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Fátima Bernardes: ‘Há vida fora da Globo’

Um dos rostos mais conhecidos da TV brasileira conta como está se reinventando na internet, virada sobre a qual começou a refletir depois de um câncer

Por Sofia Cerqueira Atualizado em 14 jun 2024, 11h24 - Publicado em 14 jun 2024, 06h00

Pela primeira vez em quase quatro décadas de carreira, a apresentadora Fátima Bernardes, 61 anos, experimenta a vida longe da TV, uma reviravolta que não lhe traz angústia, mas uma rara sensação de liberdade. Não é a primeira virada radical que ela dá — deixar o Jornal Nacional, em 2011, migrando para a área do entretenimento com o programa Encontro, foi decisão dura, muito pensada e que despertou críticas, até ser digerida. Agora, o movimento se aprofunda, longe da emissora que lhe deu projeção nacional e estreando num ambiente em que aprende a caminhar — a internet, onde terá seu próprio canal no YouTube, um projeto da produtora Play9 em parceria com o Comitê Olímpico do Brasil (COB). Por lá, e sem a estrutura de antes, cobrirá a Olimpíada de Paris. Fátima não descarta a televisão (trabalha inclusive num programa em análise na Globo), mas jornalismo, nunca mais. “Hoje me dou o direito de fazer o que eu quero”, diz nesta entrevista concedida num café da Zona Sul carioca, em que fala da revoada dos trigêmeos de 26 anos e do preconceito do qual foi alvo por namorar um homem 25 anos mais jovem.

A senhora recém-anunciou o lançamento de um canal no YouTube. Falta espaço na TV? Não, mas mudou ali a forma de trabalhar. Com os atores, agora sem contratos fixos, o sistema é o autor ou o diretor convidar. Já comigo, funciona na base de projetos — eu chego com a ideia, eles aprovam ou não. Por aí, acho que tem espaço. No caso da Olimpíada, não havia a perspectiva de ir a Paris pela TV, e veio a proposta no YouTube. Acabou sendo o que motivou minha transição para o digital. Mesmo que retorne à televisão, é um caminho sem volta.

A ideia é fazer na internet um programa de entrevistas como o Encontro, no qual esteve à frente até 2022? Estou em fase de aquecimento, mas será algo bem variado. Nesse período pré-­olímpico, a ideia é pôr no ar entrevistas com atletas e familiares. Mas já fiz aparições mais soltas — numa delas, até mostrei como crio minha maquiagem. Deu tanta audiência que vou repetir.

Muito se especulou sobre ter se arrependido de deixar o programa matinal da Globo. Procede? De jeito nenhum. Quando decido, é porque já pensei muito, não é por impulso. O Encontro deu certo, tanto que segue no ar. Só que, depois de uma década, não ambicionava mais aquilo. Não quero mais nada que me vincule ao jornalismo. Cansei de entrevistar mães de crianças que foram mortas pela polícia, vítimas de tragédias. Essa contribuição eu já dei. Foram 35 anos nessa dureza. Hoje, só quero mesmo o entretenimento.

Em dezembro, seu contrato, que havia passado a ser por obra, não foi renovado. Guarda mágoa? Não tenho nenhum sentimento de que fui traída. Desde que assinei contrato por obra, sabia quando terminaria. Falam muito que fulano e sicrano foram demitidos da Globo, mas não há nada de pessoal aí. A dinâmica é que está diferente, e as novas regras são transparentes. E há o outro lado: se não tem contrato em vigor, fica livre para fazer o que quiser.

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Há vida boa fora da Globo? Sim, há muita vida fora da Globo. Claro que depende do que se está disposto a fazer, de como cada um se posiciona. Aprendi cedo, com meus pais, que o maior patrimônio de uma pessoa é o nome. Cuido dele, é a minha marca. Sempre procurei fazer com que o público me visse sob diferentes ângulos.

“Não quero mais nada que me vincule ao jornalismo. Cansei de entrevistar vítimas de tragédias. Foram 35 anos nessa dureza. Hoje só me interessa fazer entretenimento”

Bateu um vazio fora do ar? Não. Até pensei em tirar um ano sabático, mas surgiu o convite para o YouTube. Na verdade, nem sei se conseguiria. O trabalho tem peso importante para mim, e minha vida ficaria limitada sem ele. Não penso em parar. A diferença é que, agora, me dou o direito de acordar mais tarde, tenho liberdade para viajar, faço aulas de dança e natação.

Como será sua cobertura da Olimpíada em Paris? Bem diferente das que eu já fiz. Os vídeos não têm duração exata nem pautas rígidas. Será o meu olhar sobre o evento. Posso entrevistar a família de um atleta, mostrar a rotina de bailarinos na cidade, visitar uma livraria. São dois programas semanais, talvez três. Vou experimentar uma liberdade que não tinha na TV.

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Assusta o fato de não contar mais com o nome e a estrutura da Globo? Não. O posto de apresentadora entrou logo na minha vida, aos 26 anos, mas sempre acumulei a função com reportagens. Por mais que imaginem que havia uma estrutura gigante por detrás, quando estava numa pauta, na rua, era só eu, o cinegrafista e o operador de áudio. Em Paris, terei um câmera.

No projeto Paris É Brasa, estará lado a lado com uma turma de influenciadores que nasceu e cresceu na internet. A concorrência a preocupa? Ali, não funciona como na TV, onde quando uma pessoa assiste a um programa ao vivo tira a audiência do outro. Na internet, não é preciso escolher entre dois canais. Então não há essa concorrência a que estamos habituados e são perfis diferentes.

Está se dando bem no papel de youtuber? Ainda estou em fase de experimentação. Quando saí do Jornal Nacional, passei a ter Instagram, que, na época, era quase um álbum de fotos. No YouTube, a troca é imediata. Outro dia, cheguei em casa cansada e resolvi fazer um short (vídeo curtinho) deitada no sofá. Não era nada especial, mas as pessoas amaram. Elas gostam dessa proximidade, do bastidor.

Guarda algum episódio que a tocou na cobertura de tantas Copas e Olimpíadas? Se pudesse voltar a um único dia, seria o da final da Copa de 2002. Estávamos no mesmo hotel dos jogadores e acabamos nos aproximando. Mesmo assim, só deixaram a gente entrar no ônibus oficial no dia do título. Aí o zagueiro Lúcio me passou a taça, dizendo: “Olha a musa da seleção”. Não entendi muito bem na hora, mas pegou.

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Sente que a transição de agora é mais radical do que quando deixou o JN? Olha, acho que não. No caso do JN, embora fosse manter um pé no jornalismo, migrei para uma área em que o público não estava acostumado a me ver. Havia a cobrança por abrir mão do jornal mais respeitado do país, um posto tão desejado. Mais do que coragem, essas mudanças exigem uma segurança. As pessoas passam a ter um olhar novo sobre você, zerado. É como começar de novo.

Ainda pensa em ter programa na TV? Apresentei três projetos à Globo e um despertou interesse. Só posso adiantar que é ligado a conversa. Tenho me reunido com uma diretora e uma equipe. Não há garantia de que será aprovado. Vou gravar um piloto. Poderia nem contar isso para evitar cobranças, mas, se eles não quiserem, não irá ferir minha vaidade.

Ao descobrir estar com câncer, em 2020, teve medo de morrer? Temi mais pelo que viria pela frente. Tinha visto a minha irmã, que está bem, atravessar um processo difícil com a doença. Comigo, recebi o diagnóstico de câncer do endométrio numa quinta e, no domingo, operei. Felizmente, estava no início e não precisei de rádio nem químio. O susto me fez repensar a vida. Foi ali que decidi não trabalhar mais no Carnaval e comecei a preparar minha saída do Encontro.

Qual a motivação para expor sua vida nas redes? O fato de não estar mais no jornalismo, onde precisava ser imparcial, me dá essa liberdade. E a internet é o lugar onde agora estabeleço conexões, me comunico. Sou ativa nesse terreno também porque sei que um Instagram poderoso atrai clientes e gera dinheiro. Posso falar de feminicídio, mostrar a família, uma viagem, mas tenho um critério: não gosto de postar hotéis e restaurantes. Coloco ali apenas o que a maioria das pessoas pode fazer.

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Já foi vítima de etarismo por se relacionar com um homem 25 anos mais jovem? Claro. Por mais surpreendente que pareça, muitas vezes sofri preconceito das próprias mulheres. Até entendo isso. Sempre fomos tão massacradas, ditaram tanto o que podíamos ou não fazer, que algumas têm dificuldade de aceitar alguém que rompa com o padrão. Não fiz nada para levantar bandeira, mas porque me apaixonei. As pessoas perguntam como vai ser quando eu tiver 85 e ele 60. Não sei nem se daqui a cinco, dez anos vou querer estar nessa relação. Por que tem que ser sempre o homem a decidir?

Juntos há seis anos, a senhora e o deputado federal Túlio Gadêlha (Rede) planejam se casar? Usamos aliança na mão direita e nada mais. Já nos sentimos comprometidos. É dessa forma que a gente vê o relacionamento, sem cobranças. O que queremos é estar um com o outro.

“Por mais surpreendente que pareça, sofri preconceito de mulheres por causa do Túlio. Até entendo. Sempre ditaram o que podíamos fazer e é difícil aceitar quem rompa com isso”

Está preparada para ser primeira-dama, caso Túlio, que é pré-candidato à prefeitura de Recife, vença o pleito? Meu trabalho está centrado no Rio e em São Paulo. Mas, se puder ser útil de alguma maneira, serei.

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Sem nenhum de seus três filhos morando em casa, sofre da síndrome do ninho vazio? Sofri e ainda sofro. Estou me adaptando. Às vezes, chego em casa à noite e penso como é bom não ter que dar oi para ninguém, não me preocupar com nada. Em outras, quando vejo a casa vazia, dá tristeza. Mas não tem nada melhor do que ver os filhos trilhando seus próprios caminhos.

Publicamente, a senhora e William Bonner parecem manter uma relação amigável. Houve um momento em que não foi assim? No começo, foi necessário nos dar um espaço, mas nunca deixamos de falar um com o outro. No fim de um casamento de 26 anos, a relação tinha virado mais de amigos mesmo. Foi uma separação respeitosa, sem brigas. Aos poucos, fomos nos reaproximando. O último Natal passamos juntos, cada qual com seu companheiro.

Nas eleições de 2022, pela primeira vez a senhora declarou seu voto — no caso, em Lula. Por quê? Nunca usei minhas redes como canal político, mas ali achei que devia falar. Era um momento de desrespeito à imprensa, ataques à cultura e proliferação de fake news.

A passagem do tempo a assusta? Sim, mas traz oportunidades também. Quando escuto alguém dizer que é a mesma pessoa de trinta anos atrás, penso: que pena, perdeu a chance de evoluir. Do passado, continuo a não beber cerveja — nunca tomei um copo — e sigo com medo de avião. Comecei a fazer terapia em 2001 por causa das crises de ansiedade nos voos e nunca mais parei. Cheguei a ficar dois anos sem viajar. Tentei de tudo, mas a fobia não vai embora. A diferença é que não deixo mais de embarcar. Quanto à imagem, faço Botox e vários tratamentos. Sou a favor da ciência e um dia, quem sabe, me submeto a uma plástica. E prometo que não vou esconder de ninguém. Sou uma pessoa livre.

Publicado em VEJA de 14 de junho de 2024, edição nº 2897

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