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A estratégia do governo e da oposição para transformar a CPI do INSS em palanque eleitoral

De olho na eleição de 2026, um grupo fará de tudo para responsabilizar o outro

Por Marcela Mattos Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 20 jun 2025, 16h05 - Publicado em 20 jun 2025, 06h00

Responsável por pagar aposentadorias, pensões e uma série de benefícios assistenciais, o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) tem um alcance gigantesco. Estima-se que atenda a 40 milhões de pessoas, o equivalente a 20% da população brasileira, sendo que a maioria dos assistidos tem os valores recebidos como a sua principal fonte de renda. Somente para a Previdência Social, o governo reservou 1 trilhão de reais no Orçamento de 2025, montante que cresce ano após ano e que, de tão mal gerido, tornou-se alvo fácil de criminosos. A última rapinagem atingiu em cheio a popularidade do presidente Lula. No fim de abril, uma operação da Polícia Federal (PF) e da Controladoria-Geral da União (CGU) revelou um esquema que surrupiava todos os meses uma parcela das remunerações dos segurados. Ao menos 9 milhões de pessoas tiveram algum desconto feito por entidades associativas, das quais mais de um terço já disse não ter autorizado o débito. Segundo projeções iniciais, o esquema desviou dos aposentados algo entre 2 e 3 bilhões de reais nos últimos oito anos.

MEIO-CAMPO - Motta: presidente da Câmara quer relator independente
MEIO-CAMPO – Motta: presidente da Câmara quer relator independente (Pedro Ladeira/Folhapress/.)

É uma fraude monumental, que requer investigação séria e respostas urgentes, mas que corre o risco de se transformar num barulhento — e infrutífero — palanque eleitoral. Na última terça-feira, 17, o presidente do Congresso, senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), formalizou a criação de uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) para investigar a fraude nas aposentadorias. Formado por deputados e senadores, o colegiado tem autonomia para pedir quebra de sigilos telefônicos, fiscais e bancários, convocar depoentes e interrogar suspeitos de envolvimento no esquema. Há, portanto, instrumentos de sobra para que os parlamentares passem o caso a limpo e apurem responsabilidades. O problema é que recentemente também há exemplos e mais exemplos de como os congressistas usaram iniciativas do tipo para a autopromoção e a tentativa de desgastar os adversários, esvaziando as apurações e desmoralizando as próprias CPIs. A possibilidade de que isso ocorra no caso do INSS, que virou motivo de cabo de guerra nas redes sociais, não pode ser desconsiderada.

EXPERIÊNCIA - Aziz: o preferido do governo para presidir os trabalhos
EXPERIÊNCIA - Aziz: o preferido do governo para presidir os trabalhos (Pedro Ladeira/Folhapress/.)
VOO SOLO - Coronel Fernanda: “responsabilidades, doa a quem doer”
VOO SOLO - Coronel Fernanda: “responsabilidades, doa a quem doer” (Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados)
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Como o Parlamento ficará esvaziado em razão das festas juninas e do recesso legislativo, a CPI só deve começar no segundo semestre e terá duração de, no máximo, seis meses, podendo entrar no ano eleitoral de 2026. Esse calendário e o forte apelo popular do tema têm acirrado os ânimos de governistas e oposicionistas. Articuladores políticos de Lula tentaram barrar a iniciativa alegando que a PF e a CGU, que têm mais expertise em investigações, já esquadrinham o esquema. De início, a argumentação sensibilizou o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), que se recusou a criar o colegiado sob o argumento de que havia outras comissões na fila. Parlamentares de oposição, então, resolveram tentar uma CPI reunindo representantes das duas Casas. Com ampla adesão do Centrão, que controla onze ministérios na gestão petista, foram angariadas assinaturas de 223 deputados e de 36 senadores. Considerado um aliado estratégico por Lula, Alcolumbre ainda segurou por mais de um mês a instalação do colegiado, mas acabou cedendo à pressão oposicionista.

OPOSIÇÃO - Sóstenes: o líder oposicionista ressalta que o governo sabia e nada fez para impedir o golpe contra os idosos
OPOSIÇÃO - Sóstenes: o líder oposicionista ressalta que o governo sabia e nada fez para impedir o golpe contra os idosos (Kayo Magalhães/Câmara dos Deputados)

Se sair mesmo do papel, a comissão de inquérito deve protagonizar um jogo de empurra sobre quem é o culpado pelo roubo das aposentadorias e também dar palanque aos seus participantes. Antes reticentes à comissão, interlocutores do governo Lula repetem o mantra de que a farra não teve início na gestão atual, mas foi estancada por ela. Para embasar a tese, o chefe da CGU, ministro Vinicius de Carvalho, tem municiado governistas com dados que apontam que a sangria nas aposentadorias teve início em 2017, na gestão de Michel Temer, e que as entidades criadas no mandato de Jair Bolsonaro tiveram papel de destaque nos descontos recentes. Além disso, espalha-se entre os petistas que “tem muita gente importante para aparecer” envolvida no esquema, inclusive deputados e senadores. É uma tentativa de convencer os congressistas a deixar a apuração de lado, já que ela pode resultar em prejuízos amplos, gerais e irrestritos. Já há no STF um inquérito para apurar os descontos irregulares no INSS, o que indica uma investigação sobre uma pessoa com foro privilegiado. “Nós vamos jogar com o time principal, não com o reserva. A gente quer mostrar quem foi que roubou, e que não foi o nosso governo”, afirma o senador Randolfe Rodrigues (PT-AP), líder do governo no Congresso, cotado para integrar a comissão.

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NA MIRA - Frei Chico: o irmão do presidente Lula é um dos alvos
NA MIRA - Frei Chico: o irmão do presidente Lula é um dos alvos (@jmarcelosouza/Instagram)

Por enquanto, a tendência é que o colegiado fique com o senador Omar Aziz (PSD-AM), que é aliado do governo e comandou a CPI da Pandemia, em 2021, quando travou uma briga ferrenha com Bolsonaro e expôs a resistência da equipe do capitão em adquirir vacinas contra a covid-19. Naquela ocasião, a comissão desgastou o ex-presidente, mas suas sugestões de providência foram arquivadas pela Procuradoria-Geral da República. O precedente, infrutífero apenas no campo jurídico, não desanimou Aziz, que aposta na volta aos holofotes para impulsionar a sua pré-candidatura ao governo do Amazonas. Do outro lado da trincheira, aliados de Bolsonaro vão se empenhar em jogar os desmandos no colo do governo Lula. Apesar de os descontos também terem acontecido durante outras gestões, eles dispararam nos últimos três anos. O valor arrecadado pelas entidades passou de 702 milhões de reais em 2022 para 2,5 bilhões de reais em 2024. Além disso, as maiores arrecadações com descontos associativos de aposentados e pensionistas foram obtidas por entidades ligadas ao PT. Só a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), aliada histórica dos petistas, amealhou 2 bilhões de reais em mensalidades entre 2019 e 2024, sendo que ainda não se sabe quanto foi autorizado e quanto ocorreu de maneira irregular.

GOVERNO - Randolfe: o líder da bancada governista vai insistir que os desvios começaram no governo Bolsonaro
GOVERNO - Randolfe: o líder da bancada governista vai insistir que os desvios começaram no governo Bolsonaro (Andressa Anholete/Agência Senado)
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Outro caso notório é o do Sindicato Nacional dos Aposentados, Pensionistas e Idosos (Sindnapi), cujo vice-presidente é José Ferreira da Silva, o irmão de Lula conhecido como Frei Chico. A entidade chamou a atenção das investigações porque seu faturamento saltou de 17 milhões de reais em 2019 para 90 milhões de reais em 2023. “Os governistas estão desesperados porque tudo leva a eles. Por isso essa CPMI tem que ser apurada com responsabilidade, doa a quem doer”, afirma a deputada Coronel Fernanda (PL-MT), que, junto com a senadora Damares Alves (Republicanos-DF), foi autora do pedido de investigação. Liderada por Sóstenes Cavalcante, a bancada do PL reivindica a relatoria na CPMI, função que garante a prerrogativa de dar um parecer final sobre os trabalhos. No entanto, o presidente da Câmara, a quem cabe a indicação, já sinalizou que prefere um nome de centro e que fuja dos extremos da polarização. Numa tentativa de jogar em casa, parlamentares da legenda de Bolsonaro querem colocar na comissão políticos com maior engajamento nas redes sociais, com o objetivo de ampliar o público que vai acompanhar o embate. Entre os cotados, o deputado Nikolas Ferreira (PL-MG) já avisou que quer uma das cadeiras.

DEMITIDO - Lupi: o ex-ministro será convocado a explicar fraudes
DEMITIDO - Lupi: o ex-ministro será convocado a explicar fraudes (Lula Marques/Agência Brasil)

Desde o início das investigações, Lula demitiu Carlos Lupi do Ministério da Previdência, trocou o comando do INSS e afastou servidores suspeitos de integrar o esquema criminoso. Ele também tem prometido ressarcir aposentados e pensionistas, o que ainda não ocorreu. Enquanto o reembolso não chega, a imagem do presidente derrete. Pesquisa Datafolha mostrou que para 38% dos brasileiros a resposta do governo à crise foi ruim ou péssima. Além disso, 50% dos entrevistados acreditam que a gestão petista tem muita responsabilidade pelas fraudes no INSS. No caso de Bolsonaro, esse patamar é só um pouco menor: 41%. De olho na eleição de 2026, um grupo fará de tudo para responsabilizar o outro. O risco é de que, em meio ao tiroteio, o que realmente importa seja deixado de lado: identificar os responsáveis pelo roubo e aprovar medidas que fechem brechas para os desvios. Lesados por criminosos, aposentados e pensionistas não merecem ser prejudicados de novo — agora, por um embate eleitoreiro que interessa apenas aos políticos envolvidos.

Publicado em VEJA de 20 de junho de 2025, edição nº 2949

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