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‘Lula não nos entende’, diz Gilberto Nascimento, presidente da bancada evangélica

Deputado afirma que, se o governo quiser mesmo o apoio do segmento que já representa quase um terço da população, precisa mudar muito sua agenda

Por Ricardo Ferraz Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 27 jun 2025, 10h53 - Publicado em 27 jun 2025, 06h00

O deputado federal Gilberto Nascimento (PSD-SP), 68 anos, foi um dos primeiros da igreja evangélica a ser eleito no país, estreando como vereador em 1983. Àquela altura, a participação desse segmento religioso não passava de 6,5% da população, fatia acanhada frente aos atuais 28%. Foi no gabinete de Nascimento que nasceu a ideia da Marcha para Jesus, impulsionadora de novos fiéis, cuja última edição, no dia 19, arrastou centenas de milhares às ruas do país. Sua reconhecida capacidade de articulação acabou sendo decisiva para alçá-lo à presidência da Frente Parlamentar Evangélica (FPE), poderosa força no Congresso, que agrega 202 deputados e 26 senadores. No início do ano, a bancada recorreu de forma inédita a uma eleição para o posto, por causa de cisões dentro do campo bolsonarista. Nascimento, que é da Assembleia de Deus, venceu, com o apoio até de petistas. Nesta entrevista concedida a VEJA, o advogado e ex-delegado de polícia é enfático ao afirmar que a agenda da esquerda é incompatível com o pensamento evangélico e que acha “muito difícil” reverter isso.

Em sua visão, por que o presidente Lula encontra resistências junto ao eleitorado evangélico? Lula faz um governo que, infelizmente, é muito diferente do que nós, evangélicos, pensamos. Olhe a pauta internacional. Ela acaba sendo muito simpática a inimigos de Israel, como a Venezuela e o Irã, nações que historicamente perseguem cristãos. Alguém pode até dizer: “Mas o Lula prega a liberdade religiosa”. Só que, ao mesmo tempo, ele apoia países que não agem dessa forma. E isso ecoa no eleitorado.

Em passado recente, o PT já teve o apoio dos evangélicos. O que mudou? Os evangélicos vão ao mercado, ao posto de gasolina, e constatam que a situação econômica está difícil, que os preços estão aumentando. Essa é uma questão mais geral, que atinge todos os brasileiros. Além disso, Lula demonstra dificuldade de entender esse eleitorado. Quando surgiu Bolsonaro, com um discurso mais conservador e afinado com a cabeça evangélica, muita gente se ligou a ele e deixou Lula de lado.

Para reverter a situação, o PT está promovendo até um curso para ajudar seus quadros a falar à fatia evangélica. Acredita que pode ser exitoso? É natural que o partido tente se aproximar do segmento, dado seu crescimento, mas não creio que surta resultado. Estamos tratando de um grupo inteligente, que sabe muito bem quão difícil é para uma legenda mais liberal na agenda dos costumes ir a uma igreja e dizer: “Agora nós estamos nos mexendo para falar com você, fiel”. Não vai funcionar. Uma coisa é quando você é irmão, tem certos compromissos e responsabilidades. Outra, é mudar a linguagem, mas seguir na mesma tecla ideológica.

“Não adianta o PT chegar à igreja e dizer: ‘Agora nós estamos nos mexendo para falar com você, fiel’. Não basta mudar a linguagem e seguir na mesma pauta e na mesma tecla ideológica”

O senhor acha, então, que as pontes com a esquerda foram queimadas? Não. Na Frente Parlamentar Evangélica sempre trabalhamos para que se construam pontes, e não muros. Mas o governo precisa ter outra postura. Infelizmente, alguns ministérios acabam acenando para pautas que são muito contra nós, como a questão da legalização do aborto, das drogas, dos jogos de azar e da terapia hormonal para crianças mudarem de sexo. O fato de a bancada governista se posicionar a favor de temas como esses nos agride. E, diante do que enxergamos como ataque, vamos sempre reagir.

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Não é a bancada evangélica que entra em rota de colisão com o governo ao tentar limitar, por exemplo, as opções de aborto em caso de estupro, conforme prevê a lei? Não dá para uma menina grávida de oito meses chegar ao hospital e dizer que foi estuprada e querer tirar a criança. Por que demorou tanto tempo para informar que foi violentada? Há casos em que a moça namora o rapaz, mas, quando ele fala que não vai cuidar do filho, ela alega que é vítima de violência sexual. Por isso, defendemos um limite de noventa dias para o aborto nesses casos.

Representantes da FPE também tentaram mudar uma resolução do STF que permite a união civil entre homossexuais. Sob sua presidência, a bancada seguirá em ferrenha oposição a essa pauta? A tendência é respeitar tudo aquilo que já vigora hoje, inclusive com o crivo do Supremo. Não estamos lá para conturbar. Agora, não podemos entender que qualquer pauta nesse campo seja normal e esteja dentro da legalidade. No caso do aborto, eu acho que o vento sopra muito favoravelmente para que a gente vá restringindo a prática. Quanto a outros assuntos, tenho conversado com os deputados para conhecer a opinião da maioria e juntos decidirmos para que lado vamos.

Por que líderes de grandes denominações evangélicas têm se mobilizado em prol da anistia aos réus e condenados pela tentativa de golpe em 8 de janeiro de 2023? Esse movimento não é pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, mas para fazer com que haja uma dosimetria mais adequada das penas. É questão de Justiça. Em acampamentos nas portas dos quartéis, vi donas de casa, jovens, aposentados, gente muito calma, muito tranquila. É complicado dizer que todos estavam ali para quebrar tudo e derrubar o novo governo. Essas pessoas estavam expressando sua insatisfação com o resultado das eleições, o que é direito delas. Não se pode dar uma pena de catorze, quinze anos de prisão mesmo para aqueles que não causaram danos ao patrimônio.

O senhor defende o perdão a Bolsonaro e outros réus do núcleo político que enfrentam processo no STF? Nenhum deles foi julgado ainda e a lei vale para quem foi condenado. Na minha forma de ver, Bolsonaro não praticou nenhum crime.

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Por que os evangélicos costumam votar de maneira mais coesa do que qualquer outro grupo? Tem a ver com a própria dinâmica da comunidade evangélica. É um público que se reúne pelo menos uma vez por semana nos cultos e nas atividades da igreja. Eles conversam, debatem temas relevantes e fazem avaliações daqueles que podem, ou não, nos governar.

Eleger um presidente evangélico ainda é um projeto político da Frente? Claro que a bancada evangélica gostaria muito disso, mas nós precisamos de alguém que, independentemente de religião, tenha respeito pelo nosso povo e pautas claras sobre o futuro do Brasil.

E quem seria hoje essa pessoa? Há uma grande diversidade de potenciais candidatos. O quadro será definido somente a partir do ano que vem.

O Brasil está mais conservador? O país sempre foi conservador. Alguns grupos tentaram avançar com uma agenda mais progressista, mas a grande maioria segue conservadora. E isso chama a atenção entre os eleitores, especialmente sensíveis a questões ligadas à família. Quando um candidato fala de mudança de sexo de uma criança, a pessoa logo se coloca contra e se posiciona em favor da família tradicional, da ideia de que o menino nasceu menino e a menina nasceu menina.

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O senhor vê algum tipo de exploração mercantilista da fé por parte de certas denominações evangélicas, onde pastores adotam até discurso de coach? A teologia não tem nada a ver com a filosofia coach. É claro que o evangélico tem que viver aqui na Terra e possuir bens materiais, como um bom carro e uma boa casa. Mas é evidente também que isso depende da vontade de cada pessoa. Se houver gente pregando apenas com foco no que é material, considero lamentável. Esses pastores estão cometendo um forte pecado e vão pagar um preço alto por isso na eternidade.

O IBGE mostrou recentemente que a população evangélica segue avançando, mas o ritmo deu uma arrefecida. O que levou a essa desaceleração? Qualquer pessoa que anda pelas periferias dos grandes centros urbanos observa uma grande quantidade de gente com sua Bíblia debaixo do braço, indo às igrejas. Acho que esses números do IBGE não refletem a realidade. Pela minha experiência, eles são bem maiores.

O senhor está dizendo que o Censo errou? Eu não sei se os recenseadores conseguiram chegar às comunidades mais periféricas das metrópoles ou até mesmo às pequenas cidades. Mas, ainda que o Brasil tenha os 28% de evangélicos divulgados oficialmente, e não os mais de 30%, em que eu acredito, já é um aumento considerável. Nenhuma outra religião cresce tanto no país.

“As pessoas já não aceitam mais a pressão do pastor. Costumo dizer para colegas da política que, se forem aos templos achando que eles vão garantir votos, correm o risco de perder eleitores”

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A politização vista no púlpito pode estar espantando fiéis que preferem não misturar as coisas? Não vejo pastores pressionando ninguém, até porque as pessoas já não aceitam que isso ocorra. Costumo dizer para colegas da política que, se forem aos templos achando que o pastor vai garantir votos para eles, correm o risco de perder eleitores. Os indivíduos estão lá com outro objetivo, movidos pela fé. Eu nasci no púlpito, mas nunca usei isso com fins políticos. Ainda são poucos os que fazem isso.

Ser um alto quadro da Assembleia de Deus não o ajudou politicamente? Entendo que seja natural que os fiéis da igreja passem a ter em mim um referencial e que isso exerça um peso no momento da eleição.

Uma porção cada vez maior de candidatos se identifica como pastor ou líder religioso. Esses não estão fazendo claro uso político da igreja? É um ciclo natural. O candidato é próximo dos fiéis, que acabam lhe dando seu voto como uma espécie de procuração a alguém em quem confiam.

Acredita que o Brasil se tornará majoritariamente evangélico? Em algum momento, seremos mais de 50%, com certeza. A força da igreja evangélica vem do fato de os fiéis terem ali uma conexão com Deus mais direta, sem intermediários. Além disso, são as únicas a acolher as pessoas, se voltando para uma comunicação mais fácil e inclusiva, com um forte olhar para a assistência social e males da vida real, como a dependência química. Quando eu era jovem, pegava uma Kombi com um amigo, um aparelhinho de som a tiracolo, e fazíamos nossas preleções no centro de São Paulo, convidando gente a ir ao culto. Quem estava largado na cidade, morando longe da família, aparecia. E assim a igreja foi crescendo e, garanto, não vai parar.

Publicado em VEJA de 27 de junho de 2025, edição nº 2950

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