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“Não tinha ilusão”, diz Paulo Marinho sobre apoio a Bolsonaro

O empresário carioca, que abrigou na própria casa o comitê de campanha do político e depois rompeu com ele, fala das rixas e das saias-justas que presenciou

Por Maria Clara Vieira Atualizado em 4 jun 2024, 14h50 - Publicado em 14 fev 2020, 06h00

Ao abrigar a minguada comitiva do então pré-candidato Jair Bolsonaro em sua luxuosa mansão no Jardim Botânico, Zona Sul do Rio de Janeiro, em meados de 2017, o empresário Paulo Marinho, de 67 anos, tornou-se testemunha ocular de um dos fatos mais marcantes da história recente do Brasil: a trajetória de alguém que saiu da rabeira das pesquisas para a vitória. Em uma sala de onde removeu os aparelhos de sua academia particular para acomodar o centro de decisões da campanha, viu decolar a candidatura do capitão, como chama o presidente, em meio a improvisos e picuinhas internas. Garante que nunca foi bolsonarista e que só prestou assistência por ver ali a melhor chance de derrotar o PT e por causa de sua antiga amizade com Gustavo Bebianno, ex-secretário-­geral da Presidência (perdeu o cargo em um confronto com Carlos Bolsonaro). Marinho acabou preterido pelo presidente na repartição de cargos após a eleição e nem sequer foi convidado para a posse. Nesta entrevista a VEJA, na sua sala de estar envidraçada, com vista para um lago de carpas, o hoje presidente do PSDB fluminense, agora empenhado em eleger o governador paulista João Doria ao Planalto em 2022, relembra sua relação com Bolsonaro e expõe sua visão da política atual.

O senhor se arrepende de ter apoiado o presidente Jair Bolsonaro? Um deputado me perguntou recentemente se Bolsonaro foi uma desilusão, e respondi: eu não tinha nenhuma ilusão. Ele era o cara certo na hora certa, por ter captado o sentimento antipetista do eleitorado. Eu estava ali porque achava que a situação do país seria muito pior com a vitória do PT, mas meu voto sempre foi do então prefeito João Doria, que acabou disputando o governo estadual. Lembro que nas aglomerações nos aeroportos, em um primeiro sintoma da viabilidade da candidatura Bolsonaro, as pessoas o chamavam de mito. Eu nunca o vi assim. Quando acabou a campanha, entendi que era hora de cuidar da minha vida.

Como foi seu ingresso na campanha? Tudo começou em novembro de 2017, quando fui procurado por meu amigo Gustavo Bebianno, que queria me apresentar ao capitão. Naquela época, o núcleo duro da campanha cabia em metade de uma Kombi. Estavam muito preocupados com a possibilidade de o processo que envolvia a deputada Maria do Rosário resultar em ficha suja. Bolsonaro até mesmo cogitou renunciar ao mandato de deputado para que a ação voltasse à primeira instância e não interferisse nas eleições. Bebianno me pediu assistência jurídica, e eu prontamente indiquei o advogado criminalista Antônio Pitombo. O capitão me disse que não tinha um tostão para pagar. Eu garanti que ele o atenderia sem cobrar. Como era uma campanha muito pobre de recursos, tive a delicadeza de oferecer a minha casa para ser o quartel-general.

A convivência com o capitão foi tranquila? Tínhamos uma relação muito cordial, mas nunca fomos amigos íntimos. Ele gostava mesmo era de ficar entre os militares, o pessoal do gabinete e seus seguranças. Quando voltou do hospital, após a facada, tirava um cochilo de meia hora depois do almoço no sofá da minha sala de televisão. Entre o primeiro e o segundo turno, chegou a ter 42 pessoas trabalhando em uma sala de ginástica que eu desmontei para acomodar o núcleo da campanha. Era uma romaria de políticos e jornalistas, e todas as conversas aconteciam aqui. O primeiro encontro depois da eleição também foi na minha casa.

“Os filhos não queriam que Bolsonaro apoiasse Rodrigo Maia para a presidência da Câmara. Quando Maia veio conversar, teve de entrar pela porta dos fundos”

O que se conversou na ocasião? Bolsonaro veio como se estivesse em um batalhão de guerra, cercado de seguranças. Foi ali que Onyx Lorenzoni apresentou o projeto de reduzir os ministérios para dezessete. Por que dezessete? Era o número do capitão na campanha. Paulo Guedes aproveitou para pedir para acumular Minas e Energia com a pasta da Economia. Concluiu-se que seria um exagero. Guedes aceitou, bem contrariado.

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O senhor se recorda de algum encontro em especial? Lembro que a primeira conversa entre o pessoal da campanha e o Rodrigo Maia, já presidente da Câmara, teve de ser meio escondida. Ele precisava ampliar sua base de votos para o cargo, e o Bebianno resolveu ajudar. Mas os filhos, especialmente o Carlos, não queriam que o pai o apoiasse, e o Onyx já tinha outro candidato. Quando Maia chegou, entrou pela porta dos fundos para não cruzar com o Onyx.

Como esse núcleo central da campanha recebeu a notícia do atentado? Num primeiro momento, levou um susto, claro. O capitão teve muita sorte de sair vivo. Mas, quando o risco maior passou, foi uma festa. Aquele atentado definiu o rumo da campanha. Ele assumiu a condição de vítima e não compareceu aos debates, nos quais provavelmente sofreria desgaste. Para mim, três pessoas tiveram importância capital na eleição de Bolsonaro: Gustavo Bebianno, o publicitário Marcos Carvalho, responsável pela estratégia nas redes sociais, e Adélio Bispo. O resto é folclore.

Foi mesmo na sua casa que nasceu a proposta de 13º para quem recebe Bolsa Família? É uma história engraçada. Estávamos no meio da campanha do primeiro turno e, de repente, chegou a informação de que o Hamilton Mourão havia dito que o 13º salário era uma jabuticaba. Imagine a rea­ção do capitão. Não vou nem repetir, porque é impublicável. Tive então a ideia de propor um 13º para beneficiários do Bolsa Família, como forma de amenizar o estrago, e a repassei ao Bebianno. Ele ligou para o Paulo Guedes, que fez as contas de quanto isso custaria, achou que cabia no Orçamento e aprovou. No dia seguinte, Bolsonaro veio almoçar em casa e rejeitou o plano, mas depois voltou atrás e mandou o próprio Mourão divulgar. A partir daí, se alguém tinha uma boa ideia, a gente dizia que era “uma ideia para o Mourão”.

Era uma campanha em que reinava o improviso? Por parte do capitão, sim. A GloboNews fez uma entrevista com cada candidato e, no dia da dele, marcamos uma reunião na minha casa, cada um com uma pasta cheia de dados para preparar as respostas. Mas havia um jogo do Palmeiras, e o capitão ligou a televisão para ver. Ele foi para aquela entrevista confiando totalmente na intuição. No fim das contas, saiu-se bem.

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Gustavo Bebianno caiu em poucos meses. Por quê? Ele estava marcado para morrer, estritamente pelo fato de o Carlos Bolsonaro ter pedido sua cabeça. Uma vez, aqui na minha casa, o capitão apontou o dedo para o Bebianno e disse: “Eu não estaria aqui se não fosse aquele cara”. Havia afeto entre os dois. Só ressuscitando o doutor Freud em Viena para entender essa problemática.

O senhor é suplente do senador Flávio Bolsonaro, enrolado em suspeitas de atividades inidôneas quando era deputado estadual. Elas têm fundamento? Não faço ideia. Nós nunca fomos próximos. Sinto apreço por ele e acho que é um jovem político de futuro.

“No dia da entrevista na TV, fizemos uma reunião em casa, cada um com uma pasta de dados. O capitão resolveu assistir a um jogo do Palmeiras. Confiou na intuição e se saiu bem”

Como vai o governo, na sua opinião? Está entregando uma parte do que prometeu, justamente a parte que Bolsonaro não governa. O grupo do Paulo Guedes é um núcleo separado.

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Seu apoio a Bolsonaro rendeu alguma desavença com João Doria? Não, e nem teria por quê. No segundo turno, a eleição em São Paulo ficou apertada, e foi o Doria que me pediu para conhecer o capitão. Marcamos a reunião para o dia seguinte, mas um site vazou o encontro e o Carlos começou a pressionar o pai, dizendo que Doria era um aproveitador e que seria ruim para ele. O cara já estava vindo para o Rio. Corri para a casa do capitão, mas ele foi definitivo: não vou a esse encontro. Doria ficou obviamente frustrado.

De qualquer forma, ele se alinhou com Bolsonaro e fez campanha como “Bolsodoria”. Agora, quer se firmar como um candidato de centro em 2022. Vai dar certo? Essa expressão foi cunhada para o segundo turno. Ele só queria se aliar ao sentimento antipetista que Bolsonaro evocava. Não apenas acredito que Doria será um candidato competitivo, como penso que o centro é justamente o que o eleitorado procura hoje. Em 2022, quem trilhar esse caminho terá mais chances.

Quais serão os adversários dele? Luciano Huck e o governador do Rio, Wilson Witzel. Huck é uma aventura que pode dar certo. Witzel, se continuar fazendo seu trabalho com a segurança pública fluminense, poderá ter o PSL ao seu lado e se capitalizar como liderança política. Existe a possibilidade de que opte pela reeleição e apoie João Doria. Marquei um almoço com os dois no domingo de Carnaval, para aproveitar o clima de festa. Ambos toparam de imediato.

O Rio é o estado cativo do MDB, da esquerda e dos evangélicos. Como fazer o PSDB decolar? As dificuldades são imensas. Nós não temos máquina nenhuma no governo, e as pessoas que dirigiam o PSDB antes de mim eram políticos que usavam o partido para as próprias eleições. Por outro lado, o campo político no Rio está completamente aberto e será construído com novas lideranças. A maioria dos velhos caciques está presa, e os que sobraram não têm relevância.

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O atual prefeito, Marcelo Crivella, e o anterior, Eduardo Paes, não são relevantes? Crivella não. Ele foi um desastre para o Rio. Não gosta de ser prefeito. Para o mau governante, quatro anos é muito tempo, e no caso dele está parecendo uma eternidade. Já o Paes foi um grande prefeito e é a única liderança que restou. Se ele for para o segundo turno e nós não, fatalmente caminharemos na direção dele.

E Marcelo Freixo, do PSOL? A esquerda não tem um público cativo no Rio? Ele se desgastou muito. Será sua terceira tentativa, dizendo as mesmas coisas. Não emocionou a população antes e não vai conseguir agora.

Tem saudade da sua cozinheira, que Bolsonaro contratou? Saudade, sim, mas nenhuma mágoa. Ele deve estar comendo muito bem, porque a Rainê é maravilhosa, estava em casa havia 25 anos e viu meus filhos nascer. Fará grande diferença para quem vivia comendo pão com leite Moça. Espero que aproveite.

Dizem que o senhor se aproxima de políticos para obter vantagens. O senhor é lobista? Eu sou um sujeito que passou a vida trabalhando na iniciativa privada. Nunca tive cargo público. Nunca vendi ao governo nem comprei dele. Se houve algum lobby, foi na iniciativa privada. As duas coisas que me orgulho de ter feito na vida são amigos e a boa intriga.

Publicado em VEJA de 19 de fevereiro de 2020, edição nº 2674

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