“Não digo sim para tudo”, afirma Eduardo Paes sobre governo Lula
Aliado do presidente, prefeito do Rio tece críticas a quadros da gestão petista e conta que já começou a corrida para vencer o bolsonarismo em seu berço

Em seu terceiro mandato como prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, 53 anos, se lançou a fazer costuras para ajudar o governo Lula a ampliar sua base de apoio. Ainda que não tenha emplacado quadros em cargos-chave de seu partido, o PSD, ora pende para o lado petista, ora para o da oposição, Paes diz manter relação de alta confiança com o presidente. Com três décadas de política, ele ganhou envergadura nacional na época em que um efervescente Rio se preparava para sediar a Olimpíada de 2016. Logo viria a experimentar tempos menos amigáveis, ao perder o pleito para o governo do estado e ser enredado na Lava-Jato por um ex-aliado. Às voltas com uma batalha pessoal para subtrair os quilos que ganhou em uma temporada morando nos Estados Unidos (perdeu 20 em três meses e mira mais 5), nesta entrevista a VEJA, concedida em seu gabinete, ele falou do distanciamento do ex-governador Sérgio Cabral e afirmou: “Quero bater o recorde de mandatos como prefeito do Rio”.
O senhor andou disparando críticas contra Bernard Appy, o secretário do Ministério da Fazenda, e, mais recentemente, contra Alexandre Telles, o presidente do Sindicato dos Médicos, que assumiu o comando dos hospitais federais no Rio. O governo Lula tem errado? Só para deixar claro: minha relação com o presidente é excepcional, tanto assim que a primeira visita que ele fez depois da vitória foi ao Rio. Agora, não quer dizer que eu vá bater palmas para tudo e achar que ele pensa igual a mim. No caso dos hospitais federais, acredito até que Lula concorde comigo quanto à escolha para o comando da rede de hospitais mais importante do país. Fiz o comentário porque quero proteger a ministra da Saúde, Nísia Trindade. Sou político, ela é política, e creio que deveria ter liberdade para escolher sua equipe, o que não parece que aconteceu.
Tinha a expectativa de nomear alguém de sua confiança para o cargo? Não pedi nada, não nomeei nem quero nomear ninguém.
Por que, afinal, não compareceu à posse do presidente? Não sou muito ligado a essas cerimônias em Brasília, acho chatas. Não pretendia nem ir à diplomação, mas aí o presidente me ligou, dizendo: “Eduardo, você ainda não confirmou presença”. Convocado, compareci ao coquetel. Depois, não fui à posse porque participei da festa de réveillon no Rio, tocando tamborim com o Zeca Pagodinho. Fiquei me perguntando: “Será que o Lula vai notar a minha falta?”. Não notou. Quando veio ao Rio, contei que havia faltado à posse, ele ficou surpreso e brincou: “Então não devia ter me dito agora”. O que eu quero mesmo é encontrá-lo quando ele tiver com saudade de mim e a caneta cheia de tinta para preencher cheques para a cidade. Isso, sim, vou cobrar.
“Não cometo o erro de achar que todos os eleitores de Bolsonaro são golpistas. Muitos apenas não gostam do Lula ou do PT. Mas, em 2024, se depender de mim, o bolsonarismo será derrotado”
Concorda com as últimas movimentações de Lula no campo econômico? É muito cedo para fazer qualquer julgamento sobre a política econômica. O ministro Fernando Haddad tem dado os sinais corretos, na busca pelo ajuste fiscal. Sobre a taxa de juros, é um direito do presidente manifestar seu incômodo. As pessoas acabam superestimando essas declarações. O presidente do BC não mudará sua posição em razão de uma fala presidencial.
O senhor trocou sete vezes de partido, sendo abrigado em siglas de diferentes matizes ideológicos. Nesse momento, está pendendo para a esquerda? Não. Me considero de centro. Nunca fui, por exemplo, a favor do teto de gastos. Sob o ponto da política fiscal, ele poderia sinalizar algo positivo, mas trouxe enormes dificuldades na prestação de serviços para estados e municípios.
Seu partido, o PSD, aderiu ao governo Lula, mas o presidente da sigla, Gilberto Kassab, se tornou o principal articulador político do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, um dos herdeiros do bolsonarismo. Não é uma incoerência? Logo que a eleição acabou, participei de um jantar do partido em Brasília e defendi apoio formal ao governo, o que acabou acontecendo com a concordância de todos, inclusive do Kassab. É importante ressaltar que o PSD sempre foi independente e jamais integrou a base do governo Bolsonaro. O ex-ministro das Comunicações, Fábio Faria, até se licenciou do partido quando assumiu o cargo na gestão anterior. Dito isso, é preciso compreender que cada estado apresenta suas circunstâncias políticas.
O governo Lula vem se esforçando para ampliar sua base, costurando inclusive com quem apoiou Jair Bolsonaro no passado recente. O senhor participa dessas articulações? Faço e farei o que tiver a meu alcance para ajudar o Lula a ampliar sua base. Foi um gesto nobre do presidente chamar os governadores para conversar depois dos ataques de 8 de janeiro, em Brasília. Eu poderia ficar enciumado, já que ele recebeu o Cláudio Castro (governador do Rio) antes de mim, mas achei bom, porque abre a possibilidade de trazer à mesa pautas em comum. Sempre falei para o Cláudio: “Você vai ver, vai ficar feliz com a vitória de Lula. Vamos ter um presidente com visão federativa”. Não tenho a menor dúvida de que, nesse momento, ele ganha mais se aproximando de Lula do que de Bolsonaro, que nunca fez nada pelo estado.
Castro cogitou sair do PL. É verdade que o senhor o convidou a migrar para o PSD? Convidei. Disse claramente que o PSD estaria de portas abertas para recebê-lo. Ele agradeceu, mas preferiu, por enquanto, ficar no PL.
Um movimento polêmico para expandir a base do governo foi a nomeação de Daniela Carneiro (União Brasil-RJ) para o Ministério do Turismo, uma vez que logo veio à tona que ela e o marido, o prefeito Waguinho, mantêm elos com integrantes de milícias. Foi um equívoco alçá-la à Esplanada? A minha experiência com a deputada é a melhor possível. Conheço bem a família. Waguinho é prefeito de Belford Roxo e me apoiou em 2018, quando concorri ao governo do estado. Confio na Daniela e acho que fará excelente trabalho. Nós que estamos na vida pública ficamos sujeitos a ataques assim.
Apesar da derrota no pleito presidencial, Bolsonaro demonstrou força no Rio e obteve uma vitória relevante em seu berço político. Como pretende lidar com essa numerosa ala de eleitores? Não acho que todos os eleitores de Bolsonaro sejam golpistas. Esse erro eu não cometo. Tenho amigos que votaram no ex-presidente e respeito suas escolhas. Muitos simplesmente não gostam do Lula ou do PT. O próprio presidente da Câmara, Arthur Lira, apoiou Bolsonaro e defende a democracia. Mas, em 2024, se depender de mim, o bolsonarismo será derrotado na corrida para a prefeitura.
O senhor não planeja dar um voo para além da prefeitura? As pessoas veem quase como uma obrigação eu tentar uma reeleição para me candidatar ao governo do estado. A verdade é que eu adoraria ser reconduzido à prefeitura e bater o recorde de mandatos, com quatro eleições vitoriosas. É claro que a política é construída diariamente em função das circunstâncias, então o jogo muda. O que está no horizonte agora é 2024, o resto é futurologia.
O ex-governador Sérgio Cabral, que teve a prisão domiciliar relaxada, disse a amigos guardar mágoas do senhor, que já foi seu aliado. Elas se justificam? Não fui informado de qualquer mágoa dele em relação a mim, nem acho que há razão para isso. Não falei com Cabral e não pretendo falar. É um réu confesso e meu papel não é defendê-lo nem acusá-lo. O meu compromisso com amigos e aliados sempre se deu na defesa do interesse público. Nunca terão minha solidariedade aqueles que cometerem atos ilegais.
O senhor entrou com um processo no Conselho Nacional de Justiça levantando a suspeição do juiz Marcelo Bretas, responsável pelo braço da Lava-Jato fluminense. Não o considera imparcial? Eu dei um depoimento a ele, na condição de testemunha, no processo que apurava a atuação de meu ex-secretário de Obras, Alexandre Pinto, pego em irregularidades. Ali, observei a ação de um juiz que entrava em temas que não tinham nada a ver com o caso, praticamente me acusando de coisas que não fiz. Tudo isso às vésperas de uma eleição (a de governador, em 2018) disputada pelo ex-juiz Wilson Witzel, cuja amizade com Bretas é notória. Witzel acabou ganhando.
“Não acho incoerência o PSD se aliar a Tarcísio de Freitas em São Paulo e negociar apoio a Lula no plano nacional. Todos no partido concordam com isso. Cada estado tem suas circunstâncias”
Como o senhor se defende das acusações de seu ex-secretário de que teria recebido propina? É um absurdo total. Quem conferiu certo equilíbrio ao caso foi o Ministério Público. Surpreendido com as supostas revelações bombásticas de Pinto, o procurador lhe perguntou se ele havia presenciado os acertos para pagamento de propina a mim. Pinto respondeu que tinha apenas ouvido falar do assunto e isso me inocentou. Sigo confiando que ficará comprovado que Bretas agiu para beneficiar o amigo Witzel.
As falcatruas de seu secretário, réu confesso, nunca chamaram atenção? Ninguém envolvido na fiscalização dos contratos detectou seus delitos. Nem mesmo eu. Mas a responsabilidade pela nomeação foi minha e nunca vou fugir disso.
Muita gente critica o legado da Olimpíada no Rio, por não ter trazido os tão alardeados avanços para a cidade. O que deu errado? Veio a trágica administração de Marcelo Crivella e deixou tudo parado. Mas o balanço, ainda que com o atraso, hoje é bom. Os jogos do Rio foram os mais baratos da história e, no final, não se deixou elefantes brancos, ao contrário do que se diz por aí. O campo de golfe foi concedido à iniciativa privada, a piscina de Deodoro está sendo usada pela população mais pobre, arenas serão transformadas em escolas. Sempre disse que os jogos representariam uma virada para o Brasil, mas aí o país foi para o buraco, arrastado pela maior de todas as crises econômicas e de reputação. Não se pode culpar a Olimpíada por isso.
O que o Carnaval deste ano, com tantos números superlativos de foliões e turistas, depois da pandemia, sinaliza sobre o atual momento político do país? Foi uma grande celebração da democracia, depois de um período de ameaças autoritárias, em que as instituições precisaram demonstrar sua força. Ainda serviu de palco para o povo extravasar a euforia represada. No primeiro semestre de 2020, nos perguntávamos se voltaríamos a ter um Carnaval em que pessoas se encontram, se abraçam, se beijam. E, agora, fomos tomados por esse sentimento de liberdade.
O Cristo Redentor voltará a decolar, como nos áureos tempos olímpicos? Eu torço e trabalho para que isso aconteça. Quando o Cristo decola, o Brasil inteiro vai junto.
Publicado em VEJA de 1º de março de 2023, edição nº 2830