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Apesar do discurso de renovação, velha guarda ainda se impõe no PT

Sigla fala em novos ares, mas nada, absolutamente nada — especialmente as ideias — escapa do rigoroso controle e da influência dos antigos companheiros

Por Daniel Pereira Atualizado em 4 jun 2024, 12h28 - Publicado em 11 mar 2022, 06h00

Desde a redemocratização, o Brasil já realizou oito eleições presidenciais. Líder nas pesquisas para a próxima corrida ao Palácio do Planalto, Lula participou de cinco delas, perdendo as três primeiras e vencendo as duas seguintes. Em 2018, ele também pretendia disputar contra Jair Bolsonaro, mas foi preso por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). Livre desde que o mesmo STF anulou as suas condenações e restabeleceu os seus direitos políticos, o petista figura como o pré-candidato mais experiente no páreo de 2022, mas promete, se eleito, montar uma equipe de governo renovada, com nomes novos para administrar o país. Esse compromisso foi assumido depois de ele e o PT serem cobrados sobre o papel da ex-presidente Dilma Rousseff na campanha deste ano. O criador elogiou a criatura, a quem chamou de “pessoa inatacável” e de “competência extraordinária”, mas sinalizou que ela não fará parte de seu eventual futuro mandato. “O tempo passou, tem muita gente nova no pedaço, e eu pretendo montar um governo com muita gente nova, muita gente importante e com muita experiência também”, declarou o ex-­presidente.

Esses ares de renovação ainda não são percebidos na pré-campanha de Lula. Até aqui, figuram como seus principais conselheiros velhos companheiros de partido e antigos colaboradores de seus dois governos — o último deles encerrado em 2010. Talvez por isso, por mais que Lula tente construir um discurso de moderação e uma aliança para além da esquerda, de vez em quando o ex-presidente e seus aliados repetem mantras tipicamente petistas, muitos deles capazes de reforçar a rejeição à legenda. Um exemplo é o discurso pela regulação da mídia. Em seu segundo mandato, Lula tirou essa bandeira da gaveta, argumentando que era preciso enfrentar os oligopólios e democratizar os meios de comunicação. Eventuais mudanças nada teriam a ver com censura, alegou na época. A ideia era que Dilma Rousseff, ao assumir a Presidência da República, aproveitasse o caminho pavimentado e negociasse com o Congresso a aprovação da regulamentação. Dilma não topou, o que contribuiu para desgastar um pouco a sua relação com o antecessor.

CANCELADA - Dilma Rousseff: a ex-presidente foi afastada do núcleo decisório -
CANCELADA - Dilma Rousseff: a ex-presidente foi afastada do núcleo decisório – (Heuler Andrey/Folhapress/.)

Em entrevista recente à TVT, emissora mantida por sindicatos de trabalhadores de São Paulo, Franklin Martins, ex-ministro de Comunicação Social de Lula, classificou de “erro” a postura de Dilma e defendeu a regulação das concessões públicas de rádio e televisão com o objetivo de desmontar os oligopólios, que impediriam o pluralismo na produção de informações. “Esse assunto está pendente”, disse ele. Segundo Martins, o próprio impeachment de Dilma, que chamou de “golpe”, começou a ser gestado por um oligopólio. Nada disso, garante o ex-ministro, tem a ver com censura. “Pluralidade na questão da informação, do debate público, é essencial para a democracia”, afirmou Martins. Dias depois, o candidato Lula, que ainda procura a modulação menos indigesta para o tema, disse o seguinte a uma rádio: “Não falem de censura para mim, eu quero liberdade de imprensa. Liberdade em que a imprensa fale o que quiser, mas que também seja respeitado o direito de resposta”. Além de se dedicar a esse tema, Martins cuidará da campanha de Lula nas redes sociais, área em que Bolsonaro reinou em 2018. O PT espera que a militância seja tão combativa como o ex-ministro, que não esconde o gosto pelo embate político.

Outro conselheiro importante da pré-campanha é Celso Amorim, que chefiou o Ministério de Relações Exteriores entre 2003 e 2010. O ex-­chanceler é entusiasta de duas cantilenas caras aos petistas: o respeito à autodeterminação dos povos e, a partir desse conceito, a importância de o Brasil se posicionar como um mediador entre países, sobretudo seus parceiros econômicos da América Latina. A tese parece lógica, mas tem gerado ruídos eleitorais. No fim do ano passado, uma nota publicada no site do PT saudou as eleições de fancaria na Nicarágua, vencidas pelo ditador Daniel Ortega, que mandou prender opositores antes da votação. A repercussão foi imediata, e a contradição, evidente: petistas acusam Jair Bolsonaro de atentar contra a democracia, mas aplaudem o ditador amigo. Restou à presidente do PT, Gleisi Hoffmann, tirar a nota do ar, alegando que o texto não havia sido submetido à direção partidária. “Nossa prioridade é debater o Brasil com o povo brasileiro”, escreveu Gleisi numa rede social, numa tentativa de contenção de danos. No caso da invasão da Ucrânia pela Rússia, as vozes do passado também ecoam. Lula e Amorim não fizeram até agora uma condenação contundente à ação de Vladimir Putin. O PT prefere desviar o foco para críticas ao imperialismo americano, com o qual trava uma batalha ideológica desde sempre.

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Uma das principais dúvidas sobre o eventual terceiro mandato de Lula se refere à condução da economia — quem será convocado para exercer a função. O ex-presidente convidou Guido Mantega, que foi ministro da Fazenda entre o início de seu segundo mandato e o fim do primeiro mandato de Dilma, para escrever em nome dele numa série do jornal Folha de S.Paulo sobre o pensamento econômico dos pré-candidatos. A reação foi de espanto — entre outros motivos, porque Mantega implementou a “Nova Matriz Econômica”, decisiva para jogar o país na recessão. Os petistas logo espalharam a versão de que o convite era um gesto magnânimo de Lula, uma tentativa de resgate da imagem de Mantega, desgastada também por denúncias de corrupção. A explicação não afastou as suspeitas dos agentes econômicos. Eles lembram que outro conselheiro do ex-presidente é o ex-senador Aloizio Mercadante, conhecido por defender, no passado, a tese segundo a qual vale tolerar um pouco mais de inflação a fim de obter um tanto mais de crescimento econômico.

RENEGADOS - Os ex-ministros Dirceu e Palocci: condenados por corrupção, o primeiro mantém um afastamento tático do partido e o segundo caiu em desgraça após se tornar delator -
RENEGADOS - Os ex-ministros Dirceu e Palocci: condenados por corrupção, o primeiro mantém um afastamento tático do partido e o segundo caiu em desgraça após se tornar delator – (Sérgio Lima/Folhapress; Heuler Andrey/AFP)

Num artigo recente escrito para a militância petista, Mercadante defendeu a ideia de que a Petrobras foi desmantelada nos governos de Michel Temer e Jair Bolsonaro. Não se trata de uma opinião isolada. Aliados de Lula falam em “renacionalizar” a empresa, que manteria seu capital aberto, mas voltaria a ter como prioridade o desenvolvimento do país e o interesse do povo brasileiro, e não os ganhos de seus acionistas. O mesmo raciocínio valeria para a Eletrobras e os Correios, que o governo Bolsonaro tenta privatizar. Quando perguntados se um nome novo assumirá a Fazenda, petistas costumam responder com muito pragmatismo e um tanto de cinismo: “Tanto faz. Como sempre, quem mandará na política econômica será o Lula”. Na pré-campanha também se destacam os ex-ministros Luiz Dulci, que cuidava da relação do governo Lula com os movimentos sociais, e Gilberto Carvalho, que foi responsável pela interlocução com as igrejas e, no mandato de Dilma, serviu como olhos e ouvidos de Lula na gestão de sua sucessora. Conhecido por sua capacidade de diálogo para além das fronteiras da esquerda, o senador Jaques Wagner também figura entre os conselheiros e aparece desde já como um coringa para a formação do futuro governo.

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É natural que o ex-presidente recorra a pessoas de sua confiança para aconselhá-lo em sua provável sexta candidatura à Presidência. Também é compreensível que ele escolha uma equipe tarimbada, experiente, considerando-se quão acirrada promete ser a disputa. Isso não significa, dizem os petistas, que não haverá a renovação prometida. Eles lembram que Lula nomeou Alexandre Padilha ministro de Relações Institucionais quando este tinha apenas 38 anos. Já Fernando Haddad assumiu o Ministério da Educação com 42. A própria Dilma Rousseff, apesar de um pouco mais velha, foi considerada uma surpresa ao ser escolhida para a Casa Civil e depois candidata a presidente. No caso Dilma, houve um enorme facilitador. Os dois nomes naturais do PT para a sucessão de Lula — os ex-ministros José Dirceu e Antonio Palocci — haviam caído em desgraça, acusados de corrupção e outras traficâncias. O caminho estava livre, e Lula apostou numa novidade. Novidade que, neste início de ano eleitoral, só existe como promessa de campanha.

Publicado em VEJA de 16 de março de 2022, edição nº 2780

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