A VEJA, Allan dos Santos garante que não está escondido e ataca Moraes
O blogueiro bolsonarista, considerado foragido pelas autoridades brasileiras, diz que enfrenta dificuldades e chama o ministro do STF de 'delinquente'
Allan dos Santos gosta de repetir que sua profissão é a de jornalista e, como tal, goza de certas prerrogativas que lhe estariam sendo negadas. A liberdade de expressão seria uma delas (jornalista, vale ressaltar, não está livre para falar qualquer coisa sem responder à Justiça). Dono de um canal na internet chamado Terça Livre, ele se transformou em um dos principais porta-vozes do radicalismo e ponta de lança das milícias digitais que pregavam, entre outros desatinos, o fechamento do Supremo Tribunal Federal (STF). Investigado por organizar atos antidemocráticos, Allan se mudou para os Estados Unidos seis meses antes de ter a prisão preventiva decretada. Desde outubro do ano passado ele é considerado foragido pelas autoridades brasileiras — uma situação constrangedora e difícil para qualquer pessoa. Há quem diga, no entanto, que ele na realidade leva uma vida serena no exterior. Escondido, estaria aproveitando a notoriedade alcançada nos últimos tempos para ganhar dinheiro, inclusive contando com apoio logístico e financeiro de gente abastada do bolsonarismo. Nada disso, segundo ele, é verdade.
Em entrevista a VEJA, Allan garante que nem sequer está escondido. Diz que mora em Orlando, no estado americano da Flórida, em uma casa emprestada, simples, precária a ponto de faltarem móveis e utensílios domésticos básicos. Com as contas bloqueadas no Brasil e impedido de atuar nas redes sociais, ele conta que passa dificuldades, sobrevive de pequenas doações de amigos e algumas assinaturas remanescentes de seu canal. “Não tenho mais nada”, afirma. “Imagina como se sente um pai que não consegue transferir um dinheiro para a esposa poder comprar um remédio para a epilepsia da filha”, ressalta, com a voz embargada. Na sequência, já em outro tom, dispara contra seu desafeto predileto: “Me sinto absolutamente impotente diante de um tirano, um delinquente que está ocupando a Suprema Corte para destruir a vida de um pai de família”. Ele não cita o nome do alvo — e nem precisa.
Há nove meses, Allan teve a prisão decretada pelo ministro Alexandre de Moraes, relator do inquérito que investiga a difusão de fake news e os chamados atos antidemocráticos. O blogueiro é acusado de crimes como lavagem de dinheiro, organização criminosa, calúnia, injúria e difamação. Em seu canal, ele publicava vídeos que difundiam informações falsas, propagavam ataques a instituições e aos juízes do Supremo, além de baixarias e xingamentos contra autoridades — o que, também é importante ressaltar, está longe de ser o trabalho de um jornalista profissional. A decisão de Moraes, no entanto, ainda não surtiu nenhum efeito prático. Antes de atender ao pedido, o Departamento de Justiça dos Estados Unidos precisa concluir uma série de procedimentos burocráticos, que incluem, por exemplo, averiguar se o processo brasileiro transcorreu dentro da lei, se os delitos atribuídos ao blogueiro integram as regras de cooperação entre os dois países e se o caso é realmente passível de extradição. O ministro requereu também a inclusão do nome de Allan na lista de pessoas procuradas pela Interpol, procedimento que costuma ser rápido. Passados mais de 240 dias do pedido, isso ainda não aconteceu.
Enquanto não responde aos delitos praticados no Brasil, Allan permanece ativo no bolsonarismo. No mês passado, o blogueiro participou de uma motociata na Flórida, junto com Jair Bolsonaro e o ministro da Justiça, Anderson Torres. Em vídeo publicado em sua rede social, ele aproveitou a manifestação para provocar o ministro do STF: “O Xandão não queria que eu participasse de motociata no Brasil e o que Deus faz? Traz uma motociata para cá”, disse. Depois, desafiou o magistrado: “Você vai derrubar a minha conta, eu vou criar 10 000. Não vão me calar, não”.
Em paralelo ao seu ativismo, Allan já se prepara para esticar sua permanência no exterior. Ele confidenciou a um amigo que pediu asilo político aos Estados Unidos. De fato, sua situação é bastante complexa. Se voltar ao Brasil, será preso. Se permanecer muito tempo em solo americano com visto de turista, pode a qualquer momento ser considerado um imigrante ilegal, detido e deportado. Sem muitas alternativas, o ex-seminarista diz que reza todas as noites em busca de uma solução, enquanto, durante o dia, mantém a rotina de driblar a lei, elogiar figuras controversas e distribuir ofensas a desafetos.
“Estou no exílio, na m…rda!”
Como tem sido a vida nos Estados Unidos? Não está tudo bem. Estou no exílio, na m…rda! Minha filha está se recuperando de uma meningite encefálica. Ela saiu da UTI e agora está fazendo tratamento de fisioterapia, fonoaudiologia, todo tipo de tratamento. Ela não anda, não come, não ingere líquido. E eu não posso sequer ajudá-la.
Não pode porque está se escondendo? Como assim? Qualquer pessoa sabe onde eu estou. Estou em Orlando, na Flórida. Eu gravei um vídeo da entrada da Disney. Qualquer pessoa vê. Qualquer pessoa que for ao mercado do Seabra vai almoçar comigo, sentada do meu lado.
Qual é a sua rotina no exterior? Tento sobreviver. Me foi tomado tudo de modo ilegal, inconstitucional e abusivo. A minha empresa, minha conta privada, a conta da minha empresa, toda a minha forma de sustento como jornalista. Estou sendo perseguido. Existe esse inquérito para investigar atos dentro das dependências da Suprema Corte. E eu, sem ter nenhum tipo de foro, estou dentro desse inquérito.
De que maneira isso o afetou? Como ser humano, você imagina como se sente um pai que não consegue, por exemplo, transferir um dinheiro para a esposa poder comprar um remédio para a epilepsia da filha? Tudo porque estou inserido num inquérito absolutamente ilegal. Eu sou jornalista. Me sinto absolutamente impotente diante de um tirano, um delinquente que está ocupando a Suprema Corte para pode destruir a vida de um pai de família que está querendo pagar o tratamento da própria filha.
A quem o senhor está se referindo? O ministro Alexandre de Moraes tem tomado decisões politizadas, e isso é evidente. Não tenho a mínima ideia e nem quero saber das intenções dele, porque isso não vai fazer diferença alguma.
O senhor é acusado de vários crimes. Alguém já viu esse inquérito? Meus advogados não têm acesso ao teor, não sabem por que estou sendo investigado. Também me chama atenção o silêncio da imprensa, que parece mais preocupada com a censura imposta aos jornalistas da Nicarágua. Os juristas também se calaram diante da aberração que é esse inquérito.
De que maneira o senhor se sustenta? Quando estava perto de Washington, tinha uma casa confortável, e estava esperando a minha família. Lá, eu podia fazer as transmissões na minha própria casa, tinha uma boa internet. Depois que o Alexandre de Moraes me tirou tudo, precisei vir para a Flórida. Várias pessoas me ajudaram com doações e assinaturas. Consegui uma casa, mas não tenho sofá, rack, concha de feijão, essas coisas. Não tenho wi-fi para trabalhar e sou obrigado a poupar o pacote de dados do meu celular para conseguir falar com minha esposa e com meus filhos no Brasil. Tenho rezado muito por eles todas as noites.
Qual a relação com o presidente Bolsonaro? Não sei mais o número que ele usa, o telefone que ele usa. Quando estava no Brasil, eu tinha. Aqui não tenho mais. Estou focado em cuidar da minha família.
Publicado em VEJA de 20 de julho de 2022, edição nº 2798