As acusações contra Pedro Rodrigues, filho do senador do dinheiro na cueca
Testemunha afirma que o suplente que vai assumir a vaga do pai no Senado também recebia propina no esquema de corrupção em Roraima
Na terça-feira, o senador Chico Rodrigues (DEM-RR) encaminhou aos congressistas um vídeo de pouco mais de dois minutos. Nele, pede aos colegas que não o condenem de imediato, diz que foi humilhado e ridicularizado. Com a voz embargada, explicou que foi movido pelo impulso ao enfiar maços de notas na cueca no instante em que a Polícia Federal chegou à sua casa uma semana antes para cumprir um mandado de busca. O dinheiro, segundo ele, era lícito e seria usado para pagar funcionários. O parlamentar garantiu que jamais desviou recursos públicos e se mostrou indignado por ter sido acusado de chefiar uma organização criminosa. Logo depois, anunciou que estava se afastando do cargo pelos próximos quatro meses para cuidar de sua defesa e evitar maiores constrangimentos ao Congresso. O constrangimento, porém, tende a crescer ainda mais.
“O Pedro Rodrigues operava o esquema para o pai. Era ele quem pedia e pegava a propina, que variava de 10% a 20% do valor dos contratos.”
Maria Madalena Ferreira, ex-chefe de logística do DSEI/Leste em Roraima
Durante a licença do senador, quem deverá assumir o cargo é seu filho Pedro Rodrigues, o primeiro suplente. Oficialmente, o rapaz é sócio do pai numa empresa de terraplenagem em Boa Vista. Segundo as investigações da Polícia Federal, pai e filho também são parceiros em esquemas ilegais que seguem uma cartilha bastante conhecida: o político indica alguém de sua confiança para comandar um órgão público com orçamento gordo. O apadrinhado se aproxima de empresas prestadoras de serviços, manipula licitações, superfatura preços e, depois, todos os envolvidos dividem os lucros. Chico Rodrigues tinha seu pequeno feudo no Ministério da Saúde. Em 2019, durante a gestão do ex-ministro Luiz Henrique Mandetta, seu companheiro de partido, ele nomeou um afilhado para chefiar o Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) Leste de Roraima, repartição que presta atendimento a populações indígenas. Depois foi só seguir o manual. As empresas que prestavam serviços ao DSEI eram pressionadas a pagar propina — e Pedro Rodrigues seria o encarregado de receber o dinheiro.
Em entrevista a VEJA, a servidora Maria Madalena Ferreira Gomes, ex-chefe de logística do DSEI, detalhou como funcionava o esquema. De acordo com ela, os fornecedores do órgão tinham de pagar aos emissários do senador Chico Rodrigues até 20% do valor dos contratos. Para fechar os acordos, segundo a ex-diretora, havia até uma sala reservada, onde ocorriam os encontros. “O Pedro Rodrigues operava o esquema para o pai. Era ele quem pedia e pegava a propina, que variava de 10% a 20%”, diz Maria Madalena. “Não era o Chico que estava lá em pessoa. Quem ia lá era o filho dele, indicando quais pessoas iam ficar nos cargos, o que iam fazer e como iam fazer”, acrescenta ela. A servidora conta que se recusou a participar da trama, foi exonerada do cargo e decidiu denunciar a operação à Polícia Federal. Em maio passado, o caso, que ainda está sob investigação, foi remetido ao gabinete da ministra Cármen Lúcia, diante dos indícios do envolvimento do senador.
O esquema de Chico Rodrigues tinha outros tentáculos. Um servidor da Secretaria de Saúde acusou o senador também de articular um esquema para desviar dinheiro das verbas destinadas ao combate da Covid-19. O delator contou à polícia que o parlamentar direcionou para um grupo de empresas a compra de kits de testes rápidos para a detecção da Covid-19 — tudo sem licitação e a preços devidamente superfaturados. Foi essa investigação que resultou no mandado de busca e apreensão na casa do parlamentar, ocasião em que ele foi flagrado com 33 000 reais escondidos na cueca — o bizarro episódio que provocou o afastamento do Congresso e a acusação de corrupção e organização criminosa contra ele. Além de Rodrigues, o delator citou um outro senador como integrante dos desvios na Secretaria de Saúde de Roraima. Segundo ele, Telmário Mota (PROS-RR) teria participado de uma fraude a fim de direcionar uma licitação para a compra de equipamentos de ar-condicionado para uma maternidade do interior do estado. O parlamentar nega. “A Polícia Federal poderia ter me chamado para ser ouvido, mas não me chamou. Erraram até meu nome no inquérito”, diz Mota. A corrupção é uma doença que o Brasil ainda não conseguiu extirpar.
Publicado em VEJA de 28 de outubro de 2020, edição nº 2710