‘Tenho conversado com várias lideranças’, diz Marina Silva sobre possível mudança de partido
A ministra do Meio Ambiente fala sobre desavenças com a Rede e conta como luta para evitar o fiasco na organização da COP30

Poucos quadros na política parecem ter sido tão talhados para ocupar o ministério do Meio Ambiente quanto Marina Silva, 67 anos. Nascida em um seringal de Rio Branco, no Acre, ela lançou-se na arena eleitoral pelas mãos de Chico Mendes, até conquistar notoriedade dentro e fora do país. Em sua segunda passagem pela pasta, que também assumiu no primeiro governo Lula, Marina tem esbarrado com obstáculos, os quais trata com aparente serenidade. Após apoiadores frisarem que o Brasil havia regressado à agenda climática, durante a Conferência da ONU, em 2022, o Congresso Nacional afrouxou as regras do licenciamento ambiental, o presidente Lula passou a defender a exploração de petróleo na Margem Equatorial e, agora, a organização da COP30, em Belém, se vê envolta em uma crise com o preço das hospedagens. Nesta entrevista, concedida em seu gabinete, em Brasília, a ministra, que por três vezes tentou a Presidência, fala desses temas e aborda com sinceridade seu futuro político em meio a disputas internas na Rede Sustentabilidade, partido que ajudou a fundar.
Após tantas crises, a senhora planeja deixar a Rede Sustentabilidade, partido que ajudou a fundar? Essa é uma decisão que, se vier, será tomada no tempo certo. Neste momento, estou focada na reeleição do presidente Lula e em ajudar São Paulo a ter a melhor alternativa possível. Fundei a Rede para ser uma sigla diferente, com estatuto inovador, sem presidente. Infelizmente, as discordâncias internas se agravaram e chegaram à Justiça.
Qual a origem dos desentendimentos com a ala da presidente da sigla, Heloísa Helena, contra quem seu grupo moveu ações sobre fraude eleitoral e gastos públicos indevidos, entre outras irregularidades? Eles começaram lá atrás, em 2018, quando fui contra a fusão com o Cidadania, que acabou não saindo. As diferenças de visão entre nós ficaram bem evidentes ali. Agora, é preciso deixar claro: não encaro questões dessa natureza como algo pessoal.
A senhora recebeu convite para voltar ao PSB? O prefeito de Recife, João Campos, me fez uma visita quando foi eleito presidente do partido, há três meses. Era um gesto de amizade, pelo fato de eu ter sido vice do pai dele, em 2014. Nesse encontro, alguém perguntou como andavam as coisas na Rede e respondi que estávamos trabalhando para superar as divergências. “Confesso que não estou torcendo para isso”, falou um dos presentes. E parou aí. Não houve convite formal.
Isso parece um sinal de fumaça. Há fogo? Posso dizer que tenho conversado com várias lideranças. Estive com Edinho Silva, presidente do PT, e com o vice-presidente Geraldo Alckmin, especialmente para pensarmos a situação em São Paulo. Todos os quadros com relevância no âmbito da frente ampla que formamos têm de se pôr à disposição para contribuir com o processo eleitoral de 2026. Iremos discutir qual é a melhor ajuda que cada um pode dar.
A propósito de São Paulo, a senhora pretende concorrer ao Senado pelo estado no ano que vem? Por enquanto, minha prioridade é ajudar o ministro Fernando Haddad. Ele tem dito que não quer ser candidato, mas torço para que concorra ao Senado ou ao governo. Sei das responsabilidades que temos em São Paulo: o atual ocupante do Palácio Bandeirantes, Tarcísio de Freitas, defende ideias como a anistia para os condenados pelo Supremo na trama golpista e indulto para Jair Bolsonaro. É inaceitável.
“Fundei a Rede para ser uma sigla diferente, com estatuto inovador, sem presidente. Infelizmente, as discordâncias internas se agravaram e chegaram à Justiça”
Em sua primeira passagem pelo ministério, a senhora travou embates em torno do licenciamento de hidrelétricas na Amazônia e acabou deixando a Esplanada em 2008. Agora vive outra situação incômoda, com a possibilidade de exploração de petróleo na Margem Equatorial, que conta com apoio de Lula. Cogita sair do governo? Criou-se uma lenda de que saí em razão de divergências com a ex-presidente Dilma Rousseff, à época ministra da Casa Civil. Na verdade, estava descontente com a pressão de governadores para revogar medidas tomadas por mim para impedir o desmatamento da Amazônia. Contradições internas sempre existirão, em qualquer governo.
Não pensa, então, em sair do ministério? Não encaro a política como um jogo de xadrez, mas como um serviço à população. Naquele momento, a decisão foi sair. Agora, é ficar.
Não é incômoda a chance de avançar em sua gestão um empreendimento de tal magnitude, com potenciais riscos ambientais? Não é a minha pasta que decide se vai haver exploração. O que nos cabe é analisar a viabilidade ambiental dos pedidos de licença. A solicitação em torno da prospecção, que vai averiguar a quantidade e a qualidade do petróleo por lá, já foi negada duas vezes em razão da complexidade e das inadequações. No final, o Ibama terá toda a autonomia para tomar sua decisão. O que posso garantir é que os critérios serão exclusivamente técnicos.
O Lula de 2025 encara a agenda ambiental de forma diferente em relação à época de sua Presidência em 2008? O mundo mudou e nós também. Mas as premissas de quando assumi o governo pela primeira vez seguem valendo, como controle e participação social, desenvolvimento sustentável e o fortalecimento do Sistema Nacional de Meio Ambiente. Ao ser convidada desta vez, levei as mesmas diretrizes ao presidente. Ainda não é suficiente, claro, mas temos obtido ganhos progressivos.
Este ano, a senhora foi pressionada e ofendida por opositores em audiências no Congresso. Como avalia a postura dos parlamentares? Temos aí um pot-pourri de elementos: machismo junto com racismo, além de posições contrárias à agenda do combate ao desmatamento e da demarcação de terras indígenas. Tudo aliado à falta de entendimento de que não há mais impunidade para quem comete irregularidades ambientais. Uma expressão do atraso.
Alguns desses parlamentares são da base governista e se recusam a abraçar a agenda ambiental por temerem prejuízos eleitorais. No mundo da política real, essa bandeira tem como prosperar? Infelizmente, o país está muito dividido politicamente. Mas a agenda tem, sim, avançado. Para mim, é significativo o fato de o presidente ter sido eleito prometendo desmatamento zero, redução na emissão de gás carbônico entre 59% e 67% até 2035, com metas para os setores de transporte, indústria, agricultura e energia. Ele teve o respaldo de uma porção expressiva da população.
O Congresso aprovou mudanças no licenciamento ambiental que a senhora classificou como “inaceitáveis”. Faltou mais ação do governo para barrar a pauta? A forma como tinham sido aprovadas era uma amputação da legislação e um golpe de morte em uma das principais ferramentas da proteção ambiental brasileira. O presidente fez 63 vetos de maneira estratégica, que conseguiram manter a integridade do licenciamento. Minha avaliação é de que a medida respeitou a decisão do Congresso em pontos nos quais as mudanças eram aceitáveis e foi firme na manutenção de questões cruciais.
“Na organização da COP30, estamos tomando medidas para corrigir distorções inaceitáveis, como o aumento das diárias até quinze vezes acima dos preços praticados na alta temporada”
Acha que ainda falta visão de longo prazo a representantes do agronegócio? Não podemos ter um olhar homogêneo sobre o agro brasileiro. Há muita consciência e práticas voltadas para a sustentabilidade no setor. Até porque, sem isso, o Brasil não teria fechado acordos com a União Europeia nem aberto mais de 400 novos mercados em dois anos. Hoje, já existe uma confiança internacional de que os produtos nacionais não destroem biomas nem violam os direitos dos povos indígenas. É um avanço.
O Brasil se apresenta como liderança climática na COP30 e, ao mesmo tempo, amplia investimentos em combustíveis fósseis. Não é contraditório? O uso de combustível fóssil infelizmente ainda é uma realidade em todo o mundo, inclusive no Brasil. Defendo que a Petrobras seja uma empresa de energia — não apenas de petróleo — e invista cada vez mais em combustíveis renováveis. O país pode ofertar os chamados produtos de transição, como o etanol para aviação e transporte marítimo e, futuramente, hidrogênio verde. As guerras tarifárias têm prejudicado a cooperação internacional, mas dialogamos com todos e podemos mediar soluções.
A que atribui o retrocesso da agenda ambiental em parte do mundo? É necessário dar nome ao problema: os maiores retrocessos vêm dos Estados Unidos, a maior potência econômica e bélica e o segundo maior emissor de gases que intensificam o efeito estufa. Com tanto poder, eles têm força para arrefecer os esforços de outros países, mas há compromissos firmes sendo construídos por muita gente — África do Sul, União Europeia, Índia, China, Caribe e América Latina. No passado, conseguimos dar um salto mesmo sem a presença americana no Acordo de Paris e, nas atuais circunstâncias, temos de seguir adiante sem eles.
A organização da COP30, em Belém, enfrenta duras críticas quanto à infraestrutura e ao preço da hospedagem. O Brasil corre o risco de encerrar a cúpula com a imagem arranhada? O desafio de levar a conferência para a Amazônia é imenso, e o Brasil tem feito esforços para vencê-lo. A hospedagem para delegações a preços acessíveis já foi assegurada em contrato e estamos tomando medidas para corrigir distorções inaceitáveis, como o aumento das diárias até quinze vezes acima dos preços praticados na alta temporada. Antecipamos a cúpula de chefes de Estado para aliviar a pressão sobre os valores e fizemos investimentos bilionários em infraestrutura. Estamos confiantes de que a COP30 será um marco.
De que forma a condenação de Jair Bolsonaro altera o cenário em 2026? O impacto positivo é o fortalecimento das instituições. A condenação reforça que não há expectativa de impunidade para aqueles que tentam ultrajar a democracia. Quem comete crime e é condenado deve cumprir pena. E ponto.
A senhora foi candidata à Presidência três vezes. Ainda sonha com o Planalto? Não mais. Na primeira vez que concorri, tive 19,6 milhões de votos. Na segunda, 21 milhões. Na terceira, 1 milhão. Entendo que coloquei a pauta ambiental na mesa. Já dei a minha contribuição.
Publicado em VEJA de 19 de setembro de 2025, edição nº 2962