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“Precisamos nos unir”, diz João Campos, novo prefeito do Recife

O jovem político mostra sua face pragmática e diz que, apesar da guerra travada com o PT e a prima, é capaz de superar qualquer coisa depois da morte do pai

Por Monica Weinberg Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO , Sofia Cerqueira Atualizado em 11 jun 2024, 16h26 - Publicado em 11 dez 2020, 06h00

Bisneto de Miguel Arraes (1916-2005) e filho do ex-governador Eduardo Campos, João Campos (PSB) tornou-se aos 27 anos prefeito do Recife, o mais jovem eleito em capitais. Após disputa carregada de artilharia com a prima de segundo grau, Marília Arraes (PT), João emergiu das urnas como uma das novas faces da esquerda nacional. Foi em 2014, apenas dez dias depois de sepultar o pai, morto em um acidente aéreo no meio de uma campanha presidencial, que ele estreou nos palanques. “Nunca tinha discursado na vida”, lembra o segundo de cinco filhos do clã. Deputado federal eleito em 2018, compôs uma coligação que venceu em quatro capitais ao lado do PDT e demonstra disposição para articular peças do intrincado tabuleiro do pleito de 2022. “Agora só construo pontes na política”, brinca o engenheiro civil de formação, namorado da também deputada Tabata Amaral (PDT), que concedeu entrevista a VEJA via aplicativo de imagem, de um escritório onde se avista a bela cidade de Olinda.

As eleições municipais o projetaram como um dos jovens representantes de uma nova esquerda no Brasil. Como define essa corrente? Essa esquerda, que não é mais aquela encabeçada pelo PT, está ainda em construção e abrange um leque bem variado. Eu, pessoalmente, me defino como integrante de uma centro-esquerda progressista, que quer atacar a desigualdade social e não se volta para conceitos antigos, para Karl Marx, mas olha para a frente sem radicalismos, sem o discurso da polarização. O que precisamos é fazer política com objetividade e conversa, muita conversa mesmo. Só assim a centro-esquerda poderá vencer as eleições em 2022 e as outras que virão.

O senhor acha que há alas à esquerda que não estão dispostas a conversar? Todo mundo diz que quer conversar, mas quando se senta à mesa não demonstra a flexibilidade necessária. O PT escolheu lançar candidaturas próprias nessas eleições municipais, uma clara postura de quem, na prática, trata a coisa na base de “O.k., converso com você, mas desde que eu tenha tudo”. Cadê o verdadeiro exercício do diálogo?

A coligação do PSB em Pernambuco incluiu siglas à direita, como PP, MDB e Republicanos. Dá para dizer que mesmo assim sua candidatura é de centro-esquerda? Juntamos progressistas e liberais em torno de um objetivo, mas quem tem a liderança na coligação é o PSB. Portanto, o que predomina é o tom centro-esquerda. Você disputa uma eleição para ganhar.

A esquerda que emergiu das urnas deu força a nomes como o de Guilherme Boulos, do PSOL, que terminou em segundo lugar na disputa em São Paulo. Ele pertence à sua turma política? Tenho todo o respeito pelo Boulos, que recebeu um considerável número de votos no segundo turno na eleição da maior cidade da América Latina e se lançou no cenário político nacional, mas somos diferentes. Eu costurei uma frente de doze partidos, enquanto a candidatura dele caminhou numa área bem mais restrita, conversando só com gente e partidos parecidos entre si. Para a esquerda prosperar, precisará encarar a pergunta: qual é o programa mínimo, que tenha a democracia e o enfrentamento às desigualdades como valores inegociáveis, que afinal pode unir o Brasil?

“Dispararam contra minha mãe, minha avó, chamaram-me de machista e mijão. Apanhei até por ser jovem. Diziam: ‘A prefeitura não é um pirulito para dar a um menino’”

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E há resposta para isso no horizonte? Ainda é cedo, mas as urnas mostraram que a maior parte da população está num terreno que não é o bolsonarismo nem o petismo. O PT não venceu em nenhuma prefeitura de capital, e a polarização que marcou 2018 sai enfraquecida. O campo do meio ganhou força. A questão agora, para nós, da centro-esquerda, é justamente tentar nos unir.

A briga entre PSB e PT, que em seu estado ganhou contornos dramáticos, não é um obstáculo à união das esquerdas no pleito presidencial de 2022? Vou lhe dizer: em Pernambuco, toda a esquerda está junto. Quem se isolou foi o PT. Mas o cenário para 2022 está aberto, e os políticos precisarão fazer uma autocrítica e pôr o país à frente do partido. Se não houver essa maturidade, acabarão aparecendo forças de fora, tipo Bolsonaro, para ocupar o espaço. Aliás, de fora nada, mas assim ele se vendeu, né? Eu, então com meus 24 anos, pensava: “Bolsonaro tem 28 anos só de mandato”.

Vai apoiar Ciro Gomes (PDT-CE) para a Presidência? Construímos juntos uma tática eleitoral para 2020, com alianças pelo Brasil, mas não ficou nada acertado para 2022.

A propósito de união, como segurar o ímpeto de Ciro de proferir frases como “Flávio Dino (governador do Maranhão) perdeu a noção da realidade”, por ele ter ido votar com a camiseta Lula Livre? É sempre melhor estar alinhado em um clima de pacificação, mas não cabe a um aliado tentar mudar o temperamento do outro. Ciro tem muitas virtudes.

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O que o senhor pensa de algumas pautas que constam na agenda progressista, como legalização das drogas, do aborto e do casamento gay? Sou contra a legalização das drogas porque estou convicto de que o Brasil não está pronto para esse debate. Quanto ao aborto, também me oponho, e isso tem a ver com uma questão de foro pessoal. Tenho um irmãozinho com síndrome de Down, o Miguel, de 6 anos, e sei que em países onde o aborto é livre o índice é alto nesses casos. Casamento gay, não vejo nada contra, a liberdade dos direitos civis é importante. Mas a questão essencial das esquerdas, insisto, reside no gargalo da desigualdade.

A campanha de sua prima, Marília Arraes, do PT, o chamou de machista, frouxo, mijão. A família saiu rachada? Naturalmente, pessoas da minha família têm posições diferentes, mas não fiquei me prendendo a isso, foquei na política. Agora, nos casos de fake news, em que chegaram a disparar contra minha mãe, uma viúva com cinco filhos, e minha avó, uma senhora de 74 anos, resolvi recorrer à Justiça, que me deu uma centena de ganhos de causa. É inacreditável, apanhei até por ser jovem. Diziam: “A prefeitura não é um pirulito para dar a um menino”.

Mas o seu lado também bateu, em panfletos com dizeres “Cristão de verdade não vota em Marília” e espalhando que ela implantaria a ideologia de gênero nas escolas. Não é verdade, e a Justiça já reconheceu isso. Em todo canto do Brasil tem muita gente com um rancor, um ódio muito grande ao PT, e é daí que deve ter vindo tudo isso. O que eu pensava, falei abertamente. Toquei, por exemplo, no caso da rachadinha no gabinete dela, assunto que cabe neste momento ao Ministério Público.

Sua prima ligou parabenizando-o pela vitória? Não.

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O senhor o faria se tivesse perdido? Sim. Faz parte do jogo democrático.

Há clima para um jantar em família? Eu perdi meu pai em 13 de agosto de 2014. Honestamente, depois de atravessar um luto tão doloroso, acho que tudo na vida pode ser superado.

E com Lula, com quem inclusive esteve em 2019, junto com sua mãe, não fica uma sequela após sua campanha afirmar que os figurões do PT envolvidos em corrupção extrapolam fácil os dedos das mãos? Não acredito. São coisas da política. Nunca toquei no nome de Lula, que acertou bastante, mas também errou. Ninguém está imune a errar nesta vida.

E dele, recebeu algum telefonema pós-eleição? Ainda não.

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Seu pai chegou a saber de seu desejo de entrar na política? Ele sabia que eu adorava, queria estar sempre do lado dele, acompanhando-o aonde fosse. Conversamos muito sobre política, sobre perspectivas para o futuro. Um dia, ele falou uma coisa que me marcou: que só havia chegado aonde chegou — deputado, governador, ministro, candidato a presidente — porque tinha conseguido driblar um monte de gente que queria dificultar a sua vida, dar-lhe uma rasteira. Ele me incentivou dizendo: “Eu tenho certeza de sua capacidade, só peço que estude firme e se prepare”.

Ele gostava da ideia de ter um filho na política? Sim, da mesma maneira que um pai artista aprecia ver seu filho tocando guitarra ou de gerações de médicos que andam com um estetoscópio no pescoço. Na política, porém, sinto que é diferente, que tem um estigma do tipo: “Essa família Campos é uma oligarquia” — o que nunca fomos.

A propósito, costuma-se dizer em Pernambuco que Renata Campos, sua mãe, é eminência parda de todo e qualquer governo do PSB e assim será do seu. Procede? Um absurdo. Ela sempre foi uma figura forte, militante, mas hoje se reveza entre o trabalho no Tribunal de Contas de Pernambuco e a família. O resto é fantasia. Escutarei sempre minha mãe, é claro, mas quem vai governar o Recife sou eu.

“Quando meu pai morreu, nunca tinha feito um discurso e logo me vi em um palanque. Penso nele toda hora. O que meu pai diria agora, o que ele faria? É como um mantra”

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A lembrança de seu pai ainda é muito viva? Penso nele toda hora. É impossível esquecer aquele dia em que o avião em que voava de repente sumiu. Eu ligava para o meu pai, para o assessor, e nada, só caixa postal. Estava indo para a sede do partido e resolvi voltar para casa, até que, no caminho, abri a internet e vi a foto do avião espatifado. Não tive dúvida: “Meu pai morreu”. Desse momento em diante, minha vida virou outra. Tive de tomar decisões sobre questões que nem sabia que existiam. Nunca tinha feito um discurso e, de uma hora para outra, rodei 44 cidades em quinze dias falando em cima de um palanque a favor de Marina Silva, que seguiu com a campanha. Não conhecia essa minha capacidade. Hoje, nas mais diversas situações, me vem à cabeça: “O que meu pai diria, o que ele faria?”. É como um mantra para mim.

O espólio de Eduardo Campos está até hoje bloqueado no âmbito das investigações da Lava-Jato. Acredita que ele cometeu algum crime? Depois de seis anos de sua morte, não há nada comprovado contra ele. E isso porque era mesmo uma figura honesta, correta, que deixou o governo do Estado com 93% de aprovação.

Ser presidente da República está nos planos? Não sou um cara de projetar o futuro. Aprendi isso depois que perdi meu pai. Um dia de cada vez.

Se as alianças para 2022 não estão definidas, na vida particular planeja subir ao altar com a deputada federal Tabata Amaral, do PDT de Ciro? Passada a turbulência da eleição, a gente vai poder organizar a nossa vida. Tenho certeza de que ela é a pessoa certa, por quem tenho um profundo amor e com quem quero construir minha vida. Nós nos conhecemos como deputados, em uma vida puxada, desafiadora, nada trivial, e assim seguiremos juntos.

Publicado em VEJA de 16 de dezembro de 2020, edição nº 2717

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