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Fabio Assunção: “O medo me acompanha sempre”

Na batalha contra a dependência de álcool e drogas há pelo menos quinze anos, o ator global diz que não pode dar brechas para a compulsão

Por Jana Sampaio, Sofia Cerqueira Atualizado em 17 jul 2020, 08h59 - Publicado em 17 jul 2020, 06h00

Vivendo sozinho na quarentena, o ator Fabio Assunção, 48 anos, passa o tempo cuidando de si — em todos os sentidos. No plano espiritual, anda imerso no estudo de Ifá, sistema de princípios religiosos originário da Nigéria, e por causa disso está aprendendo o iorubá, entre outros idiomas. No filosófico, disseca a teoria dos direitos humanos em um grupo de estudos. E no físico, radicalizou: perdeu quase 30 quilos e ganhou músculos. Sem beber desde o início do ano, considera sua dependência de drogas sob controle e sua compulsão “bem acolhida — só fumo cigarro”. Embora supere melhor agora a exposição, admite ter sido “muito ruim” encarar a repercussão de seguidas mostras públicas de vícios, como quando, sob efeito de álcool, se envolveu em uma discussão em Pernambuco e foi levado em uma viatura algemado, em 2017. Com a série Onde Está Meu Coração pronta e sem data de estreia, aguarda o momento de voltar a gravar o seriado Fim, marcado para março. Indaga-se, porém: “Teremos março?”. Fabio tratou dessa e de outras questões em entrevista a VEJA por videochamada, de seu apartamento no Rio de Janeiro.

Seus problemas no passado com álcool e drogas são bem conhecidos. Teve medo de uma recaída durante a quarentena? Essa é uma questão que pauta a vida de qualquer pessoa que tem compulsão. O medo me acompanha sempre. Sei que não posso dar brechas e que há situações em que preciso ser firme e dizer não. Por exemplo: posso beber, mas tomei a decisão este ano de não ingerir nenhuma gota de álcool.

Vale para o ano que vem? Estou presente no agora, inteiro, realizado. Diariamente reforço minhas conexões espirituais e mantenho a cabeça focada em metas. Se eu pensar em 2021, não saboreio as coisas maravilhosas que a vida me oferece hoje.

A pandemia impôs uma pausa em sua carreira. No que mais ela mudou sua vida? Pela primeira vez estou tendo tempo para me dedicar mais ao conhecimento, em encontros virtuais com meu grupo de teoria crítica de direitos humanos, e também para estudar línguas. Tenho aulas de italiano, inglês e iorubá. Além disso, treino pelo menos cinco vezes por semana.

Além dos treinos, seguiu alguma dieta para perder 28 quilos em cinco meses? Entendi que precisava emagrecer para me adequar ao meu papel na série Fim, quando ela puder voltar a ser gravada. O processo acabou me dando mais disciplina na vida. Aprendi a dizer não para a pizza e a bebida alcoólica. Meu porcentual de gordura caiu de 30% para 14%.

Desde que emagreceu, o senhor tem postado várias fotos sem camisa. Ficou mais vaidoso? Sou um cara de 48 anos que nunca fez plástica e está de bem com os fios grisalhos. Considero ser este o melhor momento da minha vida.

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O senhor mora sozinho, já disse que não gosta de dia de folga e prefere emendar um trabalho no outro. Lida bem com a solidão? Não tenho medo da solidão, mas também não fico o tempo todo só. Meus filhos moram em São Paulo, com as mães, e tanto a Ella, de 9 anos, quanto o João, de 17, me fazem companhia de vez em quando. Agora, seria mentira dizer que estou feliz o tempo todo. O isolamento tem me feito olhar mais para dentro de mim mesmo.

“Minha adolescência foi nos anos 1980, quando o mundo tinha outra relação com as drogas. É claro que as más influências existem, mas sempre tive a última palavra”

A reflexão tem sido produtiva? Parece que o mundo parou para que a gente possa se reler. Vejo este momento como uma oportunidade para descobrir o que realmente me interessa e como acolher meus sentimentos. Quando estou angustiado, por exemplo, ocupo o dia com várias tarefas.

Como foi seu primeiro contato com as drogas? Minha adolescência foi nos anos 1980, quando o mundo tinha outra relação com as drogas. É claro que as más influências existem, mas sempre tive a última palavra e sou responsável por minhas escolhas. A maioria das pessoas tem dificuldade de falar sobre isso, não só pela questão moral, mas porque gera um estigma.

O senhor se sente estigmatizado? Sem dúvida, tanto que estamos em 2020 e ainda preciso falar de um assunto que deveria ser privado.

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A repercussão das ocasiões em que apareceu alterado em público deixou marcas? É muito ruim não poder tratar minhas questões pessoais na intimidade. A gente tende a colocar o usuário de drogas no centro do debate, quando, na verdade, existe todo um entorno jurídico, religioso, médico e político que lucra com a venda ilegal dessas substâncias. Não estou dizendo que o dependente químico é um coitado, mas ele está desamparado.

É uma questão pouco discutida? É. Avançamos nas agendas do feminismo, nas pautas ambiental e indígena, mas ficamos parados na questão da dependência química. Chamar alguém que está saindo do bar caindo pelas paredes de bêbado é o mesmo que usar um termo racista.

De um ano para cá, por causa da relação com o vício, o senhor foi tema de música jocosa e teve o rosto estampado em máscaras de Carnaval. Como reagiu? Sempre acho esse tipo de exposição complicado. Mas houve um movimento bacana de desencorajamento ao uso das máscaras, que fez com que me sentisse respeitado. Quanto à música, a banda fez um acordo comigo e destinou os 50 000 reais que recebeu em direitos autorais a projetos sociais para dependentes químicos. Talvez essas coisas sejam necessárias para que o assunto venha a ter a discussão que merece.

Seu problema é com álcool e cocaína? Sim.

Passou por situações de risco por causa da compulsão? Houve risco de todos os tipos. O uso de qualquer substância que altera sua consciência leva a isso. Não há nenhum benefício no uso de drogas nem no consumo excessivo de álcool.

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Em que momento percebeu que precisaria de ajuda? Fui pela primeira vez aos Alcoólicos Anônimos há cerca de quinze anos. Na saída fui fotografado por um paparazzo e saiu uma nota no jornal. Aquilo me prejudicou muito e demorei anos para voltar.

Qual é o caminho para controlar o vício? Isso é subjetivo, mas o meu passou por sessões de análise, acompanhamento com psiquiatra e temporadas em clínicas no Brasil e nos Estados Unidos. Todas as minhas internações foram voluntárias. Há doze anos passei quarenta dias em uma clínica no Arizona. Dois anos depois, fiquei quatro meses em outra em São Paulo. Sigo fazendo terapia até hoje.

Alguma vez pensou em desistir de se tratar? Nunca me acomodei na dependência, nem perdi de vista resolver esse assunto. Ajudou muito o fato de eu sempre trabalhar e ter apoio da empresa e dos familiares, coisa que muita gente não tem.

O senhor já chegou ao fundo do poço? Não. Acho que o fundo do poço é desistir e morrer. Eu estou aqui, vivo.

Ainda se considera compulsivo? Não, minha compulsão está bem acolhida. Hoje só fumo cigarro.

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Já falou sobre drogas com seu filho? Não temos segredos. Mantenho uma relação muito horizontal, um entendimento que adquiri no teatro, vendo a maneira como um diretor orienta o elenco. Sempre falo que ele é livre e que só não quero que faça mal a si mesmo. A Ella é muito nova. Vou esperar que ela me traga suas questões.

O senhor esteve três vezes com João de Deus. O que o levou a ele? Estou sempre buscando evolução espiritual. Já passei pelo budismo, espiritismo e agora estudo o Ifá, que é uma filosofia milenar nigeriana. Lamento muito que ele tenha usado a fé das pessoas com objetivos secundários.

Como ator famoso, o senhor está sempre na mira do público. A fama tem seu lado bom? É claro que sim. É que me permite estar aqui, passando boas vibrações.

E ser galã? Às vezes parece uma forma de prisão? De maneira alguma. Estou onde estou por causa do meu talento e dedicação e do meu público. Eu me sinto lisonjeado, inclusive.

Nesta época de celebridades instantâneas, acha que existe muito famoso sem talento? Vejo bastante gente lutando muito pelos quinze minutos de fama. No meu caso, depois de tantas conquistas profissionais em trinta anos de TV, devo ter algum talento.

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“Procurei os Alcoólicos Anônimos há cerca de quinze anos. Na saída fui fotografado por um paparazzo. Aquilo me prejudicou e demorei anos para voltar”

O senhor foi convidado pelo ex-presidente Lula a integrar uma comissão sobre dependência química e se filiou ao PT em 2017. Pretende se candidatar algum dia? Não quero ser político nem administrar dinheiro público. Fui convidado a participar da comissão na época em que o Lula ia se candidatar à Presidência, mas ele foi preso antes.

Como classifica a atuação do governo Bolsonaro, sobretudo na área da cultura? Acho que o presidente não atua. Este é um governo sem projeto.

Entre a nomeação de Regina Duarte e a de Mario Frias para a Secretaria da Cultura, alguma coisa mudou? Quando a Regina foi convidada, esperei ela começar o trabalho para dar minha opinião. Só que nada foi feito, nenhum projeto foi apresentado. Para mim, aquilo foi uma alegoria completa. O que sei do Mario Frias é que ele foi convidado para um evento na Câmara dos Deputados e nem apareceu.

O senhor já dirigiu duas peças de teatro e foi cotado para assistente de direção da novela Amor de Mãe. Pretende mudar de área? Eu gosto muito da parte conceitual da direção, especialmente no teatro, porque são equipes menores e dá para ser mais autoral. Acabei deixando passar a oportunidade de trabalhar em Amor de Mãe porque não consegui conciliar com a série que estava gravando, mas quero experimentar outras áreas.

O público é cruel com quem envelhece na frente das câmeras? O público, propriamente, não. O problema verdadeiro está na má formação que recebemos em casa e na escola, da nossa cultura ocidental constrangedora, no mercado de trabalho que despreza o conhecimento dos idosos. Eles se tornam invisíveis para muitos.

Está namorando? Não. Estou solteiro. Pode botar aí.

Publicado em VEJA de 22 de julho de 2020, edição nº 2696

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