Galvão Bueno: “Não vou me aposentar”
O narrador esportivo número 1 do Brasil admite que fala demais e revela projetos para quando deixar as transmissões da TV aberta, depois da Copa do Catar
Carlos Eduardo Galvão Bueno, o narrador mais conhecido do Brasil, entrou no universo das transmissões esportivas por força de uma aposta: aos 23 anos, venceu um concurso de comentarista feito pela Rádio Gazeta, de São Paulo, só para convencer seu sócio em um escritório comercial que vendia embalagens de que entendia de esportes. Contratado pela rádio, Galvão abandonou o negócio e também os treinos de basquete, modalidade em que tentava crescer como profissional. De lá para cá, a voz empolgada do narrador se fez ouvir em onze finais de Copa do Mundo e diversas Olimpíadas, corridas de Fórmula 1 e campeonatos nacionais de futebol. Dono de um dos maiores salários da TV brasileira, o que lhe permitiu adquirir hábitos caros, como golfe, vinhos e cavalos, Galvão vai desligar o microfone após a final do Mundial do Catar e está cheio de planos para a vida pós-transmissões. Nessa entrevista, que concedeu de sua casa em Londrina por videoconferência, ele fala da sua trajetória, dos novos projetos e, como não podia deixar de ser, da seleção brasileira.
Como se sente pendurando a chuteira? Na verdade, vou virar uma página, mas o livro continua aberto. Eu paro de fazer narrações em TV aberta e isso é definitivo. Meu último jogo será a final da Copa do Catar, que espero ter a presença da seleção brasileira. Mas não vou me aposentar. Seguirei tendo projetos na Globo. Não vou me desligar totalmente da empresa.
O que vem por aí? Já está em produção uma série sobre a minha vida, cinco episódios na Globoplay rememorando alguns momentos marcantes. Gravei no Rose Bowl, o estádio do tetracampeonato mundial da seleção, e no Coliseum de Los Angeles, onde narrei a minha primeira Olimpíada, em 1984. Outros projetos estão em estudo. O que posso garantir é que não vou para nenhuma outra emissora, embora tenha tido propostas.
De quem? É fácil imaginar. Meu time inteiro foi para a Band transmitir a Fórmula 1 e eu fiquei. O fato é que a Globo é a minha casa. Me dou ao direito até de me sentir um pouco parte da família Marinho.
Como foi a conversa em que acertou sua saída das narrações? No final da Copa de 2010, na África do Sul, disse no ar que não me via fazendo mais copas do mundo fora do Brasil, dado que o Mundial seguinte seria em nosso país. Imaginava que iria até a Olimpíada do Rio, em 2016, e fecharia um ciclo. Mas houve mudanças na direção da empresa, pediram para eu ficar mais um pouco e atendi. A verdade é que eu já vinha amadurecendo havia algum tempo a ideia de parar de narrar.
Sabe o que vai falar na despedida? Será minha 13ª Copa, não há ninguém no mundo que tenha feito algo semelhante. Tenho a sensação de que vão preparar alguma surpresa. É claro que vou me emocionar e seguramente chorar. Mas não planejei nada, vou falar com o coração.
“Meu time inteiro foi para a Band transmitir a Fórmula 1 e eu fiquei. O fato é que a Globo é a minha casa. Me dou ao direito até de me sentir um pouco parte da família Marinho”
O senhor se notabilizou por fazer transmissões das mais variadas modalidades esportivas. Terá um sucessor assim na Globo? Me perguntam muito se vai ter um novo Galvão. Respondo que não, eu fazia coisa demais, do Campeonato Paulista à Fórmula 1. Mas não faltariam nomes. Vários profissionais da Globo, como o Luís Roberto e Cléber Machado, são narradores esportivos e não meros locutores de futebol.
Qual dos dois será seu substituto nas transmissões mais importantes? Isso é a Globo que decide, não vou interferir nessa escolha. Mas basta prestar atenção em quem fará o primeiro jogo da seleção depois que eu parar.
Como vê as mudanças que estão surgindo na transmissão esportiva, com a entrada de jovens talentos da internet? Tudo mudou depois do YouTube e das redes sociais, principalmente no mundo das comunicações. Se alguém está fazendo diferente e tendo sucesso, mesmo sem dominar os fundamentos técnicos de uma transmissão, acho bacana. Mas ainda considero que uma narração esportiva é parecida com um desfile de escola de samba. Você precisa entender o enredo, a história que está sendo contada, e passar isso ao espectador.
Os bordões que se tornaram sua marca registrada são criados de que forma? Invento tudo na hora, em decorrência de algumas situações. Tinha uma época em que o Taffarel não saía do gol nos cruzamentos do adversário e isso me dava um desespero enorme. A vontade era dizer “Sai da porra do gol”, mas não dava, então criei o “Sai que é sua, Taffarel”. Não sei se ele mudou de atitude por minha causa, mas pode ter se tocado. A curiosidade engraçada é que Taffarel tem um papagaio que repete o bordão.
Esse seu jeito também atrai críticas e gozações, como o “Cala a boca, Galvão”, que viralizou em 2010. Isso o incomoda? O meu amigo Ayrton Senna me chamava de papagaio. Nunca entendi bem o motivo. Falando sério, admito que devo ter falado um pouco demais na abertura da Copa naquele ano. Também teve um cara de um site de humor que fez um vídeo dizendo que Galvão era um pássaro em extinção e a fake news foi parar na capa do jornal espanhol El País. Até a Madonna tuitou Save the Galvão Bird. Essa eu confesso que me assustou. Fizemos uma reunião com os chefes da Globo e resolvemos assumir a brincadeira.
E hoje, como é virar meme? Lido bem com isso. Depois da Olimpíada de Tóquio, em que fui filmado dentro da cabine narrando os principais feitos dos atletas brasileiros, virei o tiozão fofo da internet. O novo capítulo da minha vida que está para se abrir é totalmente voltado para as redes sociais. Não vou me transformar em youtuber, mas pretendo ser uma espécie de publisher, produzindo conteúdo para plataformas digitais. Na essência, continuo o mesmo papagaio de sempre. Estou sempre no fio da navalha, me equilibrando entre a emoção que quero passar ao telespectador e a realidade dos fatos. Nunca deixei de dizer se alguém jogou mal ou bem.
Mas falam que um comentário negativo ou positivo seu pode ser crucial para um jogador ser convocado para a seleção, por exemplo. Não acho que tenho esse poder nem que o jogador possa imaginar que isso aconteça. Seria uma grande falta de consideração para com o técnico da seleção. Ele não pode se basear na opinião de comunicadores.
O senhor nunca escalou jogador para a seleção? Nunca, mas tem uma história engraçada com o Felipão. Na Copa de 2002, ele pediu para tomar um vinho no meu quarto e disse: “Pode colocar no teu jornal que seu jogador vai estar em campo amanhã”. Deixei claro que não era pai de atleta, presidente de clube ou empresário para ele falar daquele jeito. Aí o técnico retrucou: “Não sabe que eu convoquei o Kaká porque não aguentava mais meu filho em casa e você na TV repetindo o nome dele?”. Essa parte era brincadeira, claro. Ele só queria me adiantar um nome na escalação.
Sua relação com Felipão ficou estremecida depois do 7 a 1, não? Ele diz que eu apontei o dedo do torcedor contra ele com meu comentário. Mas foi um editorial, não uma mera opinião. O texto que li foi escrito a oito mãos por mim e três diretores da Globo. Já o procurei, mas ele nunca mais falou comigo. Na antevéspera da partida, fizemos uma entrevista ao vivo e quis saber como a seleção atuaria sem Neymar, machucado, e sem o capitão Thiago Silva, suspenso. Ele disse que o Brasil não mudaria o jeito de jogar e que tinha várias opções para substituir Neymar. A minha vontade era falar: “F…”. Foi um gol atrás do outro, uma coisa surreal. Acabei criando o “Virou passeio”, um bordão que espero nunca mais repetir na vida.
E para 2022, qual sua expectativa? Estou muito otimista. Temos uma geração de jovens jogadores de ataque que não se via fazia tempo no Brasil: Raphinha, Antony, Vini Jr. e o Pedro, que é o nosso Lewandowski. E temos bons goleiros, uma bela dupla de zaga, com Marquinhos e Thiago Silva, e Neymar para tocar a bola para essa garotada que está voando. Agora, o sorteio complicou a situação. O Brasil deve passar bem a primeira fase, mas as chaves da segunda permitem cruzamentos com Portugal, Uruguai, Alemanha, Espanha, França, Inglaterra, Holanda e Argentina. Para ser hexa, a seleção terá de encarar a Copa mais difícil que já disputou.
“Tive convites, mas nunca pensei em me tornar político. Agora, tenho minhas convicções. Sou um democrata e, como tal, fico triste com a polarização política atual”
Neymar tem condições, principalmente psicológicas, de liderar a seleção? Em 2014, ele saiu com uma fratura na coluna e, em 2018, estava se recuperando de outra no pé. Chegou aos meus ouvidos que, após a eliminação para a Bélgica, ele disse ao Tite que o resultado seria outro se estivesse bem fisicamente. Neymar está fazendo um excelente início de temporada na França e tem potencial para ser o melhor jogador da Copa. Torço muito para que isso aconteça.
Qual sua opinião sobre o VAR? Não podemos ir contra a modernidade, é importante ter o apito eletrônico. Mas precisa ser do jeito que é? Cinco minutos para ver se foi gol ou não? Em caso de impedimento, discute-se se o ombro do atacante está centímetros à frente do pé do zagueiro. O VAR é chato para caramba.
O senhor gosta de futebol, mas já disse que ama mesmo o automobilismo. Por quê? Na minha primeira transmissão pela Globo, no GP da África do Sul, errei o vencedor por causa das paradas nos boxes. Achei que era a última, mas o Boni me deu uma segunda chance. É preciso informação, proximidade e conhecimento para identificar a tática das equipes e traduzir o que está acontecendo na pista. Essa necessidade faz a coisa ser mais prazerosa do que no futebol.
O senhor já recebeu propostas para se candidatar a cargo público? Tive alguns convites, mas jamais pensei em me tornar político. Agora, tenho minhas convicções. Na juventude, participei ativamente do movimento estudantil e sei o que foram o golpe de 64 e a ditadura militar. Sou um democrata e, como tal, fico triste com essa polarização política atual.
As campanhas publicitárias se tornaram uma fonte de renda importante? Negociei minha liberação para fazer publicidade pessoalmente com Robertinho Marinho, e isso se tornou possível graças à separação entre esporte e jornalismo. Não sendo apelativo, sem envolvimento ideológico, não vejo problema em fazer.
Seu cachê é um dos mais caros do mercado? Só digo que ganho mais do que preciso e menos que mereço.
Publicado em VEJA de 21 de setembro de 2022, edição nº 2807