Villavicencio era uma voz a iluminar o drama do Equador – e foi calado
Não há dúvida: o pano de fundo do atentado ao candidato à Presidência foi a disputa pela rota do narcotráfico que tem o país como passagem
Ao fim da Cúpula da Amazônia, a América do Sul acordou sobressaltada com uma tragédia que parece marcar a história do continente — a violência política. Na quarta-feira 9, o jornalista Fernando Villavicencio, de 59 anos, candidato à Presidência do Equador, foi assassinado a tiros. Na tarde daquele dia, ele saía de um ato de campanha em um colégio de Quito. Entrava em um carro, cercado por seguranças, mas a proteção foi inútil: o agressor disparou pelo menos quarenta tiros. Três deles atingiram Villavicencio na cabeça. O autor dos disparos conseguiu fugir em meio à confusão e, até a quinta-feira 10, não tinha sido identificado. Uma facção conhecida como Los Lobos reivindicou o crime. O presidente do Equador, Guillermo Lasso, decretou estado de exceção. Manteve as eleições, previstas para 20 de agosto, mas anunciou que durante dois meses as Forças Armadas do país ficarão nas ruas, em vigília permanente. “Diante da perda de um democrata e um lutador, as eleições não estão suspensas”, disse. “Ao contrário. Serão realizadas, e a democracia precisa se fortalecer. Essa é a melhor razão para ir votar.”
Villavicencio não estava entre os favoritos, segundo as pesquisas de opinião pública, nas quais aparecia em quarto ou quinto lugar. Tampouco entrava no jogo de polarização política entre esquerda e direita — no ano passado, mais de uma vez, olhando para o Brasil, criticou tanto Bolsonaro quanto Lula. Apresentava-se como um homem de centro. Na carreira profissional, destacou-se por reportagens investigativas em que denunciava o nascimento de um narcoestado movido a corrupção. “Assim como para a Colômbia e o México, está claro que não é possível que o narcotráfico se instale em uma sociedade sem o conluio e conivência do poder político”, dizia. Era, portanto, figura malvista pela bandidagem e por uma franja de políticos de uma nação pacífica que, nos últimos anos, foi engolida pelos cartéis de drogas. Não há dúvida: o pano de fundo do atentado foi a disputa pela rota do narcotráfico que tem o Equador como passagem, a caminho do mundo.
O cenário é clássico e terrível. Brigas de gangues nas ruas das grandes cidades e motins em penitenciárias são comuns há pelo menos quatro anos. Cresceram durante o período de quarentena da pandemia e parecem, agora, ter saído de controle. Começaram em cidades litorâneas, explodiram em Guayaquil e já alcançaram a capital. No ano passado, houve a apreensão de 210 toneladas de drogas, sobretudo cocaína, um recorde. Pelo menos 4 500 pessoas foram mortas.
Some-se ao ambiente social destruído pelo tráfico — que inclui a participação de crianças, como acontece no seio da criminalidade em favelas brasileiras — a deterioração econômica de uma sociedade em que apenas 20% dos cidadãos têm emprego fixo. Há miséria, e não por acaso a traficância cresce. Villavicencio era uma voz a iluminar o drama. Foi calado. O Equador tem suas veias abertas.
Publicado em VEJA de 11 de agosto de 2023, edição nº 2854