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A sorte está lançada

Bolsonaro conclui time ministerial com presença militar inédita, forte componente ideológico e consegue — por ora — ficar longe do fisiologismo 

Por Roberta Paduan
Atualizado em 7 dez 2018, 07h00 - Publicado em 7 dez 2018, 07h00
(Arte/VEJA)

Ao cumprir suas promessas de campanha de rejeição ao fisiologismo, combate à corrupção, adesão a um programa econômico liberal e apoio a ideias conservadoras, Jair Bolsonaro criou, indiretamente, quatro grupos de poder que dividirão a Esplanada nos próximos anos — e que não necessariamente têm interesses convergentes. Militares, economistas liberais, ideólogos do pensamento de direita e o xerife da Lava-Jato, Sergio Moro, compõem os quatro eixos que disputarão orçamento, espaço e projeção política na nova arena que se formará a partir de 1º de janeiro. Fora do tabuleiro do Executivo, correm em paralelo os filhos de Bolsonaro, que, mesmo sem cargo no governo, têm viajado, discursado e opinado em nome do pai.

Bolsonaro sempre disse preferir generais a políticos no comando do país. É natural, portanto, que, pela primeira vez desde o fim da ditadura, o Palácio do Planalto vá abrigar militares que comungam das mesmas ideias, muitas vezes de inclinações estatistas. Encabeça o grupo o general Augusto Heleno, que goza da confiança não só do presidente eleito, mas também dos principais nomes das Forças Armadas — foi um dos mais próximos conselheiros do general Eduardo Villas Boas, comandante-geral do Exército. Escalado para chefiar o Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Heleno tem trânsito na caserna e na política — e seu papel será fundamental quando o presidente tiver de exercer as moderações mais delicadas, contrapondo os interesses das Forças Armadas aos de outros eixos de poder, como ocorre no caso do tratamento diferenciado requerido por militares na reforma da Previdência — com o qual Heleno está de acordo.

Se o núcleo militar é o mais numeroso — há três generais, um almirante e um bacharel em ciências militares no primeiro escalão, sem contar o vice-­presidente, general Hamilton Mourão —, o eixo econômico-liberal, capitaneado pelo futuro superministro Paulo Guedes, tem a chave do cofre, o que pode ser um obstáculo para empreitadas corporativistas. Alguns sinais de faísca já são visíveis. Guedes é partidário das privatizações e criou uma secretaria apenas para cuidar desse tipo de operação, chefiada pelo empresário Salim Mattar. O eixo militar não é simpático à venda do que considera setores estratégicos, como petróleo e gás. Um primeiro embate ocorreu no período de transição. Da queda de braço sobre a privatização da Petrobras entre Guedes e os militares, a ala verde-oliva saiu ganhando quando ficou acordado que apenas as partes de refino e distribuição da petroleira seriam vendidas. Mas coube ao “Posto Ipiranga” escolher o presidente da empresa: Roberto Castello Branco, que é, assim como Guedes, egresso da Universidade de Chicago, a meca do liberalismo econômico. A escolha desagradou à caserna, que reivindicava o cargo.

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Há sinais de divergências também entre a economia e o núcleo ideológico do governo, composto dos futuros ministros Ricardo Vélez Rodriguez, da Educação, e Ernesto Araújo, de Relações Exteriores, que dizem ter como missão “extirpar o comunismo” do Brasil e foram indicados pelo guru da família Bolsonaro, o ex-astrólogo Olavo de Carvalho. Ao organizar a Secretaria de Comércio Exterior, agora vinculada ao Ministério da Economia, o novo secretário, Marcos Troyjo, colocou debaixo do guarda-­chuva de sua pasta a Agência de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex), antes no Itamaraty. Valeu-se da informação de que, em 164 dos 169 países que possuem órgão similar, ele está subordinado à área econômica, e não à de política externa. Araújo, ferozmente ideológico, torceu o nariz. Guedes tentou contornar a situação, afirmando que a autarquia seria “cogerida” pelas duas áreas. Aparentemente, o desconforto foi pacificado. Mas Guedes tem dito que o papel do Itamaraty deve estar restrito a questões de geopolítica e acordos bilaterais, dando a entender que ímpetos econômicos da pasta deverão ser contidos.

Sergio Moro, capitaneando o núcleo anticorrupção, tem se mostrado o mais habilidoso ao lidar com o poder. Além de selar a gestão Bolsonaro com o carimbo Lava-Jato, transferindo ao presidente eleito parte de sua popularidade, tem procurado não entrar em atritos com outros peões do tabuleiro. Para a Secretaria de Segurança Pública, agradou à caserna ao indicar o general Guilherme Theophilo. Evitou indispor-se com a opinião pública ao descartar para a direção da PF o nome de Erika Marena, delegada responsável pelo caso que levou ao suicídio do ex-reitor da UFSC, Luiz Carlos Cancellier. Colocou-a num posto menos visível, encarregada de recuperar ativos e estabelecer cooperação internacional. Chegou a ponto de arriscar seu capital ético ao defender o futuro ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, acusado de embolsar uma grana de caixa dois — e isso aconteceu no mesmo dia em que o STF autorizou que Lorenzoni fosse investigado pela ilicitude. Seu cuidado em evitar conflitos blindou-o contra o risco de fogo amigo na hora de montar sua equipe: escolheu com tranquilidade Rosalvo Franco, ex-superintendente da PF de Curitiba, para chefiar a recém-­criada Secretaria de Operações Policiais Integradas e o delegado Luiz Pontel, seu parceiro no caso Banestado, para comandar a Secretaria Executiva do Ministério da Justiça — passos cruciais em seu plano de transformar a Lava-Jato em um programa estrutural de combate à corrupção no Brasil.

A nova configuração política contraria todo o receituário dos últimos trinta anos de regime democrático. Bolsonaro escolheu seus ministros mirando a homogeneidade ideológica, em vez de acordos partidários — só abriu as portas para receber lideranças políticas depois que o organograma estava quase pronto. Dos seis ministros indicados filiados a legendas, nenhum foi escolhido pelas cúpulas partidárias. O MDB, sigla onipresente em todos os governos democráticos, virou fornecedor de nomes de segundo escalão para a nova gestão. O único ministro do partido na Esplanada é Osmar Terra, contabilizado na cota pessoal de Lorenzoni.

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A mudança na composição do poder, segundo analistas ouvidos por ­VEJA, tem prós e contras. Ao mesmo tempo que é saudável contar com uma base homogênea, que reduz as probabilidades de conflitos ministeriais, há dúvida sobre se essa estratégia terá apoio parlamentar suficiente para pautas mais delicadas, como a reforma da Previdência. Nesse aspecto, os filhos mais velhos de Bolsonaro, todos políticos, não têm ajudado a construir pontes nem com o próprio partido, o PSL. Carlos, o vereador, tem desferido críticas públicas a Julian Lemos (PSL-PB), aliado de seu pai. E Eduardo, o deputado federal, repreende parlamentares da sigla. “Apenas os deputados que estão exercendo mandato têm autonomia para fazer articulações no Congresso”, decretou, no Twitter. O alvo da mensagem era a deputada eleita Joice Hasselmann.

Ao montar seu time, Bolsonaro quis enterrar o presidencialismo de coalizão. Segundo estudo da Fundação Getulio Vargas, só Lula, em seu primeiro mandato, distribuiu cargos a menos partidos do que Bolsonaro. Como se sabe, a composição não lhe rendeu apoio no Legislativo — problema que o PT resolveu criando outro: o mensalão. O que fará Bolsonaro?

Com reportagem de Gabriel Castro

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Publicado em VEJA de 12 de dezembro de 2018, edição nº 2612

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