A médica que diz ‘não’ ao presidente Lula
A infectologista Ana Helena Germoglio acompanha o mandatário em todas as agendas, dentro e fora do país, desde janeiro de 2023
Familiares da médica Ana Helena Germoglio definiram uma estratégia para monitorar a rotina da infectologista: se alguém não sabe o paradeiro dela, basta consultar a agenda do presidente Lula. Onde ele estiver, a infectologista também estará.
Tem sido assim desde janeiro de 2023, quando Ana Helena foi apresentada a Lula como a sua médica oficial e, no mesmo dia, embarcou rumo a Santos para acompanhar a ida do presidente ao velório do ex-jogador Pelé. Desde então, foram incontáveis viagens nacionais e internacionais acompanhando o presidente – sempre com duas maletas de pronto-atendimento a tiracolo.
Até hoje, a doutora Ana compareceu a todas missões oficiais, e até mesmo nos dias de folga do petista, em geral na Restinga de Marabaia, no Rio, ela está lá. Nessas circunstâncias, além da primeira-dama Janja, costuma estar apenas o staff mais próximo e relativo à segurança da família presidencial.
No último dia 19, após passar por seis cidades nos dez dias anteriores, a médica chegou a Brasília no meio da tarde. Entrou em casa, conversou um pouco com os seus filhos e logo o telefone tocou: o presidente havia se acidentado e seria encaminhado a um hospital. Imediatamente, ela entrou no carro e dirigiu até o local – chegou antes mesmo que Lula, após uma jornada acelerada.
Foi ela quem ligou para o cardiologista Roberto Kalil, que cuida do presidente há três décadas, para contar o ocorrido. Morador de São Paulo, ele chegou à capital no dia seguinte.
Viagens canceladas
Também cabe à infectologista fazer recomendações que nem sempre são as que Lula quer ouvir. A principal delas é a de cancelar viagens, normalmente programadas com antecedência e desmarcadas de última hora.
O presidente teve de cancelar três missões em decorrência de questões de saúde. A primeira delas foi a ida à China, programada para março de 2023, que acabou adiada na véspera em decorrência de pneumonia e infecção do vírus Influenza A. Mais recentemente, ele não pôde ir à Cúpula do Brics, na Rússia, e também já foi anunciado que ele não vai mais à Colômbia, para a COP-16, na próxima semana, por causa do acidente doméstico.
Firme, a doutora Ana Helena vai direto ao ponto. “Chefe, eu entendo que vai ter muita repercussão, mas eu não posso não dar a minha opinião técnica”, já afirmou a médica ao presidente. No caso da contaminação por Influenza A, também pesava o fato de o vírus ser transmissível, e, por isso, é contraindicado o contato com outras pessoas.
Sabendo que pode desagradar, ela mesma faz brincadeira com a situação: “Daqui a pouco o senhor vai me exonerar”, diz a ele, aos risos. Lula, definido pelo médico Roberto Kalil como um “paciente obediente”, em todas as circunstâncias acatou as orientações. Sem nenhum sinal de descontentamento com a médica – justamente o contrário disso -, o presidente a agraciou com a Ordem Rio Branco, uma condecoração feita aos bons serviços prestados.
Presença constante
É praxe que todos os presidentes da República tenham um médico sempre à disposição, independentemente do horário e do dia da semana. Os profissionais, em geral, só não estão ao lado do chefe de Estado nas horas de descanso no Palácio da Alvorada, a residência oficial, que conta com uma ambulância e uma equipe de brigadistas.
A infectologista Ana Helena assumiu a função, inclusive, após a indicação do ortopedista Cléber Ferreira, o médico de Lula em seus mandatos anteriores. À época, ela atuava em um hospital público de Brasília e também fazia atendimentos na rede privada.
Durante a Covid-19, coube à médica atender a primeira paciente de Brasília a se infectar e evoluir a um quadro grave. Por uma ironia do destino, ela já estava deixando o Hospital Regional da Asa Norte quando foi anunciado que precisariam de uma infectologista – a doutora Ana Helena era a única com a especialidade naquele momento.
Ela voltou, então, e assumiu o tratamento, que contou com quatro meses de internação na UTI, mas a paciente saiu bem. Durante a pandemia, a médica passou a ser referência em entrevistas para elucidar as incertezas causadas pelo novo vírus.
Discreta, sem nenhuma vinculação partidária e avessa a falar sobre a vida do seu ilustre paciente, Ana Helena limita-se a dizer que, na função de médica presidencial, tem o privilégio de conhecer os mais diversos lugares do país e do mundo, dos mais ricos aos mais pobres – e que o ritmo acelerado de Lula, como ele próprio já contou, por vezes é um desafio físico para a sua equipe.
Católica, o ponto alto até aqui foi um encontro com o papa Francisco em junho de 2023. “ Tem coisas que a gente vivencia que nem tendo todo o dinheiro do mundo inteiro seria possível vivenciar”, afirma.