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A união faz a sobrevivência: as estratégias de partidos em busca da salvação eleitoral

Cláusulas de desempenho nas urnas enxugam o quadro das siglas e provocam o fenômeno do agrupamento político

Por Bruno Caniato Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO , Laísa Dall'Agnol Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 8 jun 2025, 08h00

O MDB conversa com o Republicanos para formar uma federação partidária que resultaria na segunda maior força no Congresso, com 88 deputados, e a maior do Senado, com quinze parlamentares. Se vingar, as siglas poderão ainda discutir a incorporação da fusão entre PSDB e Podemos, sacramentada em convenção na quinta-feira 5. Enquanto isso, o PDT conversa com o PSB com igual objetivo, ao mesmo tempo que os socialistas flertam com o Cidadania, que está federado com o PSDB, mas tem divórcio marcado para 2026. A conversa também evolui entre o mesmo PDT, o PRD (herdeiro do PTB) e o Solidariedade, que, por sua vez, entabula diálogo com o PSDB-Podemos. Toda essa dança das letrinhas visa construir casamentos que durarão ao menos quatro anos, mas nem por isso deixam de ser por uma conveniência: garantir maior musculatura e, em alguns casos, a sobrevivência política.

UNIÃO - Marcos Pereira e Baleia Rossi: bancada seria segunda maior da Câmara
UNIÃO - Marcos Pereira e Baleia Rossi: bancada seria segunda maior da Câmara (@marcospereira1010/Instagram)

Os riscos para quem quer continuar levando a vida fora dos acordos do tipo não são pequenos. Levantamento feito por VEJA mostra que o número de partidos e federações com cadeiras na Câmara é hoje o menor desde 1994 — eram 30 em 2018 (veja o quadro). Boa parte desse movimento, que tende a se aprofundar, vem da aplicação das cláusulas de barreira. Elas fixam coeficientes mínimos de desempenho eleitoral e de capilaridade pelo país. Se não atingirem o corte mínimo, os partidos perdem duas coisas fundamentais para o seu futuro: dinheiro do fundo partidário e tempo de rádio e TV. Na eleição de 2022, doze partidos, entre eles Novo, PTB e Solidariedade, não atingiram o mínimo exigido.

O jogo movimentado nos bastidores foi impulsionado pela criação do União Progressista em abril. A federação de União Brasil e PP resultou no maior agrupamento nas duas Casas do Congresso (109 deputados e catorze senadores) e pressionou os demais partidos. A junção, que precisa ser chancelada pela Justiça Eleitoral, deixou ainda nas mãos do grupo um caixa de quase 1 bilhão de reais para a campanha. Mais do que isso, põe o bloco em condição privilegiada para negociar um lugar ao sol numa chapa presidencial. Como o bloco está mais inclinado à direita, pode ser a da oposição a Lula, seja com o ex-presidente Jair Bolsonaro (que hoje está inelegível), seja com alguém apoiado por ele.

arte partidos

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A principal articulação em movimento, porém, tende a se colocar mais ao centro. Os presidentes do MDB, Baleia Rossi, e do Republicanos, Marcos Pereira, já fizeram dois encontros para discutir a federação, o último deles no início de maio. “Esta é a nossa segunda reunião, não por acaso, mas porque compartilhamos propostas importantes para o Brasil e uma visão comum de compromisso com a boa política”, disse Pereira. O objetivo principal é formar uma chapa robusta de deputados para 2026 — hoje cada uma das legendas tem 44 parlamentares na Câmara —, mas o novo tamanho político poderia dar peso para negociar alianças para cargos maiores. Grande parte do MDB sonha em ocupar a vaga de vice na chapa da campanha de reeleição do presidente Lula. O Republicanos tem cargos no governo federal, mas é também o partido de um dos mais cotados postulantes a enfrentar o petista em 2026, o governador paulista Tarcísio de Freitas. Dirigentes envolvidos nas negociações veem como positiva a “pluralidade” interna de cada sigla e avaliam que divergências ideológicas ficarão em segundo plano e não atrapalharão um eventual casamento. A maior dificuldade, por ora, é equacionar as disputas nos estados.

Também mais pelo centro, o combalido PSDB avança com a federação com o Podemos, que traz um pouco de perspectiva a um partido marcado por reveses recentes. A união é classificada por mandatários como estratégica para permitir uma futura negociação, em condições melhores, com MDB e Republicanos — a semelhança programática entre as siglas é considerada um trunfo. “Estamos sempre abertos ao diálogo com partidos que tenham trajetória de compromisso com a estabilidade política do país”, diz um dirigente tucano. Nessa dança pelo centro, também são cobiçados o Solidariedade e o PRD, que devem confirmar a federação na próxima semana.

EXEMPLO - Lançamento do União Progressista: bloco mais poderoso do Congresso
EXEMPLO - Lançamento do União Progressista: bloco mais poderoso do Congresso (./Divulgação)
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Na outra ponta do espectro político, a esquerda também procura juntar forças. O PSB, agora comandado pelo prefeito do Recife, João Campos, já acenou para uma federação com o PT — tentativa semelhante chegou a ser cogitada antes das eleições de 2022, mas não prosperou. Outras alas do partido, sobretudo a paulista, que tem o vice-presidente Geraldo Alckmin e o ministro Márcio França, são reticentes à ideia e querem o PSB como expoente do campo progressista independente do PT. Em outra frente, lideranças do PSB e do PDT no Ceará, onde as siglas estão unidas, pregam a extensão do enlace a nível nacional.

Essa agitada movimentação marca um novo capítulo na acidentada história partidária brasileira. Quando assinou sua carta de renúncia ao trono, em 7 de abril de 1831, dom Pedro I já antecipava a crise sucessória que incendiaria as elites do país. Naquela década, seriam fundadas as duas agremiações que dominariam a política nacional pelo restante do século XIX: o Partido Conservador, defensor de um poder federal forte e centralizado na Coroa, e o Partido Liberal, que pleiteava mais autonomia local para os governos das províncias. Passados quase 200 anos, a ex-colônia portuguesa se tornou uma República presidencialista com nada menos que 29 siglas registradas na Justiça Eleitoral.

FILHOTES - Ato pede legalidade do PCB: após a ditadura, sigla se dividiu em três
FILHOTES - Ato pede legalidade do PCB: após a ditadura, sigla se dividiu em três (Arquivo nacional/.)
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A “sopa de letrinhas”, resultado de sucessivas fundações, extinções, fusões e dissidências partidárias, reflete o turbulento histórico da democracia brasileira ao longo do último século. Praticamente todos os partidos atuais surgiram a partir da década de 1980. O atual PSD, formado em 2011 por Gilberto Kassab, representa a terceira encarnação da sigla e pouco se assemelha ao partido que elegeu Eurico Dutra e Juscelino Kubitschek nos anos 1950. Destino semelhante teve o PTB, fundado por Getúlio Vargas em 1945 — extinto na ditadura militar, foi ressuscitado em 1979 por Ivete Vargas e aparelhado por Roberto Jefferson, presidente de honra da agremiação até a fusão com o Patriota, em 2022, para dar origem ao PRD. O mais próximo de uma legenda centenária no Brasil seria o Partido Comunista Brasileiro, formado em 1922, mas o espólio dele fragmentou-se por ao menos três siglas após a ditadura: PCB, PCdoB e Cidadania (ex-PPS).

Medida criada para tentar colocar um freio a essa fragmentação de legendas (a última versão dela é de 2017), a cláusula de barreira vincula o fundo partidário e o tempo de rádio e TV a rígidos critérios de desempenho nas eleições para a Câmara dos Deputados. Em 2026, para cumprir a regra, a sigla precisará conquistar 2,5% dos votos válidos em todo o território nacional, recebendo pelo menos 1,5% do total em nove estados ou mais, ou eleger um mínimo de treze deputados por nove unidades da federação. “A governabilidade em um Congresso com trinta partidos distintos é praticamente inviável”, diz Ana Claudia Santano, diretora-executiva da Transparência Eleitoral Brasil.

ESQUERDA - Campos: o novo presidente do PSB quer alianças
ESQUERDA - Campos: o novo presidente do PSB quer alianças (Brenno Carvalho/Agência O Globo/.)
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Não existe, a rigor, um número mágico de partidos capaz de garantir representatividade popular, estabilidade democrática e governabilidade. Nos países regidos pelo parlamentarismo, a tendência é que as legendas formem amplas coalizões, já que a falta de coesão entre parlamentares rotineiramente leva governos ao colapso. No sistema presidencialista, a situação varia de nação para nação. Nos Estados Unidos, por exemplo, a lei reconhece mais de cinquenta legendas, mas a dependência quase total do financiamento privado favorece uma hegemonia bipartidária entre Democratas e Republicanos, agremiações que datam do século XIX. No extremo oposto, o Peru, com 34 milhões de habitantes, possui 43 partidos e já contabiliza, ao menos, cinquenta pré-candidatos para as eleições de 2026 — o pluripartidarismo exacerbado, previsto em uma Constituição semipresidencialista que já está em sua 12ª versão, é apontado como uma das causas que tornam o país vizinho essencialmente ingovernável.

No Brasil, a fragmentação partidária também dificulta a governabilidade, principalmente em um Executivo cada vez mais dependente do Congresso. Para aprovar um projeto, o governo Lula, por exemplo, precisa negociar com várias siglas médias, com vinte a cinquenta deputados, o que aumenta a necessidade de concessões, nem sempre republicanas. Até por isso, o petista precisou construir uma coalizão que colocou onze partidos na Esplanada dos Ministérios, inclusive legendas que não o apoiarão em 2026. “O pluripartidarismo precisa ser resultado de organização de ideias. Quando as legendas surgem de acordos entre elites políticas, as negociações deixam de ser sobre ideologia e passam a focar em emendas parlamentares”, afirma Marco Antonio Teixeira, cientista político da FGV-­SP. A diminuição de partidos ou o seu agrupamento em federações é, a priori, uma boa notícia no conturbado quadro político brasileiro, ainda que ela venha sendo construída não por sabedoria política, como deveria, mas pelo desespero da sobrevivência.

Publicado em VEJA de 6 de junho de 2025, edição nº 2947

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