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“É preciso punir”, diz Paulo Pimenta, chefe da Secom, sobre big techs

Ministro diz que as plataformas digitais devem ser responsabilizadas pela difusão de conteúdos criminosos

Oferecimento de Atualizado em 4 jun 2024, 10h39 - Publicado em 17 fev 2023, 06h00

O petista Paulo Pimenta costuma participar da primeira audiência diária do presidente Lula, quando analisam o noticiário, mapeiam os assuntos que dominam as redes sociais e traçam estratégias para a disputa política. Até agora, de acordo com ele, o governo tem sido bem-sucedido e só teve ganho de imagem, dentro e fora do Brasil, em cada um dos 45 dias iniciais de trabalho. Licenciado do mandato de deputado federal, o ministro tem formação em jornalismo, mas foi escolhido para o cargo em razão de outras credenciais. Filiado ao PT desde meados da década de 80, ele é reconhecidamente combativo e leal ao presidente. No auge da Lava-Jato, por exemplo, tomou a dianteira da pressão feita por parlamentares sobre o Supremo Tribunal Federal a fim de impedir que Lula, na época preso na carceragem da Polícia Federal em Curitiba, fosse transferido para o presídio de Tremembé (SP). A seguir, os principais trechos da entrevista, em que o chefe da Secretaria de Comunicação do governo defende regulamentação para as plataformas digitais, diz que o Estado não deve se intrometer em questões que envolvam conteúdo e acusa Bolsonaro de estar envolvido até o pescoço com a tentativa de golpe em 8 de janeiro.

Em sua avaliação, qual o papel ideal da imprensa na democracia? A liberdade de imprensa é um pouco o termômetro do momento histórico, da maturidade da democracia num determinado país. Ter a garantia de uma imprensa livre, que possa exercer de forma plena a capacidade de investigar, de cobrar e de denunciar, é algo que ajuda sempre. Ajuda o governo e ajuda a democracia.

Em momentos recentes, houve embates muito duros entre o governo e a imprensa. Isso é natural? Da mesma forma que devem ser investigados e cobrados, os governos devem ser reconhecidos como parte do processo político, no qual ele é vidraça, mas também tem opinião sobre as coisas. O governo não está imune de ter opinião no limite daquilo que é o processo democrático, que não envolve perseguição, não envolve censura. Vou dar um exemplo. Saiu na capa de um jornal uma fotomontagem simulando um tiro (no presidente Lula), e a Secretaria de Comunicação se manifestou considerando aquilo um desserviço do ponto de vista jornalístico por ser uma fotomontagem na semana em que o Palácio do Planalto tinha sido quebrado. Isso é censura? Não é. É opinião do governo.

O senhor é favorável à proposta de regulamentação dos meios de comunicação? Esse debate está na Constituição e jamais envolveu conteúdo, censura ou controle da informação. É um debate muito mais de natureza empresarial, mas neste momento existem outras pautas da comunicação tão mais presentes. Recentemente, vi uma conferência do ex-presidente Barack Obama em que ele dizia se arrepender de não ter tratado de forma mais aprofundada, durante o seu governo, do tema das plataformas, das chamadas big techs. Segundo Obama, o fato de a sociedade não ter tratado desse assunto de forma adequada permitiu um processo de corrosão da democracia. Esse tema é muito mais atual.

“O modelo de negócio das big techs não pode se sobrepor ao interesse público. Se o Estado não afirmar que essas plataformas não podem ganhar dinheiro assim, elas seguirão em frente”

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Qual a proposta do governo no caso das plataformas? O governo ainda não tem uma opinião conclusiva. Particularmente, eu acho que a ideia de que as plataformas não têm responsabilidade sobre o conteúdo que veiculam não se sustenta. Esse é um conceito derrotado pela vida real. Basta ver o que aconteceu aqui no processo eleitoral, quando vimos o Judiciário de certa forma legislando, normatizando mecanismos para proteger a democracia. É uma violação da liberdade de expressão o Poder Judiciário determinar a remoção de conteúdos antidemocráticos que questionaram a segurança das urnas eletrônicas? Eu acredito que não, porque o conceito de liberdade de expressão é importante, mas relativizado por outro, que é o direito coletivo, o direito da sociedade, da democracia.

Qual o problema central na atuação das plataformas? O modelo de negócio das big techs não pode se sobrepor ao interesse público e ao conjunto de outros valores que estão em debate nessa questão. Se o Estado não afirmar que essas plataformas não podem ganhar dinheiro divulgando conteúdo criminoso, elas vão seguir em frente. Transmitiram ao vivo o quebra-quebra na Praça dos Três Poderes. Ganharam dinheiro, e quem estava transmitindo também ganhou dinheiro. Se a plataforma recebe publicidade, se há postagem impulsionada nela, a plataforma é mídia e, portanto, deve receber o mesmo tratamento que o restante da mídia recebe. Deve responder judicialmente por aquilo que divulga.

Esse quadro que o senhor descreve contribuiu para eventos como o 8 de janeiro? Acredito que sim. A falta de regulação acabou sendo uma ferramenta importante para a disseminação de ideias autoritárias e teorias conspiratórias. Precisamos formar um consenso progressivo na sociedade de que o impulsionamento e a monetização de conteúdo antidemocrático é um ato criminoso, que não pode ser veiculado livremente sem que a plataforma seja corresponsável. Muitas vezes, a gente reduz esse tema só para a dimensão da política, mas ele é bem mais amplo e envolve, por exemplo, a saúde pública. Hoje, o cidadão está em casa e recebe um link que vende um remédio que não existe, produzido em fundo de quintal, sem autorização da Anvisa. A plataforma não tem nenhuma responsabilidade sobre isso?

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Qual o plano do governo para combater as fake news? Desinformação é outra coisa, é disputa de narrativa, e aí o tratamento deve ser outro. Sou absolutamente contrário a qualquer ideia de que o Estado deva regular a disputa de conteúdo, de versão, de narrativa. Agora, acho que a sociedade deve fazer um esforço para construir um espaço saudável por onde a informação transite e para que as pessoas que compartilhem fake news tenham vergonha da prática e tenham clareza de que se trata de uma conduta reprovável do ponto de vista social. Quando eu era criança, as pessoas faziam piadas homofóbicas e racistas. Hoje, quem faz é tratado como uma pessoa vil.

A ideia, equivocada, de que a vacina pode fazer mal à saúde é fake news ou disputa de narrativa? Eu fiz a mesma pergunta à ministra da Saúde (Nísia Trindade). Ela me disse que a comunidade científica internacional tem uma posição consolidada que sustenta que a vacina funciona e que não existem estudos respeitados em nenhum lugar do mundo que digam o contrário. O cidadão que divulga a cloroquina, impulsiona esse negócio, comete crime. Cabe ao Ministério Público e aos órgãos de fiscalização e controle tomar as providências, e às plataformas não permitirem que essa informação circule.

Que tipo de fake news ou de narrativa mais atrapalhou até agora o novo governo? Estes 45 dias iniciais foram muito favoráveis ao governo, dentro e fora do Brasil, do ponto de vista de imagem. Eu tenho um método de trabalho: chego ao final do expediente e faço um balanço sobre se o dia foi bom ou não. Dos 45 dias, ganhamos em todos. Não perdemos em nenhum deles a narrativa de fatos positivos e importantes para o país.

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Qual foi o melhor dia? Foi o da posse. E o pior foi o do quebra-quebra.

Alguns analistas avaliam que, apesar da tragédia, o 8 de janeiro acabou produzindo um cenário político favorável para o governo. O dia em si foi muito ruim para todos. Já o dia seguinte foi muito importante, porque às 9 da manhã, com o palácio quebrado, estavam reunidos aqui os chefes dos três poderes mostrando para a sociedade e o mundo que o que tinha sido atingido era o espaço físico das instituições, mas que elas funcionavam normalmente. O presidente saiu daquela reunião e se encontrou com os comandantes militares. Depois, começou a receber ligações de chefes de Estado, reuniu-se com todos os governadores e junto com os chefes dos poderes atravessou a praça para ir ao Supremo. Aquele dia foi um dos mais importantes para a democracia. A resposta foi dada.

“A ideia de golpe estava presente em algumas figuras, como no próprio Bolsonaro e em alguns militares. Minha opinião é que o ex-presidente está até o pescoço envolvido nesses atos criminosos”

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Houve efetivamente uma tentativa de golpe? Houve. Ocorreu uma ação ao mesmo tempo na sede dos três poderes, e qualquer um dos poderes poderia ter convocado uma GLO (a Garantia da Lei e da Ordem levaria o Exército às ruas), o que poderia ter consequências imprevisíveis. A reação das instituições foi muito importante naquele momento. A partir dali, reduziu-se e muito a expectativa daqueles que imaginavam que ainda era possível algum tipo de ruptura. Até ali, essa ideia estava presente em algumas figuras, como no próprio Bolsonaro e em alguns militares. Eles não foram derrotados no dia da eleição. Foram derrotados no 8 de janeiro, que obrigou as pessoas a escolherem de que lado querem ficar.

O ex-presidente Bolsonaro tem de ser responsabilizado pelo ocorrido? Se as investigações conduzidas pelo Supremo Tribunal Federal levarem à sua participação, de seus familiares e de pessoas próximas a eles, todos devem responder como qualquer outra pessoa pelos crimes que cometeram. Agora, minha opinião é que o ex-presidente está até o pescoço envolvido nessa tentativa de golpe.

Como chefe da Comunicação do governo, o que o senhor gostaria de construir em relação à imagem do presidente Lula? Um presidente que não é o presidente só de quem votou nele, de quem só concorda com as ideias dele. Um presidente que é capaz de promover um grande processo de reencontro nacional, de criar um ambiente de superação da intolerância, do ódio, desse sentimento que divide a sociedade e até as famílias.

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Quando se refere a Bolsonaro como genocida, Lula não corre o risco de desagradar aos 58 milhões de eleitores do ex-presidente e de aprofundar a divisão? O ponto de partida deve ser o 8 de janeiro, e não o dia da eleição. Uma parcela da sociedade que votou no Bolsonaro abriu uma porta para que a gente possa buscar a recomposição do diálogo. E uma repactuação não pode ser sinônimo de impunidade. Todas as sociedades modernas que tiveram democracias consolidadas fizeram um processo agudo de responsabilização da conduta de líderes políticos que incentivaram essas sociedades a mergulharem em crises civilizatórias e humanitárias. Quando o presidente se refere ao ex-presidente dessa forma é porque ele tem uma compreensão de que, se o ex-presidente tivesse agido de outra maneira, centenas de milhares de mortes que ocorreram no Brasil poderiam ter sido evitadas.

Publicado em VEJA de 22 de fevereiro de 2023, edição nº 2829

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