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Pequim: saem Bolt e Phelps, entram crianças e velhinhos

Passados quatro anos da Olimpíada mais espetacular da história, o impacto do evento na China é muito menos empolgante - e revela desperdício monstruoso

Por Giancarlo Lepiani, de Pequim
7 abr 2012, 12h38

Os primeiros Jogos pós-Pequim nem sequer começaram, mas na última sede olímpica restam poucos sinais de que o evento passou por ali apenas quatro anos antes

Cada Olimpíada costuma ter seu grande herói, um fenômeno que aniquila recordes e cumpre feitos quase sobrehumanos. Os Jogos de Pequim, em 2008, foram ainda mais especiais: serviram de palco para não só um, mas dois extraordinários campeões. Na primeira semana de disputa na China, o americano Michael Phelps quebrou o recorde de ouros conquistados numa só edição dos Jogos – oito, o mesmo que a delegação inteira do Brasil nas duas últimas Olimpíadas. Na segunda metade dos Jogos, o astro foi o jamaicano Usain Bolt, medalha de ouro nos 100 metros, nos 200 metros e no revezamento 4×100 metros, todas com direito a novos recordes mundiais. As façanhas de Phelps e Bolt foram tão extraordinárias que poderiam ter transformado o Parque Olímpico de Pequim numa espécie de templo histórico do esporte. Passados quatro anos da cerimônia de encerramento, porém, a capital chinesa pouco faz para preservar a memória dos Jogos. Pelo contrário: expõe os locais das vitórias memoráveis da dupla ao desgaste provocado pelo uso corriqueiro de algumas das instalações esportivas mais caras e modernas já construídas no planeta. No Cubo d’Água, o centro de esportes aquáticos de desenho futurista que assistiu às proezas de Phelps, as piscinas não são usadas para formar novos campeões, mas sim para a diversão de poucos atletas amadores. No Ninho do Pássaro, a pista em que Bolt fez história não recebe mais competições esportivas. Agora, está coberta por atrações infantis, como um castelo inflável e um rinque de patinação no gelo. Entre as piscinas e o estádio, a gigantesca esplanada que fica no centro do Parque Olímpico permanece quase deserta, sem utilidade alguma, a não ser pelos passeios ocasionais de alguns turistas e curiosos – e pelas atividades dos ambulantes que tentam vender quinquilharias falsificadas com o logotipo dos Jogos.

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Show à moda chinesa

Relembre como foi a cerimônia de encerramento dos Jogos de Pequim, em 24 de agosto de 2008

Tobogãs e bugigangas – Diante dos custos acachapantes de construção e manutenção, era de se esperar que tanto o Cubo d’Água como o Ninho do Pássaro acabassem sendo convertidos em novas unidades do ambicioso programa chinês de revelação de talentos olímpicos. Com o objetivo de bater os Estados Unidos no quadro de medalhas devidamente cumprido, no entanto, o treinamento dos jovens valores deixou de ser prioridade já em 2008. Na terra de Mao, outra opção possível seria simplesmente abrir as portas do caríssimo complexo olímpico para que a população desfrutasse dele como bem entendesse – um populismo típico das ditaduras de esquerda, mas que não deixaria de ter sua razão de ser, principalmente quando se trata de uma cidade tão insalubre quanto Pequim. Nada disso: convertida em economia de mercado há relativamente pouco tempo, a China recorreu às variações mais primárias do capitalismo, cobrando pela entrada nos estádios e tentando arrancar alguns trocados dos turistas para pagar os custos operacionais dos dois locais. A piscina do Cubo d’Água, considerada uma das mais perfeitas do mundo, está disponível a qualquer iniciante – basta pagar 200 yuans (pouco mais de 50 reais) e fazer um exame médico, como num clube qualquer. O desenho da piscina, que reduz as ondulações, faz qualquer nadador melhorar suas marcas, mas isso pouco importa para os frequentadores do local, em sua maioria idosos, cuja ritmo moroso das braçadas não chega a despertar lembranças de Michael Phelps. Também dentro do Cubo, há um parque aquático infantil, com piscina de ondas artificiais e tobogãs coloridos. No outro lado da arena, uma fileira quase interminável de vitrines vende bugigangas com o desenho do Cubo d’Água. Há dezenas de balconistas, mas é raro achar um cliente.

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Pequim-2008 em números

15 bilhões de dólares…

…foi o custo dos Jogos Olímpicos de acordo com os números oficiais divulgados pelo governo chinês.

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40 bilhões de dólares…

…seria o valor real da Olimpíada, de acordo com os cálculos que foram feitos por fontes independentes.

457 milhões de dólares…

…foi o preço oficial do estádio Ninho do Pássaro.

158 milhões de dólares…

…foi o custo total – declarado – do Cubo d’Água.

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Muito perto dali, cruzando uma rua – cujos semáforos são desnecessários, já que quase nunca passam carros por alin – está uma alternativa para as crianças que enjoarem da piscina de ondas do Cubo d’Água. O Ninho do Pássaro, estádio de arquitetura icônica e capacidade para quase 90.000 pessoas, ficou sem uso desde que um possível inquilino, um clube de futebol local, desistiu de ocupar o espaço (por ter média de público inferior a 10.000 pessoas em seus jogos). Erguido ao custo de quase meio bilhão de dólares, o Ninho do Pássaro recebeu eventos ocasionais – como algumas partidas de futebol e uma exibição de automobilismo – e, no último inverno no hemisfério norte, virou parque infantil, com bonecos de neve, trenós e outras atrações muito pouco olímpicas instaladas bem no meio da pista de atletismo. Para visitar as arquibancadas e conhecer a parte interna do estádio, paga-se um ingresso de 50 yuans, ou 15 reais. Nos corredores e escadarias, chama atenção o desgaste do estádio, cuja manutenção custaria quase 10 milhões de dólares por ano. A parte interna está cheia de pequenas avarias, e a tinta vermelha que cobre boa parte da arena está descascando. Do lado de fora, numa praça, foi instalada a tocha olímpica, cuja cobertura vermelha também já tem buracos. Ao lado, um largo painel de pedra registra os nomes de todos os medalhistas olímpicos de 2008. Mas muitos deles ficariam frustrados caso visitassem Pequim para encontrar a referência à sua participação nos Jogos – junto com a instalação do parquinho de inverno para as crianças ocorreu a construção de uma pista artificial de esqui, cuja estrutura metálica esconde parte do muro de nomes dos campeões olímpicos. Um sintoma claro dos males do legado chinês dos Jogos, que não preserva o passado, improvisa para ganhar algum dinheiro no presente e não sabe o que fará com o Parque Olímpico no futuro.

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