Angélica: “Nunca fui tão livre”
Chegando aos 50 sem contrato fixo, a apresentadora expõe os excessos a que se submetem as celebridades, provoca polêmicas e assume seu lado feminista
Uma das mais conhecidas apresentadoras da TV brasileira, Angélica beira os 50 anos (completa em novembro) projetando uma imagem bem diferente daquela cultivada durante a longa carreira iniciada na infância. Desligada da Globo há quatro anos, após duas décadas e meia de casa, a menina que passou a vida se comportando, se vestindo e falando como os outros queriam agora trata, sem travas, dos mais incandescentes assuntos, entre eles a permanente vigilância sobre sintomas de síndrome de pânico, as loucuras que já cometeu para se encaixar no figurino de celebridade e, claro, a utilidade dos vibradores. Nesta franca entrevista a VEJA, concedida na casa cercada de verde, na Zona Oeste do Rio, onde mora com o marido, Luciano Huck, e os três filhos, Angélica também olha para o futuro, no qual não descarta duas possibilidades: fazer plástica e ser primeira-dama.
Ao sair da Globo, após mais de duas décadas, declarou estar aliviada. Por quê? Não falei isso por deixar a emissora. Continuo tendo uma relação familiar com ela, mas, além de poder fazer uma pausa na TV pela primeira vez na vida, o casamento lá estava morno, sem tesão. Eles queriam contar comigo para apresentar programas que fossem surgindo e eu estava atrás de algo com a minha cara. Em 2019, quando o Estrelas não estava mais no ar, já não tive o contrato renovado. Não havia projeto para mim.
Antes de deixar a emissora, a senhora pôs uma ideia à mesa, que foi vetada. Isso a irritou? Em qualquer trabalho há momentos de irritação, é natural. Tive quatro, cinco projetos recusados. Como a Globo passava por mudanças e muita gente antiga havia saído, me senti sem interlocutor. Nada impede, porém, que assine contratos lá por obra. Em 2020 mesmo, apresentei o Simples Assim, que tratava da busca por felicidade.
Sua passagem pelo streaming, com um programa sobre astrologia na HBO Max, foi relâmpago. Não deu certo? Não, por vários fatores. Queria experimentar aquele modelo, sem a pressão da TV aberta e participando da criação de projetos. Foi uma delícia fazer o Jornada Astral, mas não se encaixou bem no streaming. Acabei rescindindo o contrato de três anos de forma consensual.
Às vésperas dos 50 anos, se sente mais livre? Sim, em vários sentidos. Passei a vida falando e me comportando como os outros queriam. Para se ter uma ideia, os figurinistas escolhiam minhas roupas até quando não estava trabalhando. Era cômodo. Agora, nesta nova fase, estou aprendendo a ser dona das minhas escolhas. Mas, apesar do prazer que essa liberdade me traz, não é simples. Um ano depois de sair da Globo, bateu aquela abstinência, um vazio. Sofri com a falta da rotina, da correria — isso somado à pressão externa por não estar na TV. A análise, a ioga e a meditação, que já fazia antes, me ajudam. Ainda não sinto o peso do envelhecimento, pode ser que mais para a frente aconteça. Hoje sou a mulher que quero ser.
“Nunca dá para dizer que estou livre da síndrome do pânico. Embora saiba reconhecer os gatilhos e domine técnicas de respiração que me ajudam, vivo constantemente atenta”
A senhora começou a trabalhar aos 4 anos, chegou a fazer dois programas ao mesmo tempo e shows nos fins de semana. O preço foi alto? Não tem como não ser. Aos 28 anos, durante uma gravação, caí de exaustão. Um médico foi chamado e passei um mês tomando remédio para dormir. Acharam, a princípio, que era cansaço. Vivia naquele tempo uma adolescência tardia, saindo muito e dormindo pouco. Só que os episódios de mal-estar iam se repetindo. Suava frio, tinha falta de ar, taquicardia, tontura e uma sensação forte de medo. Fui parar várias vezes no hospital e não encontravam nada. Na realidade, aquilo tinha um nome: síndrome do pânico.
O que mudou depois desses episódios? Como comecei a ter fobia de lugares fechados, com música alta e multidão, pisei no freio. As pessoas não sabem, mas deixei de fazer shows desde 2001 justamente por causa dessas crises de pânico. O espetáculo de lançamento do meu último disco, que marcaria a abertura de uma casa de shows em São Paulo, foi cancelado duas semanas antes. Deixei de trabalhar nos fins de semana, fui fazer terapia e, aos poucos, me livrei da minha muleta — um remedinho natural que não podia deixar de estar na bolsa.
Recentemente, contou que o problema voltou após o acidente de avião que sofreu com a família, em 2015. Isso a deixa em alerta permanente? Nunca dá para dizer “estou livre”. Embora saiba reconhecer os gatilhos e domine técnicas de respiração que muito me ajudam, vivo constantemente atenta. Passado um ano do acidente, tive nova crise de pânico. Estava de férias em Nova York com a família, saí para dar uma volta sozinha e, do nada, travei. Não conseguia sair do lugar. O Luciano precisou me buscar e regressei ao Brasil medicada. Fiquei um ano evitando festas, viagens e, quando tinha reuniões em salas fechadas, sentava perto da porta.
O acidente deixou marcas? Tive muito medo de morrer. Entre o momento que os motores pararam e o avião bateu no chão, foram quatro minutos de desespero. Comecei a gritar e a rezar alto, com a certeza de que era o fim. Depois, ficamos em posição fetal e veio um profundo silêncio. Nem a gente nem os pilotos e as babás se feriram gravemente. Encaramos como um milagre e comemoramos nosso renascimento todo dia 24 de maio.
Deixaria que seus filhos entrassem no meio artístico tão cedo? Não. No meu caso, participei de um concurso de beleza, as coisas foram acontecendo e ainda ajudava a família. Funcionou, mas vejo gente que não segurou a cabeça. A Eva, de 10 anos, fala que será atriz, e o Joaquim, de 18, adora os bastidores. Se for uma escolha mais à frente, vou apoiá-los.
Nas duas últimas eleições presidenciais, Luciano Huck flertou com a candidatura. Circulou que a senhora teria lhe pedido para não entrar na política. É verdade? Jamais faria isso. Ele é um ser político, tem vontade de fazer a diferença, tanto assim que seu nome foi cogitado. Quando sentamos para conversar, disse que, se fosse sua missão, estaria a seu lado. A ideia não me agradava pelo conjunto da obra, mas só falei depois que ele desistiu. Tinha medo da baixaria, que meus filhos passassem por agressões gratuitas, que o Luciano se decepcionasse.
Acha que em algum momento ele ainda vai concorrer à Presidência? Não é o projeto hoje, mas, se isso for seu destino, vai acontecer.
Chegou a se imaginar no posto de primeira-dama? Não me põe nessa, por favor. Esse nunca foi um projeto meu. Se tiver que ser, o.k., vamos lá. Já me encontrei com a Janja e achei muito bacana. Ao mesmo tempo que cuida do Lula, ela se coloca em várias questões e exerce o feminismo.
E a senhora, se define como feminista? Antes não me via, mas, agora, sem dúvida. Eu mesma, já famosa, fui vítima de machismo em reuniões de trabalho. Numa mesa com diversos homens, tinha que brigar para ter voz. Eu falava e diziam: “Ah, tá, tá”, sem dar atenção. Hoje sou sócia do portal Mina Bem-Estar, que aborda assuntos ligados a corpo, mente, sexualidade e empoderamento feminino.
No Dia das Mães, a senhora provocou polêmica ao sugerir nas redes dar vibradores como presente. Ainda há tabu em torno do prazer feminino? Sim, muito. Fiquei surpresa ao ver que, entre as críticas, muitas vieram de mulheres. Eu dei à minha mãe um vibrador — palavra, aliás, que antes ela nem pronunciava. Eu uso, por ser benéfico para quem está na menopausa e como um aliado no relacionamento. Desculpa, mas presto um serviço de utilidade pública quando falo disso.
É a favor da descriminalização do aborto? Defendo a liberdade da mulher, o direito de escolha. Graças a Deus que eu nunca passei por isso. É sempre um trauma.
A onda politicamente correta contém exageros? Vejo exageros, sim, mas acho que são necessários. Me peguei várias vezes reclamando “putz, que saco, não se pode falar mais nada”. Por estar num lugar privilegiado, de branca, loira, rica, hétero e famosa, preciso ficar ainda mais atenta. Estamos vivendo uma revolução.
“Eu dei um vibrador à minha mãe. E uso, por ser benéfico para quem está na menopausa e como aliado no relacionamento. Presto um serviço de utilidade pública quando falo disso”
Nos últimos anos, vieram à tona denúncias de assédio sexual na TV. Chegou a ser vítima? Olhando para trás, digo que sim. Há memórias que me causam incômodo até hoje. Comecei cedo, usando sempre shortinho, topzinho. Não dá para citar um nome específico, mas houve gestos de gente da direção e da produção que, com a visão que tenho hoje, entendo como assédio. Era um abraço estranho, alguém que sentava se encostando ou que falava passando a mão na minha perna. Tenho certeza de que minha mãe, vista na época como um rottweiler, me salvou de coisas piores. Quando me trocava no camarim, fosse quem fosse, ela não deixava entrar.
Vira e mexe seu casamento é alvo de boatos, inclusive de traições. Já cogitaram a separação? Nunca. Claro que a gente briga, temos personalidades fortes. Por isso, tentamos nos proteger duas vezes mais e não deixar o lado de fora invadir a relação. Quero muito comemorar os vinte anos juntos, em 2024. O Luciano talvez me mate por contar, mas a ideia é organizar uma nova festa de casamento.
A senhora vai estrear uma série atuando com a Xuxa. Chegaram a ter rixas no passado? Isso existiu, sim, mas por parte de fãs e empresários. Não nos falamos por muito tempo e achava que ela não gostava de mim. Já eu tinha adoração pela Xuxa. Quando fazia o Clube da Criança, na Manchete, e ela estava na Globo, meu diretor dizia: “Não vê o programa dela, para não se influenciar”. Hoje, somos grandes amigas.
Desde adolescente, faz Botox e outros procedimentos estéticos. Acha que exagerou? Vendo fotos minhas novinha, com a sobrancelha esticada, aquela cara meio diabólica, vejo que exagerei em certos momentos, sim. Ia direto à dermatologista, qualquer espinha era um drama e acabava incentivada a fazer Botox. A pinta na perna me incomodava a ponto de ir ao Ivo Pitanguy para tirá-la. Ele se recusou. Também achava minhas coxas roliças e engatei em todas as dietas malucas para emagrecer. Ficava sem comer, depois tomava só sopa, mais tarde só um tipo de fruta. Usei inclusive remédios para perder peso. Perto dos 30 anos, dei um basta e passei a me aceitar. Nunca fiz plástica, mas no futuro, se é para ficar mais feliz, por que não?
Publicado em VEJA de 2 de agosto de 2023, edição nº 2852