Ameaçado de perder o posto de cacique, Collor tem futuro político incerto
Pela primeira vez em sua trajetória política, o político vê no horizonte a possibilidade real de perder uma eleição antes mesmo de iniciar a disputa
Desde que teve o mandato cassado por um processo de impeachment, em 1992, Fernando Collor de Mello (PTB) só permaneceu afastado da política no período em que esteve com os direitos políticos suspensos e, portanto, inelegível. Em 2002, ele ensaiou o retorno como governador de Alagoas, mas acabou em segundo lugar. Em 2006, foi eleito senador e reeleito para mais um mandato. O ex-presidente está com 72 anos e afirma que ainda não pensa em aposentadoria, mas pode ser forçado a antecipar o plano. Pela primeira vez em sua trajetória política, Collor vê no horizonte a possibilidade real de perder uma eleição antes mesmo de iniciar a disputa. O mandato dele termina no fim do ano e, segundo as pesquisas, se nenhuma reviravolta acontecer, sua cadeira deverá ser ocupada pelo ex-governador Renan Calheiros Filho (MDB), que ameaça não apenas tomar o seu lugar no Parlamento como também conquistar o posto de principal cacique eleitoral do estado. Não é o ponto-final que o ex-presidente imaginou para sua carreira, nem um epílogo do qual ele pode se orgulhar muito.
Se as eleições fossem hoje, segundo as pesquisas, Collor perderia feio para Calheiros Filho. No último levantamento realizado pelo instituto Paraná Pesquisas, no início de maio, o ex-governador aparece como franco favorito ao Senado, com 45% das intenções de voto, contra 22% de Collor. Diante desse cenário desfavorável, o ex-presidente estuda a possibilidade de disputar o governo de Alagoas — tarefa, em princípio, mais difícil ainda, já que estão praticamente selados os acordos partidários em torno dos candidatos — ou concorrer a uma vaga na Câmara dos Deputados, descendo mais um degrau na carreira. “O ex-presidente hoje depende exclusivamente da própria imagem, não pertence a grupos e o que resta é o palanque do presidente Bolsonaro”, ressalta o cientista político Ranulfo Paranhos, professor da Universidade Federal de Alagoas. E, ao que tudo indica, é nessa boia que o senador pretende se agarrar.
Na terça-feira 17, Collor acompanhou Bolsonaro numa viagem a Sergipe, onde o presidente inaugurou o trecho de uma rodovia na divisa com Alagoas. A presença do senador no palanque do presidente não foi obra do acaso. Bolsonaro destacou que o parlamentar é “um de seus grandes aliados”, exemplo, segundo ele, de como o país está se libertando da “velha política”. O senador, por sua vez, elogiou o governo, especialmente as “iniciativas” no combate à Covid-19. “Vossa excelência enfrentou uma pandemia que acabou sendo vencida graças ao dinheiro destinado para a compra das vacinas que os brasileiros tanto pediram. Também trouxe o Auxílio Brasil que é para a vida toda”, devolveu o congressista. As gentilezas sem amparo na lógica tinham um alvo indireto: o clã Calheiros. Relator da CPI da Pandemia, Renan Calheiros, pai de Renan Filho, acusou o presidente de genocídio, criou inúmeros constrangimentos ao governo e é aliado do petista Lula. Collor e Bolsonaro, portanto, compartilham interesses comuns.
A mesma pesquisa do instituto Paraná que mostra o ex-presidente muito atrás de Renan Filho na disputa pela vaga no Senado também sondou os alagoanos sobre a eleição presidencial. No estado, Lula tem 51% das intenções de votos e Jair Bolsonaro, 27%. “Não é uma boa opção para o Collor ficar ao lado do presidente Bolsonaro”, alfineta Renan. “Isso não tem ajudado ele. A nosso favor temos quase 80% de aprovação ao governo de Renan Filho”, acrescenta. Collor e Bolsonaro, porém, acreditam que essa situação pode ser revertida. Apostam no sucesso da estratégia de recuperação de popularidade que vem sendo usada pelo governo em outros estados do Nordeste: a inauguração de obras de infraestrutura, a associação de Lula ao PT e os efeitos positivos do Auxílio Brasil, que substituiu o Bolsa Família, aumentando o valor do benefício de 189 para 400 reais. A região tem 8,5 milhões de famílias (46% do total) inscritas no programa, sendo 480 000 em Alagoas.
Perder a eleição e, por consequência, ficar sem mandato pode ser um problema gigante para quem já tem um cardápio enorme de dores de cabeça. O ex-presidente acumula uma dívida de 390 milhões de reais junto à Receita Federal, que inclui dívidas previdenciárias e passivos tributários de suas empresas. Collor também é réu em um processo no Supremo Tribunal Federal por corrupção passiva, lavagem de dinheiro e organização criminosa. O ex-presidente foi apanhado na Operação Lava-Jato. Durante os governos do PT, seu partido, o PTB, controlava uma das diretorias da BR Distribuidora. Para ganhar contratos na estatal, as empreiteiras pagavam propina a vários políticos da legenda. As investigações revelaram que apenas o ex-presidente recebeu 29 milhões de reais, dinheiro, em grande parte, usado na compra de carros importados, uma de suas paixões. O processo, que tramita no STF há mais de cinco anos, está pronto para julgamento, aguardando apenas que o presidente da Corte, ministro Luiz Fux, marque a data. Se condenado, Fernando Collor pode pegar até trinta anos de prisão. Procurado, o senador não quis se manifestar. O problema do ex-presidente é que tanto as urnas como a Justiça lhe reservam um futuro absolutamente incerto.
Publicado em VEJA de 25 de maio de 2022, edição nº 2790