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“É preciso separar problemas políticos do comércio”, diz chefe da Apex

Jorge Viana diz que o Brasil vai priorizar relações comerciais com os Estados Unidos e que só uma sólida aliança com o centro pode pacificar o país

Por Laryssa Borges Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 09h21 - Publicado em 23 fev 2024, 06h00

Considerado um tucano entre os petistas, o ex-governador e ex-senador Jorge Viana chegou ao cargo de presidente da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos, um portento com 1,6 bilhão de reais em caixa para promover o Brasil no mundo, com a incumbência de reconstruir a imagem do país no exterior depois dos quatro anos em que Jair Bolsonaro utilizou a diplomacia brasileira, entre outras coisas, para atacar parceiros comerciais prioritários e flertar com governos autocráticos na Europa. Defensor da tese de que o pragmatismo deve guiar a cultura de negócios de empresas brasileiras, independentemente de o parceiro ser um ditador de esquerda ou um radical de direita, Viana credita à nova gestão na Apex o desempenho inédito que as exportações nacionais tiveram no ano passado e ressalta que o foco da agência agora deve ser os Estados Unidos, mesmo com a conhecida ojeriza de setores do petismo à Casa Branca. Em entrevista a VEJA, ele também recorre ao pragmatismo para defender uma remodelagem do PT e uma aliança ainda mais sólida e abrangente com os partidos e políticos de centro, os mesmos que até hoje são tachados pelo PT de golpistas, fisiológicos e oportunistas. A seguir os principais trechos:

A Apex é apontada como um cabide de empregos, um órgão de pouca eficácia. Esse estigma procede? Não. Apesar de ter tido muitos contratempos no governo passado, a Apex tem dado uma contribuição importante ao país. Até 2022 o Brasil tinha 26 000 empresas exportadoras, sendo que 14 000 trabalhavam com a Apex. No ano passado, o Brasil passou a ter 29 000 empresas exportadoras, sendo 17 000 com parcerias com a agência. Já são 89 mercados que abrimos no governo Lula. O Brasil não estava vivendo isso. Meu foco agora são os Estados Unidos. É verdade que tem sempre um beicinho por parte de alguns, inclusive dentro do PT, com os americanos. Não tem que ter. A ideia é tratar os Estados Unidos como uma grande prioridade.

O processo de aproximação comercial com os Estados Unidos deve ocorrer mesmo se Donald Trump voltar ao poder? Não podemos deixar de ter um olhar diferenciado e destacado para os Estados Unidos. Eles são o segundo endereço para os nossos negócios. No ano passado, foram 36 bilhões de dólares em exportações com alto valor agregado. Se os americanos fizerem uma volta ao Trump, não temos outra coisa a fazer senão considerar que temos um grande parceiro comercial, independentemente das preferências que cada um tenha. Caso contrário iremos repetir o governo passado, que não tinha noção das coisas. A economia pode e vai conciliar o Brasil.

O agronegócio tem sido a mola propulsora do comércio exterior e também o setor que mais resiste ao atual governo. É possível normalizar essas relações? Em 2022, segundo uma pesquisa da própria Apex, 81% do Parlamento europeu tinha uma imagem negativa do agronegócio brasileiro. Estamos fazendo redução de desmatamento e aumentando a produção, o que é uma equação possível, além de estarmos também diminuindo as mortes e os conflitos. Temos que trabalhar a imagem do Brasil. É só uma questão de tempo e já, já o agronegócio vai entender que o melhor para eles é o governo do presidente Lula.

“É preciso separar problemas políticos do comércio porque quem perde é o empresário brasileiro. Tem crise na Argentina? Tem o Javier Milei? Não quero nem saber. Temos que ser pragmáticos”

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Simpatias ou antipatias ideológicas interferem na promoção de empresas brasileiras no exterior? Sempre uso um exemplo: o primeiro-ministro de Taiwan se elegeu falando mal da China, mas eles separam os negócios. O comércio deve ser tratado à parte. Acho criminoso, por exemplo, o que foi feito com a Venezuela. O fluxo comercial com o Brasil caiu de 10 bilhões para 300 milhões de dólares. É preciso separar problemas políticos do comércio porque quem perde é o empresário brasileiro. Tem crise na Argentina? Tem o Javier Milei? Não quero nem saber. Temos que ser pragmáticos.

Esse pragmatismo é bem recebido pelo seu partido, o PT? Sempre fui olhado de maneira diferente pelo PT. Eu era visto como tucano demais. O PT tem que entender que o mundo mudou e que o Brasil também mudou. Precisamos mudar antes que seja tarde. Quem sabe agora seja o melhor momento para pensarmos em repaginar um pouco o PT até para que ele se reencontre com princípios, com aquilo que nos fez ser grandes. Temos que ter propósito. Não é só dizer que defendemos causas de gênero e racial, que são importantes, mas também é necessário ir além, buscar uma governança que se abra mais, que renove mais, que se insira na juventude. Não dá para ficar com o farol virado para trás.

Na sua avaliação, onde o partido se perdeu? Precisamos passar por um processo forte de mudança, mas tenho dúvida em dizer onde se perdeu porque nós fomos vitimados. Cometemos erros, é verdade, mas longe daquilo pelo que nos puniram, como o impeachment da presidenta Dilma por questões econômicas e de intolerância, impedir o presidente Lula de ser candidato em 2018, o que também foi muito grave. O PT tem que seguir sendo o endereço das minorias, mas tem que estabelecer um diálogo com o centro. A política é feita dessa maneira. Tem eleições em junho na Europa e há uma tendência de crescimento da direita. O alerta está aí. Não podemos gastar toda a nossa energia com os radicais. Nosso diálogo é com o centro. Tem que ter pragmatismo também nisso.

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Quem hoje representa essa corrente de centro a que o senhor se refere? Não me arvoraria a fulanizar, mas quando falo em trabalhar com o centro é trabalhar com quem não votou na gente. Um partido como o PP, que tem o senador Ciro Nogueira e o deputado Arthur Lira, já foi parte do nosso governo no passado e ocupou ministérios seguidamente. O MDB está aí. E o União Brasil está em uma crise de identidade. Esses três partidos são legendas que precisam ter suas lideranças disputadas, são os partidos que estão mais no centro.

Essa visão inclui abrigar políticos que até há pouco tempo eram tratados como golpistas? Acho que não tem saída. Como vamos governar? O PT tem minoria no Senado e na Câmara. Os partidos que carregam algum compromisso com programas parecidos com os nossos, somados, também são minoria. O atual Congresso é a expressão da sociedade. Não podemos levar o pêndulo para o outro extremo. É preciso enfrentar temas importantes. Uma crítica que faço, por exemplo, é que a modelagem de organização partidária no Brasil com financiamento público dos partidos virou um veneno. Isso talvez seja a base da doença que atinge inclusive o PT. É um cenário muito perigoso.

Perigoso? Os partidos viraram indústrias eleitorais, têm donos, são gestores de bilhões de reais, e isso é muito ruim para a democracia. Não sei quanto tempo o Brasil aguenta. Isso pode gerar uma reação de intolerância da população, como aconteceu em 2013.

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O senhor considera o ex-presidente Bolsonaro morto politicamente? Se tem um político conhecido no Brasil é o ex-presidente Bolsonaro. Ele conseguiu com alguns posicionamentos se conectar com setores da sociedade. Alguns foram enganados, mas outros se identificaram com os posicionamentos dele. Sinto muito, mas temos que conviver com isso. Parte do eleitorado dele não se importa com o que fizeram o ex-presidente ou seus filhos. Se acertarmos o passo e fizermos um ajuste nos nossos propósitos do ponto de vista do diálogo, pode ser que a gente consiga atrair aquele eleitor que votou nele porque não queria o PT. Por isso, defendo essa aproximação com o centro. O nosso papel é ser um governo de conciliação. Se for para acertar contas, vai dar errado.

O senhor fala em renovação, mas o presidente Lula caminha para disputar o seu quarto mandato. O Brasil hoje depende muito da liderança do presidente Lula. Ele está muito bem, se cuida e está determinado, mas a decisão de disputar a reeleição tem que partir dele. Estamos vivendo uma crise grave de líderes. Não existe mais protagonismo. O presidente Lula pode ser esse líder que fará a conexão de duas eras, a era do Obama, do George Bush, da Angela Merkel e do Tony Blair, para um mundo novo ao qual ainda estamos tentando nos adaptar.

“Os partidos viraram indústrias, têm donos, são gestores de bilhões, e isso é muito ruim para a democracia. Não sei quanto tempo o Brasil aguenta. Isso pode gerar uma reação da população”

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Lula lidera o PT há mais de 40 anos. É possível pensar numa era pós-Lula? O PT é um partido onde sempre tem disputa, o que não quer dizer que não tenha futuro. Quando tiraram o Lula do jogo, a gente veio com o Haddad, que foi muito bem votado. Se tem um partido que tem quadros é o PT. Há o Camilo Santana, o Rui Costa, o Jaques Wagner. Temos uma oportunidade dada pelo povo brasileiro em que não dá para pensar em outra coisa que não fazer um bom trabalho agora. O PT tem que se apegar a isso. Não é hora de a gente pensar em eleição. Quem tiver essa ansiedade tem que quebrar um pouco a cara. Não dá para pensar no pós-Lula com o Lula tão presente e firme como está.

Com tantos problemas no Brasil, a priorização de uma agenda internacional não soa como um descaso? No ano passado, o presidente visitou vinte países, eu fui a 25 e fizemos oito encontros empresariais com o presidente Lula em Riad, Doha, Argentina… Nos negócios, a imagem do Brasil estava destroçada com o governo Bolsonaro. O ex-presidente demorou quantos dias, semanas e meses para reconhecer a eleição do Biden? Também tratava mal a Argentina, nosso principal parceiro no continente, e tensionava com a China o tempo inteiro. Pelo lado comercial, não se pode ter um presidente que faz isso. O Brasil perdeu o charme. Ficamos muito ausentes do que eu chamo de diplomacia. Lula nos colocou no trilho.

A diplomacia não fica em xeque diante de declarações desastrosas do presidente como a que compara a ação militar de Israel em Gaza ao Holocausto? Eu tenho uma relação de amizade de quarenta anos com o Lula, mas não me sinto na condição de querer fazer qualquer juízo sobre as falas do presidente. Independentemente do ruído que está sendo criado, Lula foi a vida inteira um intransigente defensor do povo judeu. Sempre foi favorável à existência de dois Estados, o de Israel e o da Palestina. A mim não cabe fazer nenhuma consideração de valor porque estamos trabalhando com todos os países. Temos um escritório em Israel. Temos uma relação comercial de quase 2 bilhões de dólares com os israelenses. Eu cuido da parte comercial.

Publicado em VEJA de 23 de fevereiro de 2024, edição nº 2881

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