‘Queremos diálogo’, diz presidente da Vale sobre governo Lula
Gustavo Pimenta revela como conseguiu reverter o mal-estar entre a mineradora e o presidente

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva cansou de reclamar que a Vale não atuava a favor dos interesses do Brasil. No conturbado processo de sucessão no comando da mineradora, no ano passado, o governo federal tentou emplacar, sem sucesso, o nome do ex-ministro Guido Mantega. Para o novo presidente da Vale, Gustavo Pimenta, esse clima de desconfiança ficou para trás. Desde que assumiu, ele já esteve com o presidente duas vezes. Há algumas semanas, Lula e nove ministros dividiram o palanque com executivos da Vale para o anúncio de 70 bilhões de reais de investimentos em Carajás, no Pará. Na ocasião, disse que o governo voltava a se sentir representado pela mineradora, após um “clima desagradável”. A quem faz ressalvas à proximidade com o petista, Pimenta assegura que não há motivos para preocupação: a relação da Vale é com o Estado brasileiro, com o qual partilha objetivos comuns. “O alinhamento de uma companhia do nosso porte com o Estado é fundamental não só no Brasil, mas em qualquer país do mundo”, afirma o executivo. Confira a seguir os principais trechos da entrevista concedida por Pimenta a VEJA.
Recentemente, o presidente Lula afirmou que havia um “clima desagradável” entre a Vale e o governo. Como o senhor reverteu esse mal-estar? Depois que assumi, passamos a ter um diálogo mais próximo com o presidente e seus ministros. Mostramos o que queremos construir neste novo ciclo da empresa e percebo que existe uma enorme convergência entre a Vale e o Estado brasileiro. O Brasil pode e deve ser um dos principais motores da transição energética mundial. A descarbonização vai ocorrer e vai demandar os chamados minerais críticos, como níquel e cobre. O Brasil é um dos principais fornecedores desses minerais, e eu acredito profundamente que conseguiremos fazer tudo isso, conciliando responsabilidade ambiental e social.
Lula disse ainda que, agora, o governo se sente representado na Vale. É papel da empresa representar os interesses de Brasília? Eu diria que o alinhamento de uma companhia do nosso porte com o Estado é fundamental no Brasil e em qualquer país do mundo. Isso é natural. O que sempre nos pauta nas conversas com o governo é apresentar o que é estrategicamente relevante para a empresa. Nossa agenda de crescer em minerais críticos, os 70 bilhões de reais que investiremos em Carajás nos próximos anos, tudo isso é bom para a Vale e para o Estado brasileiro. E que ótimo que isso converge. Se não convergisse, teríamos um problema. Queremos investir mais, crescer mais e empregar mais, gerando mais renda e mais royalties. É por isso que digo que a conversa com o governo hoje é muito positiva. Não vejo divergências entre o que o Estado brasileiro quer e o que a Vale pode ofertar.
“O alinhamento de uma companhia do nosso porte com o Estado é vital no Brasil. O que sempre nos pauta nas conversas com o governo é apresentar o que é relevante para a empresa”
Investir e criar empregos no Brasil é positivo para o governo, mas qual é a contrapartida que a Vale espera ter nessa relação? Temos casos de parcerias público-privadas de muito sucesso, como a conservação da Floresta Nacional de Carajás. Nossa operação ocupa cerca de 3% da área e conservamos os outros 97%. É uma área cinco vezes maior que a de uma metrópole como Londres, na Inglaterra. No caso dos investimentos anunciados há algumas semanas para Carajás, o presidente e nove ministros estavam presentes. Mostramos que o Brasil pode liderar a transição energética, mas, para isso, precisamos de apoio institucional, de apoio em processos de licenciamento, de apoio na priorização de políticas públicas. A nossa pauta é mostrar que a mineração pode ajudar o Brasil a se desenvolver, gerar emprego e renda. Esperamos que o Brasil abrace a mineração, pois temos uma grande vocação natural para continuar na liderança desse setor.
O senhor já mencionou que o processo de licenciamento pode ser melhorado. Em quais pontos isso poderia ocorrer? É uma discussão essencialmente técnica. Acompanhamos o debate junto ao governo e trazemos ideias, sempre no espírito de modernização das legislações. Vemos oportunidades de melhorias em algumas delas. Nesse debate, os técnicos vão dizer qual é o caminho correto a seguir. Estamos colaborando, porque a companhia possui um conhecimento muito grande sobre o meio ambiente brasileiro. Temos uma série de iniciativas, como o Instituto Tecnológico Vale, que faz todo o mapeamento de genoma da Floresta Amazônica. Eu diria que talvez seja o instituto que mais conhece o genoma da região. Utilizamos esse conhecimento para apoiar os processos de licenciamento.
Para muitas pessoas, ainda fica a imagem de que a mineração é uma atividade que destrói o meio ambiente. Como fazer para mudar essa percepção? Acho que a mineração tem o grande desafio de se comunicar com a sociedade e de mostrar que o mundo é melhor com a mineração do que sem ela. Eu já estou convencido disso, mas precisamos convencer a sociedade. Um pouco da nossa missão na Vale é mostrar que a mineração faz o mundo melhor. Quando me reúno com representantes de outras mineradoras, esse é um dos grandes tópicos.
Como empresas de recursos naturais podem mostrar à sociedade que não são apenas necessárias, mas que o mundo é melhor porque a mineração existe? De novo, é o desafio da comunicação. A mineração ajuda a nos desenvolvermos economicamente, a vivermos mais e melhor e, ainda assim, preserva o ambiente, gera um impacto líquido positivo.
O que a Vale aprendeu com os acidentes de Brumadinho e Mariana? A companhia é totalmente diferente hoje. Temos agora os melhores indicadores de segurança da nossa história. Alguns são os melhores de toda a indústria. Assumimos o compromisso de eliminar todas as barragens a montante e já eliminamos 57% delas. Colocamos 5 bilhões de dólares nesse programa. A Vale não mede esforços para se transformar em uma companhia mais segura.
Mas o que mudou de fato na companhia? Passamos por uma grande mudança cultural. Trabalhamos o diálogo aberto e transparente. Buscamos ser uma empresa que tenha uma escuta mais ativa da sociedade. Aprendemos que precisamos trabalhar muito próximo das comunidades. Meu grande desejo, quando falo de a Vale voltar a ser admirada, é que sejamos convidados a estar nas regiões, porque geramos efeitos muito positivos. Os municípios onde operamos têm um PIB per capita 40% maior que o de cidades semelhantes em que a Vale não está. Quatro dos cinco maiores PIBs per capita do país pertencem a municípios com atividades minerárias. Seguiremos evoluindo culturalmente para que possamos deixar um legado positivo.
Como o senhor vê a ação movida em Londres contra a BHP, sócia da Vale na Samarco, mesmo após a Vale fechar um acordo com a Justiça brasileira sobre as indenizações de Mariana? Nossa visão é de que essa é uma decisão local. A jurisdição correta para concluir essa repactuação é o Brasil. O acordo que firmamos no ano passado foi alcançado depois de longos debates. Chegamos a um acordo que é bastante completo e justo. Ele é mais expedito, no sentido de reparar os danos, de compensar as pessoas. Além disso, o caso foi homologado pelo Supremo Tribunal Federal.
Quando se fala de meio ambiente e transição energética, lembramos que o presidente americano, Donald Trump, se cercou de negacionistas climáticos. O senhor teme um retrocesso global nessa questão? Ainda que haja questionamentos sobre a descarbonização, ela vai ocorrer. Não tem volta. Vivemos eventos climáticos mais adversos e mais frequentes. Percebo que, para as indústrias, o carbono é um risco de negócio e todas seguem na mesma trajetória de buscar soluções para emitir menos carbono. O que mudou é que as empresas estão mais cuidadosas em relação à migração para a economia de baixo carbono, porque, no fim das contas, ela vai bater na disposição do cliente final de pagar por isso. Na média, os clientes finais ainda não estão dispostos a pagar por um produto de baixo carbono como a gente gostaria. Isso acaba gerando um baixo prêmio para os produtos verdes. Então, as empresas estão buscando soluções que entreguem o baixo carbono, mas que, ao mesmo tempo, sejam econômicas.
“A discussão sobre guerra comercial vai gerar um movimento de acordos e a questão das tarifas se acomodará, porque uma atitude mais agressiva será adversa para todo mundo, inclusive para os EUA”
A Vale sofrerá algum impacto da política protecionista de Trump? Não vendemos diretamente para os Estados Unidos, porque eles são quase autossuficientes na produção de aço e na extração de minério de ferro. Então, não temos um efeito imediato. É claro que um movimento generalizado de aumento das tarifas pode causar arrefecimento econômico e impactar a demanda de aço e minério. Os efeitos dependerão muito da magnitude e da evolução das discussões tarifárias entre a China e os Estados Unidos. Diria que, neste primeiro momento, o impacto será limitado.
O senhor acredita que haverá uma guerra comercial entre a China e os Estados Unidos? Acho que o pragmatismo vai imperar no fim. Assim como já ocorreu no passado, toda essa discussão vai gerar um movimento de acordos comerciais e a questão das tarifas se acomodará, porque uma atitude mais agressiva será adversa para todo mundo, inclusive para os Estados Unidos. Ela geraria inflação, o que já preocupa os americanos.
A China é o maior cliente da Vale, mas sua economia está desacelerando. Quais são os próximos grandes mercados para a empresa? A Índia é uma grande economia com muito potencial, mas, ao contrário da China, é um país que tem minério de ferro. Ela poderia exportar esse minério, mas o consome internamente. Com isso, a oferta internacional é reduzida, o que é favorável às mineradoras. Trabalhamos para oferecer produtos complementares aos clientes indianos. Também na linha de reduzir a pegada de carbono, vemos um movimento muito grande em todo o mundo para a criação de hubs de produção de aço mais verde a partir do gás natural. O Oriente Médio, que tem gás barato, passa a ser uma rota.
As condições econômicas do Brasil serão mais difíceis neste ano. Como a Vale lidará com o mercado interno? Obviamente, gostaríamos que a taxa de juros estivesse mais baixa, mas para a empresa não é um tema tão relevante, até porque a nossa estrutura de capital é muito saudável e temos acesso a diversas fontes de recursos. A demanda por nossos produtos segue estável. O Brasil e o mundo continuam demandando minério.
Publicado em VEJA de 28 de fevereiro de 2025, edição nº 2933