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Medicamentos na fila de espera

O canabidiol, derivado da maconha utilizado para tratar convulsão, ainda está sob análise da Anvisa. Mas esse não é o único caso empacado na agência. Medicamentos e pesquisas clínicas que poderiam beneficiar milhares de brasileiros esbarram na burocracia do órgão

Por Vivian Carrer Elias
7 jun 2014, 17h40

Na última semana, uma reunião da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) deveria discutir a reclassificação do canabidiol, um composto derivado da maconha. Se aprovada, a substância passaria de proibida para de controle especial. A Anvisa, no entanto, resolveu adiar a decisão.

O canabidiol é um dos componentes da cannabis – sozinho, ele não provoca dependência e nem desencadeia efeitos psicoativos. Nos Estados Unidos, por exemplo, o extrato da substância é autorizado em alguns Estados e vendido como suplemento alimentar – o produto não é regulado pelo Food and Drug Administration (FDA).

Em agosto de 2013, a rede americana CNN exibiu uma reportagem sobre a história de Charlotte Figi, hoje com sete anos e portadora de Síndrome de Dravet, uma forma rara e grave de epilepsia. Aos cinco anos, ela sofria 300 convulsões graves por semana e havia perdido a capacidade de andar, falar e comer. Sua família decidiu tratá-la com o extrato de um tipo de cannabis rico em canabidiol. Aos seis anos, Charlotte voltou a andar e a falar, e seus episódios de convulsões foram reduzidos para duas a três vezes por mês. Depois de Charlotte, outras histórias semelhantes se tornaram conhecidas. No Brasil, famílias entraram na Justiça para terem o direito de importar o extrato de canabidiol.

Decisão – A reclassificação do canabidiol para substância controlada poderia facilitar a condução de pesquisas sobre o composto, explica o psiquiatra José Alexandre de Souza Crippa, professor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP) e pesquisador do assunto. Seus estudos testam o composto, em animais e em humanos, para o tratamento de doença de Parkinson, esquizofrenia, fobia social, transtornos do sono e até dependência química.

“Quase todas as nossas pesquisas são feitas com canabidiol puro, e isso é diferente da maconha. A maconha possui outros compostos e seu uso a longo prazo pode prejudicar a saúde”, diz Crippa. “É um equívoco pensar que reclassificar o canabidiol seria o mesmo que liberar a maconha.”

Mesmo que o canabidiol deixe de ser uma substância proibida, contudo, ele não será receitado e comercializado no Brasil imediatamente. Antes dessa etapa, seria preciso que estudos clínicos de grande escala que comprovem a eficácia e segurança fossem concluídos – a partir dos resultados, o produto seria submetido à análise na Anvisa.

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Demora – Esse é o caminho que deve ser seguido por todo novo medicamento antes de chegar às prateleiras brasileiras. É necessário que o fabricante prove à agência que o produto é eficaz e não colocará a vida do paciente em risco. A partir das informações apresentadas, a entidade decide se concede ou não o registro. Esse é um processo complexo e lento. Segundo dados disponíveis no site da Anvisa, o prazo médio para a análise de registro de novos remédios é de 512 dias.

“Um medicamento inovador geralmente representa um tratamento que não existia até então. Se um paciente não responde aos medicamentos disponíveis e não tem acesso ao remédio novo, fica sem opção”, diz Antônio Britto, presidente executivo da Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma).

Impasse – Além da demora, os critérios do órgão para deliberar sobre o pedido de registro de uma nova droga costumam ser alvo de críticas. Um exemplo é a lenalidomida, aprovada em cerca de setenta países, mas cujo registro foi negado pela agência brasileira. O medicamento é indicado para pacientes com mieloma múltiplo, um câncer de medula óssea, que não respondem aos tratamentos disponíveis.

Carlos Chiattone, diretor da Associação Brasileira de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular (ABHH), defende que o remédio, se indicado corretamente, é mais seguro do que as drogas atuais e, por isso, pode ser usado por um período maior de tempo. “Temos recebido da Anvisa negativas de medicações altamente relevantes e comprovadas cientificamente”, diz.

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A entidade, por sua vez, alega que o produto não “apresentou provas de qualidade, segurança e eficácia necessárias para a aprovação do registro”. “Ou todos esses países estão errados, ou somente nós estamos”, diz Antônio Britto, da Interfarma.

Avanços? – A Anvisa tem sinalizado que esse cenário pode mudar – ou ao menos melhorar um pouco. Em uma audiência pública realizada em maio na Câmara dos Deputados, o gerente-geral de medicamentos da agência, Ricardo Ferreira Borges, assumiu que a legislação sobre o assunto precisa ser atualizada.

Além disso, a Anvisa apresentou no mês passado uma proposta para acelerar a autorização de pesquisas clínicas no Brasil, estipulando um prazo de 90 dias para se posicionar – o órgão deve realizar uma consulta pública neste mês sobre o assunto.

Um levantamento da Abracro, associação que reúne as Organizações Representativas de Pesquisas Clínicas, analisou 85 protocolos de estudos que foram submetidos para análise na agência entre janeiro de 2013 e março de 2014. Desses, apenas doze foram aprovados e o prazo médio para o parecer final foi de 245 dias.

“Em uma pesquisa internacional, Estados Unidos e Europa levam 90 dias para dar uma resposta sobre a participação no estudo. No Brasil, esse tempo é muito maior, e isso faz com que o país fique de fora desses projetos. Os médicos deixam de ter contato com novas tecnologias e remédios, nossos pacientes deixam de participar de estudos e somos excluídos do que há de mais moderno”, diz Fernando de Resende Francisco, membro da diretoria da Abracro.

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Procurada pelo site de VEJA, a Anvisa não respondeu ao pedido de entrevista.

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