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As consequências (e os riscos) do Orçamento Impositivo

Medida que deve ser aprovada pelo Congresso reduz as barganhas entre governo e parlamentares, mas fortalece os currais eleitorais pelo país

Por Gabriel Castro e Laryssa Borges, de Brasília
2 set 2013, 07h10

Em um país com regime democrático em constante evolução, os debates sobre o Orçamento da União deveriam ser uma das principais prioridades do Congresso Nacional, com reflexões sérias sobre recursos a serem garantidos para áreas como saúde, educação e obras de infraestrutura. Não é o caso do Brasil. Agora, os parlamentares se preparam para aprovar um o projeto que cria o chamado Orçamento Impositivo – que, de impositivo, tem apenas a liberação das emendas dos próprios parlamentares. Os defensores do projeto no Congresso afirmam que, com isso, o jogo de interesses entre Executivo e Legislativo perde força. É verdade. Mas a medida cria outro problema porque amplia o poder dos deputados de manter seus currais eleitorais com dinheiro público.

A proposta em discussão tem chances reais de potencializar o clientelismo eleitoral. As emendas costumam ser utilizadas pelos parlamentares para bancar obras e melhorias nas cidades em que se concentram sua base de apoio. Uma escola ou um ginásio de esportes se tornam alavancas de votos. E são parte essencial do relacionamento dos parlamentares com os prefeitos, importantes cabos eleitorais. Com a garantia de que os recursos sairão dos cofres públicos, ficará mais fácil negociar (no bom e no mau sentido) com o gestor municipal a contrapartida para os recursos milionários. “Se dependesse da minha vontade, nós nem teríamos esse dispositivo das emendas parlamentares. Não é o melhor modelo para a aplicação de recursos públicos e possibilita a inversão de prioridades”, diz o senador Alvaro Dias (PR), vice-líder do PSDB no Senado.

Análise: Será o fim da barganha? Quem viver, verá

O Orçamento Impositivo já foi aprovado em dois turnos na Câmara e será agora debatido no Senado. Se aprovado, exigirá o pagamento compulsório de emendas parlamentares e, acima e tudo, uma mudança nos costumes dos congressistas. O texto aprovado pela Câmara estabelece que as emendas terão o valor de 1% da Receita Corrente Líquida da União. Isso equivaleria, em 2013, a pouco mais de 11 milhões de reais por parlamentar. Pelo modelo atual, o montante é de 15 milhões, mas não há garantias de que esse valor será realmente desembolsado. Com a mudança na lei por meio de uma emenda constitucional, os parlamentares terão a certeza de que os recursos sairão dos cofres públicos.

  1. Por que as emendas são importantes?

    Porque, por meio delas, os deputados conseguem destinar recursos aos seus redutos eleitorais. A inauguração de uma ponte ou uma quadra esportiva rende dividendos políticos com a população e com prefeitos que fazem parte da rede de apoio ao deputado ou senador. Nos últimos anos, muitos casos de corrupção envolvendo emendas parlamentares também vieram à tona. A dificuldade na fiscalização dos recursos favorece os desvios.

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  2. Como funciona hoje?

    Cada deputado tem direito a 15 milhões de reais em emendas individuais ao Orçamento anual. Mas cabe ao governo federal decidir se aplica ou não os recursos. A presidente Dilma Rousseff, alegando razões econômicas, cortou boa parte das emendas nos três anos de seu governo.

  3. Como ficaria com as novas regras?

    O governo teria de aplicar em emendas 1% da Receita Corrente Líquida da União. Em 2013, isso equivale a 6,75 bilhões de reais – 11,3 milhões por parlamentar. Se houver risco de o governo fechar o ano no vermelho e surgir a necessidade de um corte, as emendas só podem ser contingenciadas na mesma proporção que atingir o restante do Orçamento.

A proposta, de pleno interesse dos parlamentares vai ser aprovada pelo Senado – restam apenas alguns ajustes. É esta certeza que motiva o Palácio do Planalto a trabalhar agora para tentar amenizar a derrota anunciada. O governo, que já centraliza mais de 80% do Orçamento, é contra o projeto nos moldes aprovados pelos deputados. Para o Executivo, a medida significaria menos liberdade na aplicação dos recursos do Orçamento e menos poder de barganha sobre o Congresso.

A proposta do governo vincula 50% dos recursos das emendas à saúde. O Executivo acredita que, assim, parte dos custos atuais passariam a ser cobertos pelas emendas. Lideranças da Câmara sinalizaram com a possibilidade de uma vinculação menor, de cerca de 30%. O Planalto não aceitou. Agora, a hipótese mais plausível em jogo estabelece 40% de vinculação. É o que defende o presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), principal articulador da tramitação da proposta. Outra possível mudança no texto é a previsão de que esses recursos possam ser usados também para custeio, e não apenas investimento.

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Independentemente das versões desses acordos preliminares, não há consenso. O texto vai ser discutido em uma reunião de lideranças partidárias na próxima terça-feira. Eles devem elaborar uma proposta que não desagrade ao governo e, ao mesmo tempo, tenha o consentimento dos parlamentares. A preocupação é construir um acordo que seja aceito também pelos líderes partidários da Câmara dos Deputados, já que a alteração no Senado devolverá o texto para uma votação final na casa vizinha.

Uma coisa é certa: se o texto for aprovado da forma que está, o governo vai recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF), porque acredita que a proposta fere a Constituição. No voto, o Planalto sofreu uma grande derrota. Apenas a bancada do PT decidiu se opor ao projeto e ficou falando sozinha: foram 376 votos a favor, 59 contrários e 5 abstenções. “Não há como o Executivo ser obrigado por outro poder a gastar determinado recurso”, diz o líder do PT no Senado, Wellington Dias (PI). Ele reconhece, entretanto, que qualquer resistência ao projeto seria infrutífera. Resta negociar: “Vamos encontrar um entendimento”, afirma.

Curral eleitoral – Pouco importa o formato do texto que for aprovado, a transformação das emendas em obrigatórias deve alterar a dinâmica de negociação entre o Executivo e o Legislativo. O balcão de negócios entre Planalto e Congresso pode, em tese, ter fim: o governo não terá como liberar emendas em troca de apoio nas votações importantes, nem os deputados e senadores poderão impedir votações para forçar o governo a liberar as emendas. Mas isso não significa que o Orçamento Impositivo é um avanço para o país.

Um simples raciocínio indutivo provoca desconfiança: os parlamentares que não cassaram o mandato do deputado presidiário Natan Donadon serão capazes de aplicar com lisura um Orçamento individual desse montante? São os mesmos deputados que aceitam destravar votações após negociar, de forma pouco republicana, a liberação de recursos ou a indicação de cargos. Os mesmos congressistas que jogaram o Parlamento em uma constante crise de representatividade.

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