Tarcísio de Freitas: “Lula não tem plano para o Brasil”
O governador de São Paulo aposta em privatizações e diz que segue fiel ao ex-presidente, acreditando na volta da direita bolsonarista ao Palácio do Planalto
Há quase um mês sofrendo com cólicas provocadas por pedras nos rins, o governador de São Paulo, Tarcísio Gomes de Freitas (Republicanos), de 47 anos, passou a intercalar a rotina no Palácio dos Bandeirantes com internações hospitalares. Em meio a despachos internos e reuniões, ele se prepara para uma terceira cirurgia, procedimento que fará em breve. O problema médico, no entanto, não alterou muito a rotina de trabalho e, como destaque próximo na agenda política, o ex-ministro receberá Jair Bolsonaro em um evento em Ribeirão Preto, no interior paulista, no início de maio. Dizendo-se grato ao ex-chefe, Tarcísio acredita que o nome do capitão continuará forte no campo da direita, principalmente porque, em sua avaliação, o governo petista “não está sabendo aproveitar as janelas de oportunidade”. “Lula não está entregando aquilo que o Brasil esperava”, afirma o governador, que recebeu a reportagem de VEJA em seu gabinete. Além das críticas ao atual mandatário, Tarcísio falou de seus planos para o estado que comanda, com destaque para a grande agenda de privatizações. A seguir, os principais trechos.
Como está sua saúde? Tive esse susto das pedras no rim em Londres, no fim de março. É um problema que me atinge desde 1995. Sofro esporadicamente e estou fazendo um tratamento em algumas etapas para eliminar de vez o problema. Obviamente isso vai envolver mais cuidados com a saúde. Fiz um bombardeio nas pedras, mas elas não saíram. Agora passei por outro procedimento no sábado passado, 15, e deverei encarar pelo menos mais um.
Após 100 dias de governo, o senhor foi bem avaliado pelo Datafolha, inclusive por eleitores de Fernando Haddad. Isso o surpreendeu? O caminho que estabelecemos, de buscar o desenvolvimento do estado de São Paulo, assim como dignidade e diálogo, o que chamo de governo 3D, é um caminho acertado. Isso traz a esperança nas pessoas de uma boa condução, independentemente da linha partidária, ideológica. As pessoas não votaram em mim, mas acreditam que eu possa entregar resultados.
O senhor foi eleito com o apoio de Bolsonaro e dos apoiadores do ex-presidente. Ainda pode ser chamado de bolsonarista? Tenho relação de amizade e gratidão com o presidente Bolsonaro. Ele foi muito importante para mim. Me abriu uma porta que não era aberta para técnicos. Eu acredito muito no governo que ele fez. Sou liberal, acredito na busca pela iniciativa privada. E o fato de estar aqui eu devo exclusivamente ao Jair Bolsonaro.
Ainda se considera um bolsonarista? Sim, claro.
A chegada de Bolsonaro dos Estados Unidos pareceu um pouco apagada. Como será o papel dele na oposição? Todos os presidentes que saíram do poder tiveram um período de reflexão e silêncio por um certo tempo. Mas a figura do Bolsonaro é muito forte. Vejo isso quando vou ao interior e estou na rua. Sempre aparece um para mandar um abraço para o capitão. Ele é um grande líder da direita brasileira. Vai continuar a ser relevante e também decisivo. Tenho certeza que ele terá papel muito importante na política nos próximos anos.
“Tenho uma relação de amizade e de gratidão com o ex-presidente. Acredito muito na gestão que ele fez. O fato de estar aqui no governo paulista eu devo exclusivamente a Jair Bolsonaro”
Avalia que decisões como a distribuição gratuita de canabidiol, também conhecido como maconha medicinal, representam uma espécie de traição ao eleitorado conservador que o apoia? Pessoalmente não sofri críticas, apenas alguns comentários isolados nas redes. Fui eleito com o público conservador, de centro-direita, e tenho uma pauta para São Paulo que estava muito clara. Quando sancionei o projeto do canabidiol, estava pensando em pessoas que têm esclerose múltipla, entre outras, que vão se beneficiar do fornecimento dos medicamentos que foram testados e aprovados, e que podem ser obtidos até sinteticamente. Não tem nada a ver com a questão de drogas.
Como se define, ideologicamente falando? Eu governo para todos e sempre fui coerente com o que falei. Nunca neguei que eu era favorável à vacina e contra a sua obrigatoriedade, por exemplo. Ninguém pode dizer que foi enganado por mim. Mantenho uma linha coerente. Em tempo de descrença, o cumprimento de promessa e compromisso é uma ferramenta poderosa.
Como acha que o centro e a direita poderão enfrentar Lula ou seu candidato em 2026? Observe que estamos diante de uma grande oportunidade, uma nova divisão de cadeias globais de produção, mas o governo não conseguiu mostrar como vai buscar o desenvolvimento, como vai buscar a redução da desigualdade, o crescimento econômico, a redução da inflação. Estamos com uma janela de oportunidade, uma avenida, e não estamos sabendo aproveitar. E, se não der resultado, o governo vai chegar fragilizado em 2026. Então obviamente a gente espera para ver o que vai acontecer e, se o governo não der resposta, o outro campo se fortalece.
Se o ex-presidente se tornar inelegível e pedir para o senhor ser candidato a presidente em 2026, aceitaria, como fez para o governo de São Paulo no ano passado? Confio no Judiciário e confio que no final das contas ele pode e deve concluir pela inocência dele. Fui honrado pela população e tenho planos importantes para o estado. Estou focado na gestão. Muita coisa vai se consolidar no longo prazo.
Mas e se o governo Lula der essas respostas, como a direita e o centro deverão fazer para derrotar o candidato de Lula? Se for bem, a esquerda se torna mais competitiva. Só não enxerguei esse caminho ainda.
Que tal os primeiros meses da gestão Lula? Lula e seus aliados não tinham um plano para o Brasil e não mostraram ainda a que vieram. Vimos a reedição de programas antigos e outros que foram repaginados. Só que o cenário hoje é totalmente diferente. O que a gente quer ver ainda não foi mostrado. Como o governo vai capturar as oportunidades que estão sendo geradas lá fora? Como o Brasil pode emergir como um grande destino de investimentos e de novas tecnologias? Como a gente vai mostrar para o mundo o nosso compromisso com a solvência, o nosso compromisso fiscal, que mostre a linha da redução da despesa? Se você não reduzir despesa, lá na frente vai ter que aumentar tributo. Isso não está claro para ninguém e vejo grande insegurança nos investidores.
Até agora o governo não conseguiu formar uma base no Congresso. Como prevê a vida do presidente daqui para a frente? Eles distribuíram 37 ministérios e até agora não conseguiram formar a base sólida. Vão ter dificuldade na aprovação de medidas. Também vejo dificuldades em propostas de emendas à Constituição e propostas mais estruturais. É claro que existe disposição do Parlamento em ajudar o Brasil. Mas entendo que esse é um governo que terá muita dificuldade política, com um Parlamento mais autônomo e que conquistou o seu espaço. O governo está preso ao passado.
Os governos dos maiores estados têm se empenhado para vender o maior número possível de empresas. Enquanto isso, Lula caminha no sentido contrário, e até barrou a privatização do Porto de Santos, desenhada pelo senhor no Ministério da Infraestrutura. Foi uma derrota? Está claro qual o caminho que mobiliza capital em menos tempo, proporcionando governança e eficiência. A desmobilização de ativos é fundamental. Eu ainda acredito na privatização do Porto de Santos. Para mim, o projeto é redentor para a Baixada Santista. Estamos falando de dezenas de milhares de empregos diretos e indiretos que trariam perspectiva para a região. Quando conversei com o presidente Lula, ele disse que não tinha dogma e encararia o projeto desde que fosse benéfico. Tive uma conversa com o ministro Márcio França, dos Portos e Aeroportos, e há uma resistência muito grande da parte dele.
Então o assunto não foi totalmente descartado pelo governo federal, na sua avaliação? O governo federal excluiu algumas empresas do programa de concessões e privatizações, e o Porto de Santos não está na lista. Interpreto que a porta ainda está aberta.
“Lula e seus aliados ainda não mostraram a que vieram. Reeditaram programas antigos e distribuíram 37 ministérios sem conseguir formar uma base forte no Congresso”
Há algumas privatizações com potencial para resistências no horizonte, como a da Sabesp, maior empresa de saneamento básico do país. Acha que vai conseguir levar adiante? Espero que o estudo sobre a Sabesp aponte que poderemos mobilizar muito capital em menos tempo, levar saneamento onde ele não chega atualmente. Quando alguém pensa que seu município, hoje atendido pela Sabesp, poderá perder investimentos em caso de privatização, isso é falso. Os contratos estarão mais bem amarrados. Vamos levar mais saneamento básico para a Baixada Santista e para a região de Guarulhos, entre outras, além de assumir metas de despoluição dos rios Tietê e Pinheiros.
A preocupação com a segurança nunca foi tão grande e hoje o problema chegou com força às escolas. O que pode ser feito para evitar que não se repitam episódios como o de uma professora assassinada dentro da sala de aula em São Paulo por um aluno de 13 anos? De forma estrutural, vamos cuidar da saúde mental, com a contratação de psicólogos para atender alunos e profissionais da educação. Vamos também contratar segurança privada, com vigilantes desarmados. Não queremos transformar uma escola naquilo que ela não é. A escola tem que ser local de alegria, de barulho de criança. Não será local do medo, com detector de metal, não. Mas terá mais segurança.
Uma de suas prioridades de governo é combater a chaga da cracolândia do centro de São Paulo. Vários gestores tentaram fazer isso e fracassaram. O que o senhor fará de diferente? Queremos pegar essa pessoa que hoje sucumbe ao álcool e às drogas e primeiro tratá-la. Depois, ofereceremos oportunidades de trabalho. No estado, há falta de profissionais na indústria de celulose, na lavoura, na construção civil, por exemplo.
Sua imagem ficou marcada pela cena do senhor quase quebrando um martelo durante o pregão de um trecho do Rodoanel na B3. O vídeo viralizou nas redes. De onde saiu a ideia? Surgiu de brincadeiras que fazíamos durante os leilões nos tempos do ministério. Foram mais de 80, e em todos havia essa competição para quebrar o martelo do seu Osni Branco, que é o artesão que o fabrica. Mas o objeto foi muito reforçado, então eu vou pensar em desistir da ideia (risos).
Publicado em VEJA de 26 de abril de 2023, edição nº 2838