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Reeleito no Equador, Correa contou com sorte e retórica

Em campanha, presidente se mostrou como salvador, mas, segundo analistas, sua vitória reflete menos competência e mais a irrelevância da oposição no país

Por Cecília Araújo e Gabriela Loureiro
18 fev 2013, 08h44

Em sua campanha para tentar a reeleição, o presidente do Equador, Rafael Correa, se apresentou como o homem que transformou completamente o país, após vários anos de instabilidade política e econômica. Inimigo dos banqueiros e das privatizações, Correa mantém um discurso populista à la Hugo Chávez. “O Equador não está mais à venda”, insiste ele. A mensagem é sedutora e parece ter convencido os eleitores. Correa foi reeleito no primeiro turno no domingo (57%), como já adiantavam as pesquisas de opinião, muito à frente do banqueiro Guillermo Lasso (24%). Para especialistas, porém, esse resultado reflete menos a competência do político e mais a irrelevância da oposição no país, além de uma pitada de sorte do presidente.

“A oposição equatoriana é muito dividida, e não tem propostas atrativas. Não havia um só candidato que se apresentasse como uma alternativa a Correa”, afirma Simon Pachano, coordenador do programa de estudos políticos da Faculdade Latino Americana de Ciências Sociais do Equador e colunista do jornal El Universo. O especialista em América Latina e membro do Grupo de Análise da Conjuntura Internacional da Universidade de São Paulo Alberto Pfeifer explica que a oposição em países moldados pelo movimento bolivariano costuma ser fraca por natureza. “Podemos ver em outros estados populistas, como na Venezuela e na Bolívia, que não é nada fácil lidar com a força politica governista”.

Pfeifer cita a falta de liberdade de imprensa como fator que colabora para o enfraquecimento da oposição, e também do setor privado no país. “O governo equatoriano ameaça empresas, especialmente as de comunicação, com a cassação de licenças. Proprietários, articulistas e editorialistas que ousam se referir ao governo de forma crítica sofrem com processos judiciais e indenizações altíssimas. Alguns são até obrigados a se exilar”, pontua. Esse controle institucional reflete um estado com características cada vez mais centradas na figura do presidente. “É à custa desse controle que o governo consegue garantir assistência à população.”

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Economia – Os analistas relacionam outro ponto que favoreceu a reeleição de Correa: a boa situação econômica do país, devido aos altos preços do petróleo no mercado internacional. Antes de sua chegada ao poder, em 2007, os equatorianos viram sua moeda, o Sucre, entrar em colapso e ser substituída pelo dólar americano, no ano 2000. “Novas estradas e rodovias serpenteiam pelo Equador, repletas de outdoors lembrando os motoristas como era ruim a rede de estradas esburacadas do país andino até a primeira eleição de Rafael Correa, seis anos atrás. Cidades e vilas ostentam novas escolas e clínicas de saúde. O salário mínimo aumentou bem acima da inflação, e cerca de dois milhões de pobres (em uma população de 14,5 milhões de pessoas) passaram a receber ajudas mensais em dinheiro”, enumerou a revista britânica The Economist.

Segundo Pfeifer, o presidente contou com a sorte nesse aspecto. “Correa encontrou as oportunidades certas na hora certa. Durante seu mandato, os preços das commodities se elevaram no mercado internacional, e o Equador, que depende de exportação especialmente do petróleo, além de café, cacau e banana, teve a sorte de vender seus produtos a preços altos”. Isso permitiu ao país usar os excedentes fiscais para investir em questões sociais e distribuição de renda, medida inspirada em Hugo Chávez. Além disso, Correa usou uma boa dose de carisma e retórica para conquistar a população. Muitos equatorianos sentiram que a riqueza do petróleo finalmente chegou até eles. “Para se comunicar com as camadas mais pobres da população equatoriana, Correa também se espelha muito em Chávez, mas seu discurso é mais elaborado, pois ele tem uma formação acadêmica e mais condições de sustentar sua argumentação”, acrescenta o professor.

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Para Pachano, nos próximos anos, Correa deve aprofundar os modelos político e econômico atuais, impondo uma visão ainda mais autoritária do papel do estado e intensificar a extração de petróleo e a abertura do mercado, sobretudo aos capitais chineses. Porém, considerando que o Equador já não produz petróleo como em 2006 e que o estado tem uma dívida de bilhões de dólares com a China, a ser paga com a produção do óleo, continuar governando da mesma maneira pode ser complicado, como destaca a Economist. Além disso, o investimento privado e estrangeiro caiu muito devido a medidas de Correa como o repúdio a garantias, mudanças frequentes nos impostos e hostilidade aos bancos. Mesmo assim, a prioridade do presidente parece ser criar uma nova força de segurança presidencial e um novo código penal com disposições ainda mais duras contra críticas.

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Censura – Esse lado sombrio de Correa faz com que seus opositores temam que o próximo mandato o leve a implantar um governo ainda mais autoritário, a exemplo do seu homólogo venezuelano. “O presidente equatoriano é intolerante a críticas e construiu um poderoso império midiático estatal, incluindo duas redes de televisão apossadas por banqueiros corruptos. Como Hugo Chávez e Cristina Kirchner, ele abusa dessas provisões”, diz a Economist. Entre janeiro de 2007 e agosto de 2012, Correa usou transmissões estatais para seu próprio interesse pelo menos 1.365 vezes, de acordo com a organização não governamental Fundamedios, inclusive para difamar críticos do seu governo e observadores da Organização dos Estados Americanos (OEA).

O presidente defende que a liberdade de expressão é uma “função do estado”. Ele também usa seu poder de veto para reescrever leis e limitar o poder Legislativo, onde seu partido está em minoria, lembra a publicação britânica. Alterações escusas nas regras para a distribuição de assentos podem inclusive levar o governo a ganhar a maioria absoluta no Congresso nas eleições – os equatorianos também vão eleger integrantes da Assembleia Nacional. Uma reforma judicial ainda facilitou a escolha de juízes “amigos” nos tribunais equatorianos. Segundo um relatório do jornal El Comercio, de Quito, de quase 1.000 investigações de corrupção abertas desde 2007, apenas uma levou a condenações.

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Liderança – Antes do resultado, Correa dava sinais de que uma vitória enfática poderia finalmente consolidar sua vontade de herdar o manto de Chávez, que se recupera de um complexo tratamento contra o câncer o venezuelano acaba de anunciar sua volta ao país , como líder bolivariano na América Latina. O presidente equatoriano bem que tentou mostrar liderança no cenário internacional ao oferecer asilo diplomático a Julian Assange, o fundador do WikiLeaks. Mas a medida não surtiu o efeito esperado e ainda prejudicou a relação do país com a Grã-Bretanha. “Oferecer abrigo diplomático a Assange foi uma cartada para acirrar os ânimos daqueles perfilados com os bolivarianos antissistema, dentro e fora do Equador. Mas, no fim, não passou de um episódio anedótico, sem grandes consequências, que vai ficar no pé da história”, afirma Pfeifer.

Para o especialista da USP, o Equador é um país pequeno demais para ser líder, e não possui excedentes da produção de petróleo necessários para investir em parcerias consistentes na América Latina. “Diferentemente de Chávez, que usa o dinheiro do petróleo venezuelano para oferecer apoio financeiro a países amigos, como Argentina, Cuba e Bolívia, e impor sua influência na região, Correa não tem cacife para bancar projetos fora do Equador”, diz. Além disso, o cenário mudou muito desde que Chávez deu início ao movimento bolivariano na América Latina. “Os remanescentes do movimento bolivariano podem continuar a viver, mas a eventual morte de Chávez significaria o fim efetivo do movimento bolivariano como uma força de destaque na região”, acrescenta Mark Jones, professor de ciências políticas da Universidade Rice, no Texas.

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