou e o consagrou na política.

Publicado em VEJA de 15 de junho de 2022, edição nº 2793

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