A Batalha da Maria Antônia 50 anos depois: como votam USP e Mackenzie
Integrantes do diretório acadêmico da instituição presbiteriana mudaram de lado; hoje apoiam a esquerda e atuam junto ao DCE da Universidade de São Paulo
Quem passa pela arborizada Rua Maria Antônia, na região central da cidade de São Paulo, um dos locais com o metro quadrado imobiliário mais valorizado da capital e cheio de bares sempre lotados, dificilmente consegue imaginar que aquela pequena via foi palco de uma batalha estudantil entre universitários da USP e do Mackenzie, que terminou na morte do estudante secundarista José Guimarães, atingido por um tiro quando passava pelo local, marcando para sempre a história daquele quarteirão.
O ano era 1968, auge da ditadura militar: de um lado os alunos da USP eram ligados à esquerda e liderados pelo então presidente da União Estadual dos Estudantes, José Dirceu. Eles se reuniam no prédio da instituição, que abrigava a faculdade de filosofia na época. Do outro lado da rua, representando a direita conservadora, os alunos do Mackenzie se misturavam a policiais civis e militares infiltrados na instituição.
A batalha entre os pólos de direita e de esquerda chegou ao ápice no dia em que alunos da USP decidiram fazer um pedágio na rua para arrecadar dinheiro, impedindo o acesso ao Mackenzie. Os estudantes da instituição presbiteriana se sentiram incomodados, e a disputa começou: xingamentos, arremesso de ovos, pedras, pedaços de madeira (a universidade estava em obras). Até coquetel molotov entrou em cena, incendiando o prédio da USP.
Cinquenta anos depois da disputa conhecida como Batalha da Maria Antônia, a Faculdade de Filosofia, Letras, Historia e Ciências Sociais da USP (FFLCH) não funciona mais no antigo prédio, que, após o incêndio, realocou os alunos provisoriamente na Cidade Universitária, onde permanecem até hoje. O antigo prédio virou um centro cultural e de memórias da USP. Do outro lado da rua, o Mackenzie continua firme e forte com sua tradição, ocupando praticamente o quarteirão inteiro.
Mas muita coisa mudou nessas cinco décadas pós-batalha. Apesar de o Mackenzie ainda ser considerado uma instituição conservadora, os alunos do Diretório Central dos Estudantes (DCE) e do Centro Acadêmico de Direito (CA), recém-eleitos, já não pensam como os estudantes de meio século atrás e hoje são, em sua maioria, ligados a partidos de esquerda, algo impensável no auge da batalha. Além disso, os diretórios acadêmicos da USP e Mackenzie atuam em parceria e já pensam nas atividades conjuntas em memória da batalha de 1968.
“Não podemos falar pela universidade inteira, porque a maioria dos alunos não participa dos movimentos estudantis nem sabe o que está acontecendo. Mas, entre os que se envolvem e participam, posso dizer que cerca de 70% são de esquerda e 30% de direita”, afirmou Fabrizzio Moreira Batista de Carvalho, de 22 anos, aluno do sétimo semestre do curso de direito do Mackenzie e vice-presidente do DCE. Em 1968, a universidade era essencialmente de direita e lá havia um grupo do CCC (Comando de Caça aos Comunistas), parte decisiva para o confronto que aconteceu no dia 2 de outubro.
Fabrizzio explica que, politicamente, os centros acadêmicos estão mais alinhados à esquerda, mas diz que a “poeira da rivalidade entre USP e Mackenzie” ainda não baixou totalmente. “Esse espírito da batalha, essa mágoa entre as duas instituições, não morreu. Parece que está no ar, e vai permanecer por muito tempo ainda, mesmo com a mudança ideológica dos estudantes”, avalia ele, que declara voto nas eleições de 2018 para o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), preso desde o mês passado, condenado na Operação Lava Jato. Caso Lula não possa se candidatar, Fabrizzio votará na candidata Manuela D’Ávila, do PCdoB. “Não vejo nenhum impeditivo nela. Se não tivermos Lula, quero ser representado por uma mulher.”
A estudante Gabriela Macedo Pereira de Souza, de 21 anos, aluna do quarto ano do curso de filosofia da USP e membro do DCE da universidade, também sente essa “poeira no ar” quando lembra da batalha estudantil. “Gostaria muito que a faculdade de filosofia voltasse para o prédio da Maria Antônia, seria uma emoção muito grande estudar num prédio tão simbólico. Não acredito que nos dias de hoje haveria outra batalha nos mesmos moldes, mas o ranço entre os estudantes continua. Acho que nunca vai passar”, afirma ela, que se declara petista e eleitora do ex-presidente Lula.
“Não tenho dúvidas de que o Lula é inocente e que vai provar sua inocência a tempo de disputar as eleições de outubro”, afirma ela, que não sabe o que irá fazer, caso esse cenário político não se concretize. “A gente não consegue nem tentar imaginar eleição sem o Lula. Já estou me preparando para fazer campanha para ele e ir para Brasília assistir à cerimônia de posse. O nome possível do PT para a eleição de 2018 é Lula. Não existe outro candidato”, diz.
Outros estudantes da FFLCH seguem a mesma linha de raciocínio político. Alexandre Pupo, de 25 anos, matriculado no curso de ciências sociais, Daniel Freitas Porto, de 20 anos, estudante de história, e David Paraguai Molinari, de 20 anos, também aluno de sociais, declararam que pretendem votar em Lula nas eleições de outubro. “Se ele for impedido de ser candidato nestas eleições, meu candidato continua sendo o Lula. Se não for Lula, é Lula de novo”, insiste Pupo, que é filho de um médico e uma fisioterapeuta e se declara “de esquerda moderada”.
As opiniões dos alunos da USP soam como uma mesma música. “Meu candidato é o Lula, mesmo nesse momento pós-golpe que estamos vivendo. Estando ou não nas cédulas, é o Lula que vai ganhar as eleições”, diz Daniel. A opinião é corroborada pelo colega David — que até se filiou ao Partido dos Trabalhadores. “Estamos em campanha pelo Lula, que tem 32% das intenções de voto mesmo estando preso e sendo vítima de um golpe.”
Esquerda dividida
Já no Mackenzie, embora a maioria dos estudantes ouvidos por VEJA afirme ser de esquerda, os votos estão mais polarizados: passam por Lula (PT), Ciro Gomes (PDT), Manuela D’Ávila (PCdoB) e até há quem cogite Guilherme Boulos (PSOL). Não há uma unanimidade de partido. Gabriela Cardoso, de 22 anos, presidente do DCE da universidade, diz ser “totalmente de esquerda” e afirma que vai votar na candidata Manuela D’Ávila por causa das suas propostas sociais. Ela lembra algo histórico: “Há cinquenta anos, os alunos da USP eram liderados pela UEE na batalha da Maria Antônia. A atual presidente da UEE discursou na nossa posse, legitimando a importância do nosso diretório estudantil.”
Matriculado no curso de economia, Wesley França Ferreira, de 21 anos, diz ser de “centro-esquerda” e que vai votar em quem o PT indicar. “Estou onde estou graças aos programas sociais do PT”, diz, referindo-se à bolsa integral de estudos que conseguiu via ProUni.
Já os alunos de direito Antônio Claudio Cazarine Filho, de 19 anos, e Gabriela Carvalho, de 22, apostam em Ciro Gomes (PDT). “Ele é um candidato com experiência política e foi muito elogiado enquanto governador do Ceará. É um político capaz de levar o Brasil para a frente”, diz Gabriela.
Há ainda alunos de direita. Leonardo Bitencourt, de 21 anos, do sexto semestre do curso de direito, afirma que seu voto será do deputado federal Jair Bolsonaro (PSL), ex-militar ultraconservador que lidera as pesquisas eleitorais num cenário sem Lula, com até 19% das intenções de voto. “Sou conservador, mas tenho ideias liberais, principalmente na área da economia, e acredito no que defende o Bolsonaro, como redução de impostos e redução da intervenção do Estado na economia”, afirmou.
O manauara João Pedro Sabba, de 20 anos, do quarto semestre do curso de direito, aposta no pré-candidato João Amoêdo, do partido Novo. Ele defende privatização total das estatais e redução para dez do número de ministérios. Amoêdo, no entanto, aparece com apenas 1% das intenções de voto, segundo as pesquisas mais recentes. Filho de procurador de Justiça e advogada, João Pedro diz que sempre foi politizado. “Sou libertário. Meu voto era do Joaquim Barbosa, mas como ele desistiu de disputar, o Amoêdo é quem tem as melhores propostas.”