Fabrício Carpinejar: “Sexo não é tudo”
Fenômeno popular em livros de imenso sucesso e nas redes, o poeta gaúcho filosofa sobre o amor, os outsiders na política e as enchentes do Sul
O gaúcho Fabrício Carpinejar, de 51 anos, virou fenômeno popular no Brasil — a um só tempo, de raciocínios profundos e aforismos de fácil compreensão para quem anseia por cultura em pílulas. Seus livros vendem como pão quente — logo alcançarão a marca de 1 milhão de exemplares. Faz sucesso na televisão e nas redes sociais. Frases curtas de sua autoria são compartilhadas por mais de 7 milhões de seguidores, somados entre Facebook, Instagram, YouTube, Threads e o provisoriamente interrompido X. Na próxima semana ele lançará seu 51º livro — ou 52º, porque existe até um secreto em sua extensa obra. Trata-se de Se Eu Soubesse — Para Maiores de 40 Anos (Editora Bertrand Brasil), em que aborda a vida, os relacionamentos, a família e a passagem inexorável do tempo. Nesta entrevista a VEJA, com voz pausada e hipnótica, Carpinejar aprofunda questões centrais de nosso tempo: a extinção da saudade pela virtualidade, os impactos dos desastres ambientais — ele foi testemunha atenta das enchentes no Rio Grande do Sul — e os desafios trazidos pelo envelhecimento da população, associado às dores do luto. Leia, a seguir, os melhores trechos da conversa de um intelectual que oferece a seus leitores um sábio conselho: curamos nossa tristeza quando nos preocupamos com a tristeza do outro.
Com Se Eu Soubesse — Para Maiores de 40 Anos você ultrapassará a marca de 1 milhão de exemplares vendidos. É patamar raro na literatura brasileira. Imaginava virar best-seller? Para quem recebeu diagnóstico de retardo mental aos 7 anos, para quem foi alfabetizado pela mãe em casa — ela tirou licença do trabalho por dois meses e me educou com jogos educativos —, para quem sofreu bullying pelas dificuldades de dicção na escola, posso dizer que eu superei as expectativas. Posso até emprestar expectativas. Descobri que diagnóstico não é destino. Destino é você quem faz.
Entre os seus 52 livros, fez muito sucesso Cuide dos Pais Antes que Seja Tarde, breviário de gentilezas na velhice. Como é pertencer a essa geração sanduíche, a primeira a cuidar ao mesmo tempo de pais, filhos e netos? O termo se refere a um estar “prensado” pelas demandas tanto de pais que reivindicam atenção e cuidados quanto de filhos. Ou seja, é a primeira geração, na faixa dos 40 a 50 anos, que experimenta uma responsabilidade por todos da família, já que as pessoas estão tendo filhos mais tarde, e seus pais estão vivendo mais. É um malabarismo mental pouco discutido com o impacto de uma maior longevidade: é necessário planejar a velhice dos pais. Muitos adultos deixam de viajar, abdicam de relações amorosas ou interrompem a carreira para dar conta do recado. São guardiões silenciosos da aposentadoria dos seus tutores. Exige-se um sacrifício inominável. Pois, além dos próprios filhos, tornam-se pais dos pais.
A população brasileira está envelhecendo. Estamos preparados? Não, de modo nenhum. No Rio Grande do Sul, um em cada cinco moradores é idoso. Vai se igualando ao Uruguai. Não há mais como reservar 5% das vagas em estacionamentos públicos e privados para idosos, se a população idosa se encontra no polpudo montante de 20%. Assim como manter a porcentagem de 5% em cinemas, bancos e estádios. É pouco. São vinte anos que nos separam das principais normas de proteção aos idosos. A lei envelheceu junto.
“Para quem recebeu diagnóstico de retardo mental aos 7 anos, para quem foi alfabetizado pela mãe em casa, posso dizer que eu superei as expectativas”
Aliás, como é a sua relação com o Rio Grande do Sul, onde nasceu? Existe uma síndrome de Elis Regina, em que fazer sucesso no país é trair o Rio Grande do Sul. É como se não pudéssemos sair do estado. Mas acredito que isso está mudando: nossas raízes são as nossas asas. Quanto mais eu vou longe, mais eu levo o meu sotaque e posso descrever de onde vim. Vejo casos de pacificação da fama, como Luísa Sonza, que ajudou os flagelados da enchente e fez show em sua terra natal na última semana, em Tuparendi.
Em 2024 houve o drama das enchentes, no maior desastre ambiental da história gaúcha. Como, afinal, lidar com as mudanças climáticas? Foi um apocalipse. A enchente atingiu 431 dos nossos 497 municípios em maio, com meio milhão de desabrigados. Dificilmente vamos nos recuperar da régua da enchente, que mostra o quanto somos pequenos e vulneráveis perante a força da natureza. Não há como explicar aos outros o que é ter a sua casa desaparecida, com tudo dentro. Um patrimônio extinto em algumas horas de evacuação desesperada. E não é somente a própria casa, mas perder as casas de convívio do próprio bairro. Pois todo gaúcho tem a sua padaria de estimação, o seu açougue, a sua cafeteria, a sua farmácia.
E o que fazer, agora? Temos que organizar, para ontem, uma rede de especialistas de caráter multipartidário para mitigar efeitos das tragédias climáticas. No mesmo ano, assim como tivemos cidades dizimadas pela enchente no Rio Grande do Sul — Eldorado do Sul, por exemplo, teve 66,7% do território afetado —, Cuiabá e Porto Velho foram asfixiadas pela fumaça das queimadas, com a pior qualidade do ar do país (leia mais na pág. 22). Os incêndios florestais ou no campo são um fenômeno continental, que acontecem também no Paraguai e na Bolívia. Daí cresce a importância da COP30, em Belém, no Pará, no ano que vem.
Vivemos a era das fake news e dos chamados “cortes” de debates nas redes sociais, recurso muito usado durante as campanhas eleitorais. Estamos atrás de fragmentos, e não mais de projetos? Pensávamos que o grande problema eleitoral seriam as fake news e o controle da inteligência artificial na simulação dos fatos, mas não percebemos que o problema não seriam as plataformas, mas uma outra natureza dos candidatos. Pela primeira vez, temos candidatos nativos das redes sociais, que nasceram e formaram suas riquezas na internet, candidatos acostumados a atrair seguidores e que podem usar o algoritmo para atrair votos. Não estão preocupados com o espaço na propaganda gratuita, mas em produzir cada vez mais fatos novos pelas redes sociais. Participam de debates pensando nos cortes que vão para o Instagram e para o TikTok. Têm noção de que um minuto bem editado atacando alguém é melhor do que cinco minutos defendendo seus projetos.
Eles sairão ganhando? São excêntricos, diretos, polêmicos, agressivos, debochados. Os postulantes analógicos ficam atrás, porque se preocupam com a sua reputação. Os nativos digitais só querem que falem deles, bem ou mal. O que importa é o número de menções. É uma eleição absolutamente inédita, em que a rejeição fará vencedores.
Sua obra fala muito do amor. Mas o que tem crescido, de fato, é a quantidade de podcasts em que celebridades desnudam sua vida íntima, revelam quantas vezes fazem sexo por semana. Como vê isso? Parece que os podcasts entrevistam leões, conhecidos pelo seu apetite sexual, capazes de copular dezenas de vezes em algumas horas. Ou mesmo sabatinam coelhos, que copulam por sobrevivência. E ninguém contesta o índice absurdo de vezes por semana para não dar a entender que é infeliz. Mentir sobre o desempenho passou a ser normal.
Sexo ou amor? A verdade é que, se o casamento só tem sexo, é muito fácil sair dele por sexo. É muito fácil trair, trocar sexo por sexo. Significa que não há outras fontes de afeto no convívio. Sexo não é tudo no casamento, é uma de suas partes deliciosas. Dormir de conchinha é tão bom quanto, um colo é tão bom quanto, um passeio é tão bom quanto, um cineminha abraçados é tão bom quanto, repartir ideias é tão bom quanto, dançar colados numa balada é tão bom quanto. Em vez de falar da frequência na cama, me interessa qual a frequência dos dois juntos na sala. Quantas vezes você conversa olhando nos olhos? Quantas vezes você separa um tempo para fazer um programa no sofá? Quantas vezes você fica de mãos dadas? Quantas vezes você dá um beijo que não é selinho por semana? Aliás, casal que não se beija na boca de língua já está se separando.
Mas você já disse que o romantismo é prejudicial para a saúde emocional. Por quê? Porque ele exige que você abdique de sua personalidade a favor de alguém. É um atentado ao amor-próprio. Metades não se completam, mas se anulam. Inteiros se encaixam. Não acredito em relações feitas pela moeda do sacrifício e da renúncia, são armadilhas de relacionamentos dependentes ou tóxicos, são iscas para narcisistas.
“São excêntricos, polêmicos, agressivos, debochados. Os nativos digitais só querem que falem deles, bem ou mal. O que importa é o número de menções. É uma eleição inédita”
E o que pode acontecer se formos atraídos pela isca? Tudo o que você faz contrariado vai cobrar depois. Amor é paz, é tranquilidade, é continuar sendo quem você era antes do relacionamento. Deveríamos substituir o amor romântico pela autenticidade gentil. O alicerce da admiração é a amizade. Antes de pedir alguém em namoro, peça a mão da amizade. A amizade é que segura o amor.
Você diz que a saudade é um sentimento em extinção. Por que ela pode acabar? As pessoas hoje em dia não sentem saudade como antes porque estamos imersos em desmemória. Os dias se tornam iguais e repetitivos. Enquanto tentamos fazer várias coisas ao mesmo tempo, acabamos não registrando verdadeiramente nenhuma delas. Isso é evidente quando as pessoas frequentemente perdem objetos dentro de casa, como chaves ou carteiras, porque nunca estão completamente presentes em suas atividades. Se você não dá atenção à realidade, se você não observa, então não cria memórias. E, sem memória, não há saudade. A saudade é a fixação dos acontecimentos, mas, mais do que isso, é sobre como nos sentimos naqueles momentos. Não é apenas o que aconteceu, mas como aquilo nos afeta emocionalmente.
A cura pelo abraço é uma de suas sugestões para o bem viver. O que significa? Só pode curar quem foi curado. É um testemunho de vida. O que eu busco não é mudar vidas, mas devolver o sentido a cada uma delas. Por isso o abraço é parte essencial de minhas palestras. O abraço desarma, iguala e democratiza. Um abraço tem o batimento cardíaco da cura. A gente muitas vezes não se dá conta da potência de nossas emoções porque vivemos enclausurados em nossos pensamentos.
O que, afinal, não podemos deixar de viver? Tantas coisas a gente não pode deixar de viver: dançar descalço numa festa, segurar um bebê no colo, subir em árvores, fazer trilha até encontrar uma cachoeira, tomar banho de chuva, deitar na grama para olhar as estrelas, brincar com um cachorro no chão, acariciar um gato, apaixonar-se, assistir a um amanhecer de dentro do mar, mas o melhor que podemos viver não depende de nós: é se sentir amado. Ser amado por alguém é a experiência mais indescritível da vida.
Publicado em VEJA de 20 de setembro de 2024, edição nº 2911