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A esquerda também busca uma boquinha das verbas oficiais

O Planalto tem lançado mão de um agrado mais comum do que se imagina para conquistar o apoio de parlamentares de oposição

Por Thiago Bronzatto Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 13h52 - Publicado em 11 dez 2020, 06h00

Em setembro passado, o deputado federal Carlos Zarattini (PT-SP) ligou para o ministro da Secretaria de Governo (Segov), general Luiz Eduardo Ramos, para pedir uma ajuda. Os dois se conheciam desde a época em que o general esteve à frente do Comando Militar do Sudeste. O petista perguntou ao ministro se ele podia interferir para destravar a liberação de uma verba que seria usada na construção de um campo de futebol em São Paulo. Responsável pela articulação política, Ramos, de pronto, se comprometeu a encaminhar a demanda, especialmente depois de consultar suas planilhas e constatar que o petista, apesar do discurso, não estava entre aqueles parlamentares que faziam oposição cega ao governo. Três meses antes, por exemplo, Zarattini foi o único integrante de seu partido a votar a favor do Novo Código Brasileiro de Trânsito, projeto classificado como prioritário pelo presidente da República. O velho e conhecido “toma lá dá cá” foi, nesse caso, ajustado para “dá cá toma lá” — um agrado mais comum do que se imagina que o Planalto tem lançado mão para conquistar o apoio de parlamentares de oposição.

Trata-se de uma estratégia articulada a partir de uma constatação. Em 2019, a Segov fez um levantamento de todos os cargos de livre nomeação no governo e nas empresas estatais. Descobriu, com números e detalhes, o que todo mundo sabia: a grande maioria deles era ocupada por pessoas indicadas por políticos, inclusive os de oposição. Os padrinhos, aos poucos, foram sendo convidados para conversar, ao mesmo tempo que foi criado um índice para aferir a fidelidade de cada partido, senador e deputado. A regra é clara: os parceiros ficam no início da fila na hora de ocupar cargos e receber verbas. Entre as legendas consideradas alinhadas, ou seja, aquelas que, segundo o governo, em mais de 80% das vezes são favoráveis aos interesses do presidente, estão os integrantes do chamado Centrão (bloco formado por siglas como PL, PP, PSC, PTB e Republicanos) e também o MDB e o DEM, que se declaram independentes, mas que, superfiéis, foram contemplados com postos importantes na administração. Os oposicionistas — PT, PDT, PSB, PCdoB, entre outros —, em tese, estariam excluídos dessa parceria. Na prática, não estão.

DIÁLOGO - O petista Zarattini: pedido para liberar verba para campo de futebol -
DIÁLOGO – O petista Zarattini: pedido para liberar verba para campo de futebol – (Marcos Oliveira/Agência Senado)

Ao procurar o governo, Carlos Zarattini estava empenhado em conseguir recursos para uma obra que vai beneficiar seus eleitores de São Paulo. Em princípio, não há nada de errado nisso, e o petista obviamente não é um caso isolado. O deputado Eduardo Bismarck (PDT-CE), ligado ao presidenciável Ciro Gomes, costuma se alinhar com a maioria das pautas econômicas propostas pelo Planalto e, sempre que precisa, também não hesita em buscar apoio para seus projetos. “Preciso de portas abertas no governo para dialogar. Não posso não ser recebido por questões ideológicas. Alguns ministros têm dificuldades em receber políticos de oposição”, afirma o parlamentar, que já pediu — e conseguiu — ajuda federal para instalar leitos de UTI no Ceará durante a crise do coronavírus e liberar recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação para uma prefeitura do seu estado.

Na contabilidade oficial, o PDT de Ciro Gomes tem uma taxa de fidelidade abaixo de 35%. Individualmente, porém, alguns integrantes do partido estão em outro patamar. O deputado Alex Santana, por exemplo, não esconde a afinidade com o governo. Evangélico, ele já acompanhou o presidente da República na inauguração de uma obra no interior da Bahia e fez a função de interlocutor entre o governo e outros pedetistas que não se sentem completamente à vontade em fazer oposição. “Entendo que o PDT quer ser protagonista da oposição e está fazendo o papel dele. Algumas coisas, porém, precisam ser administradas”, diz o parlamentar, dono de uma taxa de fidelidade de 78% e beneficiário de 15 milhões de reais de verbas públicas, incluindo as emendas obrigatórias. É o mesmo discurso do deputado Flávio Nogueira (PDT-PI). Sustentando uma taxa de adesão de 90%, o parlamentar esteve no mês passado com o agora ex-ministro do Turismo Marcelo Álvaro Antônio para pedir que os recursos de sua emenda sejam destravados pela pasta. O encontro não foi registrado na agenda oficial, a verba ainda não foi liberada, mas o parlamentar gostou do que ouviu.

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arte fidelidade partidos

Essa aproximação dos pedetistas, mesmo silenciosa, tem preocupado a cúpula partidária. “Se o governo Bolsonaro vai estar de um lado, estaremos do outro. Quem não ficar com o partido não tem o que fazer aqui”, ameaça Carlos Lupi, presidente do PDT. O PSB enfrenta o mesmo dilema. O deputado Jefferson Campos está em processo de saída da sigla. “Tenho votado no que acredito ser o melhor para o país”, explica o parlamentar, que tem uma adesão de 82% às pautas governistas. O presidente do PSB, Carlos Siqueira, diz que a defecção de seus integrantes será resolvida com a saída dos que estão alinhados com o Planalto: “Esses parlamentares têm divergências conosco e vão tomar outro rumo”. Já a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, não quis se pronunciar — nem precisará. O deputado Zarattini jura que jamais pisaria no Planalto, principalmente para pedir alguma coisa ao governo. Verdade. Foi tudo resolvido pelo telefone mesmo.

Colaborou Nonato Viegas

Publicado em VEJA de 16 de dezembro de 2020, edição nº 2717

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