A rede de negócios por trás da pregação conservadora de Eduardo Bolsonaro
Discursos na conferência em Campinas lançaram suspeitas sobre a segurança das urnas eletrônicas, atacaram ministros do STF e fustigaram a esquerda
Na divisão de tarefas do clã presidencial, a função do deputado federal Eduardo Bolsonaro é cultivar o eleitor conservador. Envolvido em menos polêmica do que seus irmãos Flávio e Carlos Bolsonaro, o Zero Três mantém diálogo frequente com líderes evangélicos, prega contra uma suposta ameaça comunista, defende a família tradicional e é garoto-propaganda do armamentismo. De olho na fidelização de seu público-alvo, Eduardo comandou no último fim de semana, em Campinas (SP), a terceira edição brasileira da Conferência de Ação Política Conservadora (CPAC), evento criado na década de 70 nos Estados Unidos e que ele importou por sugestão de Olavo de Carvalho, guru do bolsonarismo ideológico, falecido no início do ano. Ao contrário de 2019, quando havia euforia no ar em razão da posse de Jair Bolsonaro na Presidência da República, a versão de 2022 da CPAC teve como tônica a preocupação com os rumos da eleição e, principalmente, com a possibilidade de vitória de Lula, que lidera as pesquisas de intenção de voto. A prioridade do encontro, que contou com a participação de 1 000 pessoas, foi organizar uma espécie de contraofensiva.
Em linha com as campanhas à reeleição dos Bolsonaro, o pai presidente e o filho deputado, os discursos na conferência lançaram suspeitas sobre a segurança das urnas eletrônicas, atacaram ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), fustigaram a esquerda e enalteceram a Hungria, que caminha para ser uma autocracia de direita. Palestras foram conduzidas por aliados que tentarão a sorte nas urnas, como a deputada federal Carla Zambelli e o ex-ministro Ricardo Salles. Candidato ao governo de São Paulo, Tarcísio de Freitas, ex-ministro da Infraestrutura, participou de um culto evangélico em pleno palco. “A gente não pode deixar acontecer conosco aquilo que certamente acontece com alguns venezuelanos: olhar na cara do seu filho, passando fome, naquela situação deprimente da Venezuela, e falar ‘olha, lá no passado, quando eu podia fazer alguma coisa, eu não combati o bom combate’”, declarou Eduardo na CPAC, tentando insuflar a tropa. “O recado que tenho para dar para vocês aqui é união. Se nós nos dividirmos, a gente vai ser presa fácil”, acrescentou, tentando evitar defecções e disputas internas.
A atuação política do Zero Três é pública e notória, mas ele também exerce outra atividade, que prefere desenvolver com mais discrição. Num daqueles casos clássicos de encontro do útil com o agradável, Eduardo está ganhando dinheiro com negócios diversos. Um deles é o curso batizado de “Prepara Brasil”, que é ministrado na internet, numa plataforma própria para hospedar o conteúdo, e tem taxa de inscrição de 197 reais. Os alunos têm acesso a vídeos, exercícios e sugestões de leitura e também a um grupo de Telegram em que podem interagir e debater o material ensinado. A meta é anunciada logo na apresentação do curso: vencer a guerra cultural, uma das obsessões de Olavo de Carvalho, e derrotar a esquerda. “Muito bem-vindo ao ‘Prepara Brasil’, um treinamento que a gente fez com todo o carinho para que você possa compreender todas as temáticas importantes deste ano. E venha ao nosso lado entrar em campo nessa batalha cultural. Como a gente já disse, este ano é o mais importante das últimas décadas”, diz Eduardo, encenando ao mesmo tempo os papéis de deputado, empresário e professor.
Até o momento, o curso conta com sete módulos. Os dois primeiros versam sobre as origens do conservadorismo e as noções da “mentalidade revolucionária” associada aos comunistas. Ambas as aulas são ministradas por Eduardo e Rafael Nogueira, que é monarquista e olavista e dá expediente como secretário nacional de Economia Criativa e Diversidade Cultural do governo Bolsonaro. Nos demais módulos, o Zero Três também conta com a companhia de outros professores, como o youtuber conservador Gustavo Gayer, que fala de “doutrinação”, e o ex-procurador de Justiça Rogério Greco, responsável pelo tema “ativismo judicial”. O conteúdo é passado de forma a municiar os inscritos para o debate eleitoral e, assim, ampliar a base de militantes a serviço da reeleição do presidente. “Todas as pessoas que você viu em embates na internet, revertendo uma lacração do esquerdista, conseguiu ganhar essa discussão porque estava preparada”, afirma Eduardo. “E aí está o principal objetivo desse curso: preparar você para os embates sobre aqueles assuntos que são os mais importantes, feminismo, ideologia de gênero, cristianismo, juventude, marxismo cultural, ativismo judicial e educação.”
O debate teórico tem o claro objetivo de reagir às agruras da realidade. Num vídeo, Eduardo afirma que o número de mortes provocadas por governos comunistas nos últimos 100 anos é muito maior do que as causadas, no mesmo período, por desastres naturais ou pandemias. É uma tentativa de resposta aos críticos da atuação do governo Bolsonaro na pandemia de Covid-19, que já matou mais de 669 000 pessoas no Brasil. Ao longo do curso, o deputado faz sugestões de leitura que, se aceitas pelos alunos, podem dar fôlego a outro de seus empreendimentos. Ele também é dono de uma livraria virtual e revende material disponibilizado por uma empresa sediada em Campinas, que reúne obras de vinte editoras e é controlada por ex-alunos de Olavo de Carvalho. A propaganda dos livros é feita por influenciadores e formadores de opinião do universo bolsonarista, que, em troca, recebem comissões sobre as vendas.
A loja do Zero Três tem de tudo um pouco, de político a religião, e comercializa até criações de Chico Buarque, amigo do ex-presidente Lula e, por isso mesmo, desafeto dos aliados do presidente. Os pagamentos pelos produtos podem ser feitos via cartão de crédito, depósito bancário ou boleto.
Na hora dos negócios, não há restrições a qualquer bandeira, inclusive a vermelha. Eduardo usou a mesma plataforma de seu curso de formação para a guerra cultural a fim de vender outro treinamento, a um custo de 397 reais a inscrição: “O Guia Definitivo para Posse de Arma”. As aulas são ministradas na companhia de Marcos Pollon, advogado, fundador do movimento Proarmas e pré-candidato a deputado federal pelo PL, e dão dicas, por exemplo, sobre como contornar dificuldades na hora de lidar com a burocracia para a obtenção de uma arma.
Os pagamentos das taxas de inscrição dos dois cursos organizados por Eduardo Bolsonaro caem na conta da Eduzz Tecnologia, sediada em Sorocaba (SP) e registrada em nome de Eugenio Moura da Costa e da Infinitum Technology, empresa localizada nas Ilhas Virgens Britânicas, da qual o mesmo Costa figura como representante legal. Por meio de assessoria de imprensa, o dono da Eduzz — que já foi réu num processo na Justiça de Minas Gerais, acusado de aplicar golpes por meio do esquema de pirâmide — disse que não conhece o deputado pessoalmente. Ele afirmou ainda que a Eduzz é uma intermediadora de pagamentos como outras companhias do mercado, mas se recusou a informar quanto recebe pelo serviço prestado.
A organização de cursos é parte de um projeto maior do filho do presidente, que quer criar com um amigo, Sérgio Henrique Sant’ana, uma escola conservadora em Brasília. A ideia é que a escola funcione no mesmo endereço do Instituto Conservador-Liberal, do qual Eduardo e Sant’Ana são sócios. O instituto — que segundo seus registros oficiais desenvolve uma ampla lista de atividades, da edição de livros à organização de feiras — foi instalado recentemente numa mansão no Lago Sul, bairro chique de Brasília. A VEJA, Sant’Ana, ex-assessor especial do Ministério da Educação, confirmou que o imóvel foi alugado e está sendo reformado com doações de amigos e empresários. Ele não citou quais. O projeto prevê a construção de um novo salão para receber 100 pessoas e um estúdio para gravação de vídeo. Com 10 000 metros quadrados, o espaço já foi um local badalado de festas na capital, conta com cascatas, estacionamento interno, salão para 450 pessoas, piscina e churrasqueira. Dona do imóvel, Helen Soares disse que o contrato de aluguel foi firmado com o Instituto Conservador-Liberal, mas não quis informar o valor acertado entre as partes. Procurado por VEJA, Eduardo Bolsonaro não se manifestou até o fechamento desta edição. Em 2018, o deputado se tornou recordista nacional de votos para a Câmara. Em 2022, ele tentará renovar o mandato e, se tudo der certo, decolar como empresário no ramo da doutrinação.
Publicado em VEJA de 22 de junho de 2022, edição nº 2794